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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Os Direitos Sociais previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988: uma abordagem dos direitos dos trabalhadores.

Os direitos do trabalhadores no Brasil, estão insculpidos na Constituição Federal de 1988, no título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais. O artigo 7º - Dos Direitos Sociais, é composto de XXXIV incisos, um rol extenso de direitos que, visam a garantia mínima e condizente de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Neste sentido dissemos que, o constituinte Brasileiro, foi assertivo quando positivou os direitos dos trabalhadores como direitos sociais. A Justiça do Trabalho também restou fortalecida com o texto constitucional de 1988.

Neste diapasão, dizer que o trabalho é um direito social, uma garantia constitucional, se torna tarefa da doutrina jurídica orientar a comunidade, debater sobre políticas públicas, orientar a interpretação dos dispositivos legais, e promover essas garantias fundamentais, sobretudo diante da evolução das ferramentas do trabalho, como métodos, formas, meios para executar o trabalho do homem na sociedade.

Nossa proposta, é demonstrar a importância de abordar os direitos sociais no século que se vivencia, diante de tantas transformações decorrentes do capitalismo global, e da acelerada Revolução 4.0, que desafia a justiça Especializada a enfrentar demandas não previstas no ordenamento jurídico, como o trabalho em plataformas digitais.

Para Mendes e Branco (2021, p. 343): "É notório que a Constituição procurou estabelecer limites ao poder de conformação do legislador e dos próprios contratantes na conformação do contrato de trabalho. O constituinte definiu a estrutura básica do modelo jurídico da relação de emprego com efeitos diretos sobre cada situação concreta".

Destarte, o Poder Judiciário Brasileiro é incumbido de realizar o controle de constitucionalidade das leis trabalhistas, preservando assim os direitos sociais, e contribuindo para o não retrocesso social.

André Ramos Tavares (2022, p. 325) enfatiza: "Os direitos sociais de natureza econômica envolvem todas as prestações positivas do Estado voltadas: 1º) à busca do pleno emprego; 2º) à redução das desigualdades sociais e regionais; 3º) à erradicação da pobreza e da marginalização; 4º) à defesa do consumidor e da concorrência".

Este conceito lato sensu, de direitos sociais empregado por Tavares, atribui de certa forma ao Estado de Direito, um dever de atuação na promoção desses direitos, como constatamos até aqui.

André Ramos Tavares (2022, p. 325), escreve:

Assim, como anota Amauri Mascaro Nascimento, “a Constituição é aplicável ao empregado e aos demais trabalhadores nela expressamente indicados, e nos termos que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e ao servidor público. Não mencionando outros trabalhadores, como o eventual, o autônomo e o temporário, os direitos destes ficam dependentes de alteração da lei ordinária, à qual se restringem”.
 
Ademais, a violação dos direitos sociais, aqueles descritos no artigo 7º da Constituição Brasileira de 1988, acabam por configurar o retrocesso social, pondo em xeque direitos dos empregados e trabalhadores.

Sobre a temática, Flávio Martins (2022, p. 500) leciona que:
 
A proibição do retrocesso consiste na vedação aplicada ao legislador e ao administrador de reduzir o nível o nível dos direitos econômicos, sociais e culturais de que goza a população. Em outras palavras, “a proibição do retrocesso pode ser entendida [...] como uma vedação às normas e medidas estatais que, por debilitar ou retrair o nível de proteção outorgado, reinstauram obstáculos para a satisfação de suas necessidades básicas, ou, em termos mais amplos, fazem renascer obstáculos de caráter econômico e social que limitam de fato a liberdade e a igualdade das pessoas, e impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos na organização política, econômica e social de um país.

Deste modo, como bem esclarece Flávio Martins, o retrocesso social, mediante normas estatais que flexibilizam ou enfraquecem aqueles direitos sociais garantidos na Constituição, acarretam em prejuízo ao desenvolvimento da pessoa humana, além do desenvolvimento social de um país.

A comunidade jurídica-laboral, todavia, deve manter-se vigilante, diante das alterações legislativas, e das mutações dos institutos trabalhistas, que por ventura, venham contrariar as normas trabalhistas mínimas, asseguradas pelos direitos sociais, que ressalta-se: ainda estão em constante evolução.

Referências:

MENDES, Gilmar F.; BRANCO, Paulo Gustavo G. SÉRIE IDP - CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555593952. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555593952/. Acesso em: 20 dez. 2022.

TAVARES, André R. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555596915. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555596915/. Acesso em: 20 dez. 2022.

MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620575. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553620575/. Acesso em: 20 dez. 2022.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Regulamento interno da empresa: entre o dever de informação e sua adesão pelo empregado.

A relação entre empregado e empregador necessariamente deve ser pautada pela boa-fé. Isto porque é estabelecido entre as partes, um contrato de trabalho, com deveres e obrigações. É bem verdade que, na admissão do empregado, este hipossuficiente e carecendo de emprego e fonte de renda para seu sustento, aceite a proposta, sem pensar ou conhecer as regras/diretrizes da empresa empregadora pela qual se submete. Muito comum, o empregado conhecer as regras da empresa, somente após os primeiros meses de trabalho.

Na prática, o empregado aceita a oportunidade, desenvolve seu trabalho, acata as solicitações do empregador, até que chega um estágio que começa a discordar, ou apresentar dificuldades em cumprir as regras, e aí, está estabelecido o conflito de interesses, entre o desejado e o esperado, e acaba em litígio na Justiça do Trabalho.

As empresas mais estruturadas, no ato da admissão, já apresentam suas regras por meio do regulamento interno. Este documento deve ser um manual de boas práticas para o empregado, também contribuiu para melhor resultados na empresa. Envolve ainda uma espécie de padronização das atividades.  

Propomos a pensar, se o empregado pode discordar do regulamento interno. Pois, quem precisa de emprego, se submete as suas regras, e claro, adere o regulamento interno da empresa. Não parece comum o empregado contrariar o documento. Mas, a empresa possui o dever de informação? O dever de informar suas exigências?

Sergio Pinto Martins (2021, p. 362) ensina que: "Regulamento de empresa é um conjunto sistemático de regras, escritas ou não, estabelecidas pelo empregador, com ou sem a participação dos trabalhadores, para tratar de questões de ordem técnica ou disciplinar no âmbito da empresa, organizando o trabalho e a produção".

A doutrina jurídica trabalhista é capaz de abordar bem o assunto. Encontramos desde conceito, distinção, natureza jurídica, finalidade, classificação, conteúdo, validade, prazo de vigência, interpretação, limites, campo de aplicação, alteração, e controle externo. (Martins, 2021, p. 362 - 370).

No Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho por meio da Súmula 51 pacificou:

NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)

II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999)

Notamos que, a norma emitida pelo Tribunal é protetiva, tendo em vista que o regulamento interno, geralmente é um documento unilateral confeccionado pelo empregador, face os poderes de regulamentação e disciplina que possui.

Já em Portugal, o artigo 106 e alíneas, do Código de Trabalho (CT), trata do dever de informação.  

3 - O empregador deve prestar ao trabalhador, pelo menos, as seguintes informações:  
a) A respectiva identificação, nomeadamente, sendo sociedade, a existência de uma relação de coligação societária, de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como a sede ou domicílio; 
b) O local de trabalho ou, não havendo um fixo ou predominante, a indicação de que o trabalho é prestado em várias localizações; 
c) A categoria do trabalhador ou a descrição sumária das funções correspondentes; 
d) A data de celebração do contrato e a do início dos seus efeitos; 
e) A duração previsível do contrato, se este for celebrado a termo; 
f) A duração das férias ou o critério para a sua determinação; 
g) Os prazos de aviso prévio a observar pelo empregador e pelo trabalhador para a cessação do contrato, ou o critério para a sua determinação; 
h) O valor e a periodicidade da retribuição; 
i) O período normal de trabalho diário e semanal, especificando os casos em que é definido em termos médios; 
j) O número da apólice de seguro de acidentes de trabalho e a identificação da entidade seguradora; 
l) O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, se houver. 
m) A identificação do fundo de compensação do trabalho ou de mecanismo equivalente, bem como do fundo de garantia de compensação do trabalho, previstos em legislação específica.

Não somente neste trabalho, como já afirmamos em outros textos aqui pelo blog, que Portugal possui uma legislação trabalhista efetiva e de grande prestígio, pela qual o Brasil poderia se espelhar. 

Pedro Romano Martinez (2022, p. 453) diz que, "A Diretiva tem, como principal finalidade, melhorar a proteção dos trabalhadores, dando-lhes conhecimento dos seus direitos e oferecendo uma maior transparência no mercado de trabalho".

Na hipótese, pensamos que o regulamento interno da empresa se constituiu de uma carta de obrigações destinada ao empregado, mas não é bem assim, pois o empregador também deve se comprometer, em relação ao empregado, estabelecendo vantagens por meio de benefícios, uma vez logrado êxito no trabalho realizado.

Deste modo, para se alcançar a finalidade do instituto do regulamento interno empresarial, ainda que considerado uma utopia, a construção desse documento, seria importante a participação de ambas as partes da relação trabalhista. Por fim, consignamos que, não pode haver distinção na aplicação das regras, entre um contrato de trabalho e outro, sob pena de descaracterizar a finalidade do documento, e incidir em infração aos princípios do Direito do Trabalho.  

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2022.


quinta-feira, 7 de julho de 2022

Teletrabalho e igualdade de direitos e deveres: uma comparação com o Direito do Trabalho de Portugal.

Uma nova ordem de executar o trabalho ganhou evidência, principalmente após o período pandêmico, pelo mundo todo. Trata-se do teletrabalho. Um novo conceito de método de trabalho que se revela mais eficaz, e produtivo, com melhores resultados alcançados pelas empresas e corporações/organizações. Algumas legislações já previam essa modalidade de trabalho, mas o desafio para o campo jurídico é se, a legislação consegue abarcar todos os fatos que envolvem a prática do teletrabalho.

Acerca das características do teletrabalho no Brasil, lecionam Neto e Cavalcante (2018, p. 286): "No teletrabalho, podemos destacar que: (a) geralmente, a atividade é realizada a distância, ou seja, fora dos limites de onde os seus resultados são almejados; (b) as ordens são dadas sem condições de se ter o controle físico ou direto da execução. O controle é ocasionado pelos resultados das tarefas executadas; (c) as tarefas são executadas por intermédio de computadores ou de outros equipamentos de informática e telecomunicações".

Carlos Henrique Bezerra Leite (2022, p. 121) entende que: "A subordinação jurídica no teletrabalho é mais tênue e é efetivada por meio de câmeras, sistema de logon e logoff, computadores, relatórios, bem como ligações por celulares, rádios etc. Por isso houve evolução do entendimento contido na Súmula 428 do TST que passou a assegurar, no caso de ofensa à desconexão do trabalho e ao direito fundamental ao lazer, o pagamento de horas de sobreaviso. Trata-se de interpretação que se coaduna com a eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais (direito ao lazer e à desconexão)".

No Brasil, o teletrabalho está disciplinado na Consolidação das Lei do Trabalho (CLT), com algumas alterações após o advento da Lei 13.467/2017, a partir dos artigos 75-A a 75-E. Analisamos que, o legislador Brasileiro foi omisso a muitos temas que envolvem o teletrabalho, principalmente no tocante a igualdade de direitos e deveres.

Na verdade a doutrina, como visto, tem buscado explorar os temas que envolvem o teletrabalho, como ferramentas de trabalho, acidente de trabalho, direito a desconexão, dentre outros. Por ser um instituto novo do Direito do Trabalho, nem todos os acontecimentos estão previstos na legislação trabalhista.

Do contrário, ocorre em Portugal. O Código do Trabalho Português, Lei 7/2009 em seu dispositivo 169º dispõem:

1 - O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores da empresa com a mesma categoria ou com função idêntica, nomeadamente no que se refere a formação, promoção na carreira, limites da duração do trabalho, períodos de descanso, incluindo férias pagas, proteção da saúde e segurança no trabalho, reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, e acesso a informação das estruturas representativas dos trabalhadores, incluindo o direito a: 
 
a) Receber, no mínimo, a retribuição equivalente à que auferiria em regime presencial, com a mesma categoria e função idêntica; 

b) Participar presencialmente em reuniões que se efetuem nas instalações da empresa mediante convocação das comissões sindicais e intersindicais ou da comissão de trabalhadores, nos termos da lei; 

c) Integrar o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação coletiva, podendo candidatar-se a essas estruturas. 

2 - O trabalhador pode utilizar as tecnologias de informação e de comunicação afetas à prestação de trabalho para participar em reunião promovida no local de trabalho por estrutura de representação coletiva dos trabalhadores. 

3 - Qualquer estrutura de representação coletiva dos trabalhadores pode utilizar as tecnologias referidas no número anterior para, no exercício da sua atividade, comunicar com o trabalhador em regime de teletrabalho, nomeadamente divulgando informações a que se refere o n.º 1 do artigo 465.º

4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Observamos, todavia, que a legislação portuguesa é mais abrangente e protecionista, em relação aos direitos dos trabalhadores com contrato presencial, e aqueles que adotam o teletrabalho, principalmente a proteção a saúde e segurança no trabalho, acidente de trabalho e doenças profissionais.

Pedro Romano Martinez (2022, p. 304) ressalta que: "O teletrabalho, não sendo a única forma, pode considerar-se a modalidade paradigmática de trabalho através de meios digitais, a designada revolução digital deu origem a várias formas de prestar trabalho com recurso a meios tecnológicos, que colocam múltiplos problemas na regulamentação do modo clássico de prestar trabalho".

É de se considerar ainda que, esta modalidade de executar o trabalho, já era cogitada muito antes da Revolução tecnológica, conforme menciona Luciano Martinez (2022, p. 143):

Sobre o teletrabalho, a obra A terceira onda, 1980, de Alvin Toffler, é de especial importância. O referido autor, antes mesmo de popularizado o impacto tecnológico dos anos 90, já sustentava que o trabalho seria deslocado, pouco a pouco e cada vez mais, dos escritórios para os domicílios, originando empreendimentos nas bases familiares. Os fatores que impulsionam esse deslocamento são de diversas naturezas, incluindo-se aí as dificuldades de traslado no trânsito urbano das grandes cidades e o alto custo com a manutenção de uma sede pelo empregador.

Destarte, o fato de se adotar o teletrabalho, como visto, não descaracteriza a pessoalidade, a onerosidade, não-eventualiadade e subordinação, ou seja, os requisitos da relação de emprego.

O empregado não pode esquecer que, estar-se-á diante de um contrato de trabalho, não só com direitos, mas com deveres, pela qual se exige uma determinada disciplina, ainda que no conforto do seu lar, de tal modo que o resultado do seu trabalho possa satisfazer os interesses do empregador, que nada mais é que lucratividade.

Deste modo, a comunidade jurídica-laboral, fica incumbida de pesquisar e debater as dificuldades encontradas no teletrabalho pelos empregados e empregadores. Aliás esse é o papel da doutrina, de criar soluções jurídicas através do conhecimento, servindo de argumentos para serem utilizados pelos legisladores e Tribunais de Justiça.

Constatamos então, que o Brasil deveria seguir o modelo de previsão de direitos e deveres adotado por Portugal, dado a evolução legislativa desta modalidade de trabalho naquele país.  

Referências bibliográficas:

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 06 jul. 2022.

LEITE, Carlos Henrique B. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622944. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622944/. Acesso em: 06 jul. 2022.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622128. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622128/. Acesso em: 07 jul. 2022.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Quebra de caixa: quando é devido pelo empregador?

No Direito do Trabalho é comum encontrarmos alguns adicionais a remuneração do empregado, como adicional de horas extras, adicional noturno, de insalubridade, periculosidade, transferência, acúmulo de função, dentre outros.

Destarte, a quebra de caixa, é um instituto do direito do trabalho, que é desconhecido por muitos que desenvolvem a função de operador de caixa.

Ao nosso ver a quebra de caixa não é um adicional, mas tão somente uma verba de remuneração devida ao empregado que exerce a função de operador de caixa.

O pagamento de quebra de caixa é utilizado por quem labora nos estabelecimentos comerciais, lojas, supermercados, bancos, que dispunham do serviço de operador de caixa.
 
A doutrina menciona que, o caráter pedagógico do pagamento de quebra de caixa, serve para incentivar o empregado, quando ocorrer o desconto de seu salário por erro ou falta do valor pecuniário, no momento do fechamento do caixa.

Luciano Martinez (2022, p. 331) ensina que, "A quebra de caixa é um complemento salarial de natureza contratual, atribuído ao empregado responsável pela guarda de numerário do empregador (caixa, tesoureiro ou ocupante de função equivalente), como verba de incentivo que visa atenuar as diferenças negativas eventualmente encontradas no instante de fechamento do fluxo contábil".

Observa-se todavia, que o empregado não está isento de descontos, por eventual valor pecuniário faltante no seu fluxo de caixa. Em contrapartida, uma vez suportado o ônus do desconto, surge como um alento o valor referente a quebra de caixa.

Entende Ricardo Resende (2020, p. 598) que a quebra de caixa: "É a gratificação espontânea concedida pelo empregador aos empregados que exercem a função de caixa, visando compensar eventuais diferenças encontradas quando do fechamento do caixa que, normalmente, observado o disposto no art. 462, § 1º, da CLT, são descontadas do salário do empregado responsável".

A doutrina entende que a quebra de caixa não é verba salarial, e por isso não incidirá em outras verbas trabalhistas. Mas a regra comporta exceção. É o que anotam Neto e Cavalcante (2018, p. 569):

Quando a quebra de caixa é paga independentemente de ocorrer ou não prejuízo ao empregador, tem-se a descaracterização do seu conteúdo compensatório, passando a ser verba salarial. A parcela paga aos bancários sob a denominação quebra de caixa possui natureza salarial, integrando o salário do prestador dos serviços, para todos os efeitos legais (Súm. 247, TST).

A jurisprudência do E. TRT-6ª Região entendeu que, não basta apenas o exercício de operador de caixa, sendo exigido para receber o adicional a quebra de caixa, que o empregador efetue descontos no salário da obreira:

RECURSO ORDINÁRIO. ADICIONAL DE QUEBRA DE CAIXA. REQUISITOS NORMATIVOS NÃO PREENCHIDOS. Apesar de restar provado o exercício da função de Operadora de Caixa pela reclamante, o empregador não efetuou descontos no salário da empregada. Assim, não preenchidos os requisitos contidos na cláusula 9ª da CCT, não faz jus a obreira ao adicional de quebra de caixa. Recurso ordinário provido. (Processo: ROT - 0001745-92.2014.5.06.0014, Redator: Solange Moura de Andrade, Data de julgamento: 18/12/2019, Segunda Turma, Data da assinatura: 18/12/2019) (TRT-6 - RO: 00017459220145060014, Data de Julgamento: 18/12/2019, Segunda Turma)

A jurisprudência do E. TRT-4ª Região, firmou entendimento de que o tesoureiro executivo não faz jus ao pagamento de quebra de caixa, uma vez que este adicional é exclusivo de quem atua na função de operador de caixa:

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA RECLAMADA. QUEBRA DE CAIXA. As parcelas quebra de caixa e função gratificada contemplam situações fáticas diversas, não se confundem e não se excluem. Contudo, no período em que o reclamante exerceu a função de tesoureiro executivo, a parcela quebra de caixa é indevida, pois depreende-se das normas internas (item 8 do MN RH 053) que a quebra de caixa é exclusividade do empregado que atua na função de caixa (ID 59520a0), nada autorizando que seria devida ao tesoureiro. Recurso provido em parte. (TRT-4 - ROT: 00205147320185040141, Data de Julgamento: 26/09/2020, 3ª Turma)

O TRT-12ª Região destacou também que, o exercício eventual na função de caixa não autoriza o pagamento do adicional de quebra de caixa:

ADICIONAL DE "QUEBRA DE CAIXA". PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. EXERCÍCIO EVENTUAL DE ATIVIDADES DE CAIXA. ADICIONAL INDEVIDO. A empregada efetuava a cobrança dos clientes apenas de forma eventual, não tendo sido comprovado ter ocorrido qualquer desconto a título de diferenças de caixa. (TRT12 - ROT - 0000215-30.2019.5.12.0008 , Rel. QUEZIA DE ARAUJO DUARTE NIEVES GONZALEZ , 3ª Câmara , Data de Assinatura: 26/06/2020) (TRT-12 - RO: 00002153020195120008 SC, Relator: QUEZIA DE ARAUJO DUARTE NIEVES GONZALEZ, Data de Julgamento: 17/06/2020, Gab. Des.a. Quézia de Araújo Duarte Nieves Gonzalez)

Destacamos que não há legislação obrigando o pagamento do adicional em questão, sendo apenas uma previsão normativa instituída pelas Convenções Coletivas ou Acordos Coletivos.

Mormente como visto, o respectivo adicional de quebra de caixa, de acordo com a jurisprudência pátria, exige-se que o empregado exerça exclusivamente a função de operador de caixa, e que esteja sujeito a sofrer descontos no seu salário, quando ocorrer faltas no momento do fechamento do caixa.

Assim, preenchidos os requisitos e tendo previsão normativa, a verba remuneratória é devida pelo empregador.


Referências bibliográficas:


MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622128. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622128/. Acesso em: 21 jun. 2022.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 21 jun. 2022.

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 23 jun. 2022.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

O favor laboratoris na doutrina Portuguesa do Direito do Trabalho: uma correlação com o princípio protetivo no Brasil.

Inegável que a gênese do Direito do Trabalho se deu com a reivindicação por direitos da classe operária. Notadamente, este ramo privado do direito, regula os interesses entre empregado e empregador. Os acontecimentos históricos, sociais, políticos, filosóficos e globais contribuíram para o desenvolvimento do Direito do Trabalho ao longo do processo civilizatório.

O Direito do Trabalho está em toda e por toda sociedade. É a ciência jurídica, sem dúvida, que mais se diz respeito a sobrevivência e manutenção das pessoas. Isto porque, o trabalho é a fonte que emana todos os recursos para a aquisição de bens necessários da vida. Enquanto há vida, há trabalho.

Sem adentrarmos na importância do trabalho para a vida do indivíduo e suas razões filosóficas de ser e existir, nos importa no momento, sob o ponto de vista jurídico, tecer sobre alguns princípios da ciência do Direito do Trabalho.

Num primeiro momento ainda, destacamos a função do princípio para a ciência jurídica em toda ramificação do direito. O princípio é a diretriz, a base, a fundação do direito. A ciência sem princípio não se sustenta, como se fosse os elementos da natureza indispensável para os seres vivos.

Então, no Direito do Trabalho, encontramos alguns princípios que orientam, norteiam, a relação entre empregado e empregador. Entendemos, todavia, que é um equívoco separar o Direito do Trabalho entre o direito do empregado e o direito da empresa, pois o Direito do Trabalho como dito alhures, é a ciência jurídica que regula a relação entre ambos, pois a própria função da justiça do trabalho é igualar esta relação.

Neste sentido a doutrina portuguesa fala em princípio do tratamento mais favorável. Acerca do "favor laboratoris", Pedro Romano Martinez (2022, p. 208) escreve que: "Para explicar o princípio do tratamento mais favorável, importa relembrar que o direito do trabalho se autonomizou do direito civil com vista a proteger o trabalhador. Enquanto o direito civil coloca as partes no negócio jurídico em pé de igualdade, o direito do trabalho surge para favorecer a parte mais fraca, e o favor laboratoris, num sistema jurídico incipiente, serve para combater a desproteção do trabalhador, concedendo-lhe um estatuto privilegiado".

No Brasil, escreve Sergio Pinto Martins (2021, p. 131), "O princípio protetor pode ser uma forma de justificar desigualdades, de pessoas que estão em situações diferentes".

Destacamos a lição de Carlos Henrique Bezerra Leite (2022, p. 59) quando escreve, "O princípio da proteção (ou princípio tutelar) constitui a gênese do direito do trabalho, cujo objeto, como já vimos, consiste em estabelecer uma igualdade jurídica entre empregado e empregador, em virtude da manifesta superioridade econômica deste diante daquele".

Mas anota o Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Pedro Romano Martinez (2022, p. 210-211):

O favor laboratoris deve ser hoje entendido numa perspectiva histórica, sem uma aplicação prática; o direito do trabalho não foi estabelecido para defender trabalhadores contra empregadores, ele existe em defesa de um interesse geral, onde se inclui toda a comunidade. A comunidade, de que fazem parte trabalhadores e empregadores, beneficia da mútua colaboração e da paz social. A ideia de que no direito do trabalho se pretende favorecer o trabalhador contra o empregador dificulta inclusive a criação de novos empregos, pelo receio que os empregadores têm das consequências que dai poderão advir. 

De fato, no Brasil é preciso romper com a visão de que o Direito do Trabalho é voltado só para o empregado, uma vez admitido, estar-se-á criando também desigualdade de direitos, pois cada parte possui seu direito de acordo com sua proporção e responsabilidade.

A Lei 13.467/2017 conhecida como Reforma Trabalhista, é prova deste pensamento, na medida em que na prática, esta lei ficou conhecida como a lei que favorece empresas, e desfavorece os empregados. Não vamos adentrar aqui na constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos dispositivos desta lei, mas reconhecer que esta lei não resolveu o problema do desemprego e da informalidade no Brasil, aliás, causou ainda mais conflitos e entraves judiciais.

Ainda sobre o princípio da proteção no Brasil, Sergio Pinto Martins (2022, p. 132) acrescenta que: "Pode ser desmembrado o princípio da proteção em três: (a) in dubio pro operário; (b) o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador; (c) o da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador".  

Na jurisprudência Brasileira é possível constatar:

VÍNCULO DE EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO. REGRA IN DUBIO PRO OPERARIO. DESDOBRAMENTO NO PROCESSO DO TRABALHO. 1. O princípio da proteção, princípio-mor orientador do Direito do Trabalho, compreende a regra in dubio pro operario: vale dizer, quando uma norma possa ser entendida de várias formas, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador, pois ele é o destinatário da tutela legislativa estatal, por ser a parte mais fraca na relação jurídica, ao alienar a sua força de trabalho - sendo que, no caso de dúvida na interpretação da norma, esta deve laborar em favor do empregado. Ao ser transportada para o processo do trabalho, a regra inserida no princípio de proteção impacta também no campo probatório, seja no aspecto da aptidão para a prova, seja quanto a sua valoração. 2. Configurado o suporte fático delineado pelos arts. 2º e 3º da CLT, o reconhecimento do vínculo empregatício alegado na inicial é medida que se impõe, devendo os autos retornar à Vara da origem para julgamento das demais pretensões formuladas. (TRT-4 - ROT: 00213642820185040271, Data de Julgamento: 22/10/2021, 8ª Turma)

Mormente encontramos um ponto em comum entre a doutrina trabalhista de Portugal e a doutrina trabalhista do Brasil, qual seja, a intepretação do tratamento mais favorável ao trabalhador. Mas é preciso advertir que, toda e qualquer racionalização extremista, não equipara a relação empregatícia no mesmo patamar civilizatório, razão esta do Direito do Trabalho enquanto ciência jurídica, existir.

Referências bibliográficas:

LEITE, Carlos Henrique B. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622944. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622944/. Acesso em: 15 jun. 2022.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2022.

sábado, 23 de abril de 2022

Trabalho e Direito do Trabalho: conceito e significado.

A proposta deste artigo é esboçar e apresentar, os significados dos termos "Trabalho" e "Direito do Trabalho", empregados pela doutrina nacional e estrangeira.

Ramo da ciência jurídica, o Direito do Trabalho com raízes no Direito Privado, pois seus institutos na sua grande maioria desvincularam-se do Direito Civil, vem sofrendo mutações legislativas, na tentativa de remediar crises econômicas e institucionais.

No ordenamento jurídico Brasileiro, o Direito do Trabalho possui autonomia, com base em princípios constitucionais e infraconstitucionais, no âmbito da sua matéria que o regula.

Veremos, todavia, que há outras designações para o Direito do Trabalho, sendo admitido se falar em Direito Operário, Direito Industrial, Direito Corporativo, Direito Social e Direito Sindical.

Sergio Pinto Martins (2021, p. 44) escreve que, "Trabalho vem do latim tripalium, que era uma espécie de instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais. Era um instrumento usado pelos agricultores para bater, rasgar e esfiapar o trigo, espiga de milho e o linho". Essa concepção de trabalho é a mais adotada pela doutrina.  

Neste mesmo sentido, explica Pedro Romano Martinez (2022, p. 18), "Trabalho deriva do latim da palavra tripalis que significava aparelho com três paus, onde se prendiam os animais, entre os quais as bestas para serem ferradas. A evolução semântica da palavra, de aparelho de três paus, até ao atual significado de trabalho, talvez se tenha ficado a dever ao facto de segurar os animais no sobredito aparelho implicar um certo esforço, dar algum trabalho".

Em que pese se respeite o entendimento da doutrina, o trabalho do homem não deve ser associado com seu significado histórico, de instrumento de tortura de três paus. Isto porque, a ideia de trabalho forçado e escravagista a muito já foi superada, pois a legislação trabalhista já assegurou ao homem melhores condições de trabalho, ambiente sadio e justa remuneração.   

O dicionário traz vários significados para a palavra trabalho. O Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis, define trabalho como: "Conjunto de atividades produtivas ou intelectuais exercidas pelo homem para gerar uma utilidade e alcançar determinado fim: Ele sempre se dedicou ao trabalho acadêmico".

Pedro Romano Martinez (2022, p. 17) ensina que, "O direito do trabalho assenta na ideia de trabalho como prestação de facto positivo. Por conseguinte, será com base no termo trabalho que se pode apresentar a noção desta disciplina".

Superados o significado da palavra trabalho, passamos a tecer sobre o conceito de Direito do Trabalho. Na visão de Ricardo Resende (2020, p. 01), "Pode-se conceituar Direito do Trabalho como o ramo da ciência jurídica que estuda as relações jurídicas entre os trabalhadores e os tomadores de seus serviços e, mais precisamente, entre empregados e empregadores".

Carlos Henrique Bezerra Leite (2022, p. 20), conceitua Direito do Trabalho como sendo:

o ramo da ciência jurídica constituído de um conjunto de princípios, regras, valores e institutos destinados à regulação das relações individuais e coletivas entre empregados e empregadores, bem como de outras relações de trabalho normativamente equiparadas à relação empregatícia, tendo por escopo a progressividade da proteção da dignidade humana e das condições sociais, econômicas, culturais e ambientais dos trabalhadores.

O conceito de Direito do Trabalho dado por Bezerra Leite, é louvável e bem aceito pela comunidade jurídica, uma vez que é o conceito mais completo de todas as doutrinas pesquisadas. 

Podemos extrair e concluir do conceito apresentado por este doutrinador juslaboral, que o Direito do Trabalho é um ramo da ciência jurídica, que dotado de princípios, regras e valores, abrange as relações individuais e coletivas, de trabalhadores e empregadores, tendo em vista a dignidade da pessoa humana e seus fatores de subsistência.

Expostos significados e conceitos, a tempo, consignamos que o conceito de Direito do Trabalho vem sofrendo uma mutação, assim como a legislação trabalhista, pois novas formas de trabalho vem sendo difundidas na sociedade, sobretudo diante da Revolução 4.0 com o emprego de ferramentas digitais e tecnológicas.

Defendemos, ao final, que, ainda que o termo "trabalho" na sua etimologia traduza um significado negativo, este deve ser entendido como algum da natureza do homem e da sociedade, uma ferramenta de dignificar a vida do homem, e se realizar profissionalmente, sendo meio de recurso para prover e satisfazer as necessidades das pessoas no seu meio social.  

Referências bibliográficas:

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 23 abr. 2022.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2022.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622944. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622944/. Acesso em: 23 abr. 2022.

sábado, 19 de março de 2022

Lineamentos históricos do Direito do Trabalho - parte I.

A história do Direito do Trabalho, sob o viés da ciência jurídica, se apresenta como resultado de uma longa evolução do trabalho do homem na sociedade. O Direito do Trabalho passa por um constante aperfeiçoamento de suas relações, seus institutos, saindo da escravidão, até chegar na revolução tecnológica, esta responsável por resignificar o trabalho do homem, através de aplicativos e ferramentas digitais.

Tem sido um constante desafio para o Direito do Trabalho, principalmente para a legislação trabalhista, preservar os institutos e suas funções, diante dos interesses econômicos que predominam nas relações entre empregado e empregador.

O estudioso do Direito, e a cada vez que nos referimos a Direito, leia-se como ciência jurídica, tem a academia como espaço para pesquisar, pensar e compreender as normas trabalhistas como instrumentos para alcançar a justiça social laboral. 

O Direito do Trabalho parte da premissa de que, serve como ferramenta para equilibrar a relação entre empregado e empregador. Esta relação que por sua vez é complexa, impositiva, e se resume a uma troca de esforços do trabalho humano, seja ele físico ou intelectual, por uma remuneração pecuniária, se revela como um dos fatores que contribuem para a formação da sociedade, e a manutenção e sobrevivência das pessoas. O trabalho humano impulsiona a sociedade, é do trabalho que o homem alcança sua subsistência, suas riquezas. A sociedade não existe sem o trabalho, o trabalho é uma ação natural do homem. Mas, nem sempre foi assim.

Nas palavras de Neto e Cavalcante (2018, p. 02), "O trabalho, na Antiguidade (período que se estendeu desde a invenção da escrita – 4000 a. C. a 3500 a. C. – à queda do Império Romano do Ocidente – 476 d. C.) e início da Idade Média (século V), representava punição, submissão, em que os trabalhadores eram os povos vencidos nas batalhas, os quais eram escravizados. O trabalho não era dignificante para o homem. A escravidão era tida como coisa justa e necessária. Para ser culto, era necessário ser rico e ocioso".

O trabalho por sua vez, passou a ser estudado por diversas áreas do conhecimento, principalmente pela Filosofia e pela Sociologia.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 18) ensina que, "No período histórico propriamente dito é que surge o direito do trabalho. Três foram as principais causas: econômica (revolução industrial), política (transformação do Estado Liberal – Revolução Francesa – em Estado Social – intervenção estatal na autonomia dos sujeitos da relação de emprego) e jurídica (justa reivindicação dos trabalhadores no sentido de se implantar um sistema de direito destinado à proteção, como o direito de união, do qual resultou o sindicalismo, o direito de contratação individual e coletiva). Somando-se a essas causas, contribuíram decisivamente para o sur­gimento do direito do trabalho a ideia da justiça social preconizada, principalmente, pela Igreja Católica, através das Encíclicas Rerum Novarum e Laborem Exercens, e o marxismo, preconizando a união do proletariado e a ascensão dos trabalhadores, pela luta de classes, ao poder político".

Nesta propagação do Direito do Trabalho, Luciano Martinez (2021, p. 32) identifica, que o Direito do Trabalho passou por 4 fases, denominadas de formação, efervescência, consolidação e aperfeiçoamento, a saber:

A 1ª fase, entendida como de FORMAÇÃO, estende-se do início do século XIX, com a publicação das primeiras normas trabalhistas, em 1802, até o instante de efervescência, coincidente com a publicação do Manifesto Comunista, em 1848.

A 2ª fase, compreendida como de EFERVESCÊNCIA, estende-se da publicação do Manifesto Comunista, em 1848, até a edição da Encíclica Rerum Novarum, em 1891. Nessa fase o desenvolvimento do espírito sindical muito cooperou para que os trabalhadores se colocassem em posição de pleito quanto às vantagens decorrentes da prestação de seus ser- viços, notadamente no que dizia respeito ao direito de coligação, à limitação de jornada, à contraprestação mínima e às inspeções de oficina. No contexto de muitas greves, foram criadas novas organizações operárias.

A 3ª fase, intitulada CONSOLIDAÇÃO, estende-se da edição da Encíclica Rerum Novarum, em 1891, até a celebração do tratado de Versailles, em 1919.

A 4ª fase, denominada APERFEIÇOAMENTO, teve início com a celebração do tratado de Versailles e chegou ao máximo com o boom do constitucionalismo social.

A fim de justificar a importância de pesquisar o Direito do Trabalho na história, Sergio Pinto Martins (2021, p. 43) defende que, "Ao analisar o que pode acontecer no futuro, é preciso estudar e compreender o passado, estudando o que ocorreu no curso do tempo. Heráclito já dizia: "O homem que volta a banhar-se no mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio nem o homem é o mesmo homem". Isso ocorre porque o tempo passa e as coisas não são exatamente iguais aos que eram, mas precisam ser estudadas para se compreender o futuro".

Na visão de Ricardo Resende (2020, p. 01):

O desenvolvimento do Direito do Trabalho se deu a partir do século XIX, principalmente em decorrência dos movimentos operários, desencadeados visando à melhoria das condições de trabalho, limitação da jornada de trabalho, proteção ao trabalho da mulher e das crianças, entre outras reivindicações. Assim, somados a pressão do movimento operário, os movimentos internacionais em defesa dos direitos humanos e a atuação da Igreja, encontrou-se campo fértil para a intervenção do Estado na relação contratual privada, a fim de proteger a parte mais fraca da relação de emprego (trabalhador hipossuficiente). Este movimento normativo-regulador, consolidado na primeira metade do século XX, coincide historicamente com o reconhecimento dos direitos humanos de segunda dimensão (direitos sociais) e com o Estado de Bem-Estar Social (welfare state), noções estas emprestadas do Direito Constitucional. 

Destarte, neste primeiro momento de investigação das origens do Direito do Trabalho, identificamos que a sociedade organizada e os objetivos fundamentais do Estado de Direito, foram responsáveis pelas conquistas de direitos trabalhistas expressas nas Constituições de cada Estado.

Fatos globais e históricos de lutas, principalmente de classes operárias, resultaram na consagração de direitos trabalhistas, como redução de jornada de trabalho, trabalho de menores e de mulheres, reinvindicação de melhores condições de trabalho, fortaleceu os institutos do Direito do Trabalho, que aos poucos abandonou-se a ideia de punição, de escravidão, predominando o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana também nas relações de trabalho e emprego.

Mormente, muitas das instituições jurídicas hoje, se deve a história pelo registro dos resultados experimentados pela sociedade, servindo de base para os dias atuais. Não diferente de outros ramos do Direito, o Direito do Trabalho vai se adequando e se amoldando as novas tendências contemporâneas vivenciadas pelos trabalhadores pertencentes ao Estado de Direito.


Referências bibliográficas:

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 18 mar. 2022.

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 18 mar. 2022.        

MARTINEZ, LUCIANO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO: RELAÇÕES INDIVIDUAIS, SINDICAIS E COLETIVAS DO TRABALHO - . Editora Saraiva, 2021. 9786555594775. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555594775/. Acesso em: 18 mar. 2022.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 19 mar. 2022.

domingo, 13 de março de 2022

Relação de trabalho e relação de emprego: uma distinção doutrinária.

Antes de partirmos para o tema central anunciado, precisamos ter em mente que a doutrina jurídica é aquela responsável por orientar a comunidade jurídica, a aplicação dos institutos do Direito, sondar a finalidade e aplicação das leis, debater as necessidades da sociedade incumbidas pelo Poder Judiciário a se dar uma resposta, no caso de se fazer a justiça social.

O dogmatismo jurídico, por sua vez, assume importante função na comunidade jurídica, nos Tribunais de Justiça. Estamos nos referindo as verdades inquestionáveis no campo jurídico, que se manifestam na Constituição Federal ou nas legislações ordinárias. É preciso destacar que para as instituições do Estado de Direito funcionarem, antes de tudo, é preciso acreditá-las. Neste sentido caminha os dogmas, os institutos de direito.

Isto também se aplica na Justiça do Trabalho. A justiça especializada, parte de determinados conceitos, premissas, que dão sentido a aplicação e interpretação das normas que regem, disciplinam as relações de trabalho e as relações de emprego.

A doutrina defende que há distinção nestas relações. A diferenciação de relação de trabalho e relação de emprego tem haver na prática com a atuação, com as características e regras específicas de cada qual. Neste sentido é dizer que trabalho é gênero e emprego é espécie. Na prática a relação de trabalho é aquela que ocorre com o profissional autônomo, com o médico, com o engenheiro, advogado, arquiteto, dentre outras profissões.

Já a relação de emprego é aquela que se passa entre empregado e empregador. Há uma subordinação, e determinados requisitos que caracterizam a relação jurídica. É correto dizer que toda relação de emprego é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego. Porque os sujeitos da relação de trabalho (profissionais autônomos) não são os mesmo sujeitos da relação de emprego (empregados subordinados). Mas, ambas relações são de competência da justiça do trabalho, havendo regras específicas para cada qual.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 90) contribui:

A expressão “relação de emprego” foi adotada no Brasil por Hirosê Pimpão, no sentido de ser aquela que resulta de um contrato, distinguindo-a da simples relação de trabalho, que não resulta de contrato. Délio Maranhão, dissentindo do referido autor, propõe a seguinte distinção ­terminológica: relação jurídica de trabalho é a que resulta de um contrato de trabalho, denominando-se de relação de emprego quando se trata de um contrato de trabalho subordinado. Quando não haja contrato, teremos uma simples relação de trabalho (de fato). Partindo dessa distinção, aceitamos a afirmação de Hirosê Pimpão, de que sem contrato de trabalho – entenda-se stricto sensu – não há relação de emprego. Pode haver...relação de trabalho.

A relação de trabalho é mais simples na prática. As partes contraem menos direitos e obrigações, que na relação de emprego. A relação de emprego por sua vez para que seja caracterizada, precisa do que a lei chama de pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. Há um contrato individual de trabalho com mais especificidades, de acordo com a função contratada.

Ricardo Resende (2020, p. 73) é categórico quando escreve:

Segundo Maurício Godinho Delgado, relação de trabalho é “toda relação jurídica caracterizada por ter sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano.” Assim, a relação de trabalho corresponde a toda e qualquer forma de contratação da energia de trabalho humano que seja admissível frente ao sistema jurídico vigente. É importante ressaltar que forma de contratação admissível, entre os particulares (em contraposição à Administração Pública), é tanto a expressamente prevista quanto aquela não vedada em lei.

Segundo Neto e Cavalcante (2018, p. 229), "Nas lições de Cláudio Mascarenhas Brandão, a relação de trabalho é o “vínculo que se estabelece entre a pessoa que executa o labor – o trabalhador propriamente dito, o ser humano que empresta a sua energia para o desenvolvimento de uma atividade – e a pessoa jurídica ou física que é beneficiária desse trabalho, ou seja, aufere o trabalho proveniente da utilização da energia humana por parte daquele”.

Mormente, na relação de trabalho, há uma variação na prestação do serviço, podendo o trabalhador prestar serviço para mais de uma pessoa ao mesmo tempo, enquanto que na relação de emprego exige-se uma certa exclusividade. 

Neto e Cavalcante levantam uma problemática encontrada na relação de trabalho. Ou seja, se o trabalho prestado pelo profissional autônomo caracteriza relação de trabalho ou relação de consumo? Qual justiça competente para julgar essas relações jurídicas? A justiça do trabalho ou a justiça comum?

Segundo Neto e Cavalcante (2018, p. 237) a doutrina se manifesta em três posições:

1. a primeira corrente nega a competência da Justiça do Trabalho sob o fundamento de que o prestador de serviço, na execução das suas tarefas, insere-se em uma relação de consumo, onde o tomador dos serviços é o usuário final;

2. em uma posição diametralmente oposta à primeira, há os que defendem a competência da Justiça do Trabalho, sustentando que as relações de consumo, onde o prestador de serviços é pessoa natural, inserem-se na definição de relação de trabalho;

3.  e, por fim, a última, em que se analisa a temática, partindo-se do pressuposto de que há dois ângulos a serem analisados: 1) o primeiro envolve o consumidor (destinatário do serviço), em que se aplica o CDC e cuja competência é da Justiça do Trabalho; 2) o segundo se relaciona com a pessoa natural prestadora (fornecedora) do serviço, cuja pendência há de ser resolvida pela Justiça do Trabalho, aplicando-se a legislação civil.

Nosso entendimento é de que, a prestação de serviço pelo profissional autônomo, ainda que venha se configurar uma relação de consumo, não deixa de ser uma relação de trabalho, sendo competência da Justiça do Trabalho julgar os conflitos havidos.

Mas, é preciso alertar que ao mesmo tempo que se tem uma relação de trabalho, também pode haver uma relação de consumo, sendo da competência da justiça comum cível, tudo dependerá da triangulação da relação jurídica, da matéria e dos sujeitos envolvidos.

Destarte, o presente texto teve o propósito de provocar o pensamento doutrinário acerca das expressões "relação de trabalho e relação de emprego", que no dia-a-dia, podem passar despercebidos, mas para a correta aplicação da lei e da justiça, necessariamente precisam ser diferenciados.


Referências bibliográficas: 

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 13 mar. 2022.

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 13 mar. 2022.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 13 mar. 2022.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Intervalo para descanso: apontamentos da doutrina.

Remetemos o leitor ao legado histórico do Direito do Trabalho. Estudar o Direito do Trabalho requer olhar para história, e identificar o resultado da evolução da legislação trabalhista de um povo em um determinado território, ora protegendo o trabalhador, ora suprimindo direitos conquistados.

A maioria dos institutos do Direito do Trabalho, decorreram de lutas de classes operárias, de acontecimentos que influenciaram o mundo, como foi com a Revolução Industrial, Revolução Francesa, ou seja, de fatos históricos, sociais, filosóficos, políticos e econômicos.

No Brasil, as Constituições da República, também foram instrumentos de consagração dos direitos trabalhistas. Hodiernamente citamos a Constituição de 1988 e os direitos sociais previstos no artigo 7º e incisos.

Propomos com breves palavras abordar o instituto do "intervalo", na jornada de trabalho, ou entre uma jornada e outra.

O descanso concedido ao empregado é benéfico para uma prestação do serviço com qualidade e eficiência. O intervalo é uma pausa na jornada de trabalho, que permite ao empregado atender suas necessidades pessoais, dentre as básicas: descanso e alimentação.

A lei trabalhista a tempo, disciplinou a depender da profissão que se exerça, e da quantidade de horas laboradas, um período para o intervalo, que podem ser de 15 minutos, 30 minutos, 1 hora, 1:30 hora ou até mesmo 2:00 horas. Mais adiante abordar-se-á cada caso.

Sérgio Pinto Martins (2021, p. 849), conceitua intervalo como, "período na jornada de trabalho, ou entre uma e outra, em que o empregado não presta serviço, seja para se alimentar ou para descansar".

Adotamos o conceito e o significado de "intervalo" empregado por Ricardo Resende (2020, p. 491), quando afirma: "Os chamados intervalos são pequenos lapsos de tempo que visam, precipuamente, à recuperação das energias do empregado, o que favorece a manutenção de sua higidez física e mental, evitando assim o acometimento por doenças ocupacionais e a ocorrência de acidentes de trabalho".

A fim de demonstrar a importância do intervalo na jornada de trabalho, explica Luciano Martinez (2021, p.245):

A divisão equilibrada da duração do trabalho e dos períodos de descanso possui, portanto, três justificativas básicas: a) a de natureza biológica, porque o descanso permite a recomposição física e mental do trabalhador, evitando, assim, o aparecimento de doenças ocupacionais; b) a de fundo social, porque promove convivência familiar, lazer, distração e entretenimento; c) a de caráter econômico, porque permite uma justa divisão do trabalho, propiciando a contratação de um número de trabalhadores em dimensão compatível com o tempo que o empregador pretende funcionar.

As justificativas trazidas por Martinez, compreendem o trabalhador na sua integralidade e dignidade, enquanto pessoa humana, que necessita não só de trabalhar para manter o sustento de sua família, mas também de se relacionar em sociedade, com o grupo social, propiciando além disso, lazer e qualidade de vida.

No tocante a terminologia adotada para os intervalos, a doutrina denomina de intervalo intrajornada e intervalo interjornada. O intrajornada acorre dentro da própria jornada de trabalho. Já o interjornada se dá entre uma jornada e outra, compreendendo um período maior.

Sergio Pinto Martins (2021, p. 850) destaca que, "se o empregado trabalhar menos de quatro horas diárias, não será obrigatória a concessão de nenhum intervalo. Prestando serviços o obreiro acima de quatro até seis horas, será obrigatório um intervalo de 15 minutos. Se a duração do trabalho for de mais de seis horas, será concedido um intervalo de, no mínimo, uma hora até duas horas".

O intervalo nas jornadas de trabalho, encontra regulamentação nos artigos 66 a 72 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O descanso interjornada, por sua vez, está insculpido no artigo 66 da CLT, com a seguinte redação: "Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso".

Importante destacar o parágrafo 4º, do artigo 71 da CLT, que reza "A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho".

Este dispositivo foi alterado com a Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, sendo que anteriormente a reforma, o empregador era condenado ao período cheio correspondente, e após a Reforma, somente ao período suprimido, e o pagamento tem natureza indenizatória, não há reflexos em outras parcelas pagas ao empregado.

Em consonância com o exposto é a decisão do TRT-2ª Região:

INTERVALO INTRAJORNADA. Quanto ao intervalo intrajornada, com razão o Reclamante. De fato, no dia 14/10/2018 houve a fruição de apenas 30 minutos do intervalo intrajornada. A partir de 11/11/2017, nos termos do art. 71, § 4º da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, a não concessão total ou parcial do intervalo implica o pagamento apenas do período suprimido, de natureza indenizatória e com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. Nesse período, com base nos cartões de ponto, arbitro que o intervalo era de apenas 30 minutos diários. Assim, cabível o pagamento de apenas 30 minutos de intervalo por dia de trabalho em que não houve fruição do intervalo intrajornada de 1h. Para a apuração, deve-se considerar: os cartões de ponto quando registrados, a evolução salarial da Reclamante, a base de cálculo conforme a Súmula nº 264 do TST e a OJ nº 415 do TST. Autorizo a dedução dos valores pagos a idêntico título. Procede, em parte o pedido. (TRT-2 10000090520205020602 SP, Relator: FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, 14ª Turma - Cadeira 1, Data de Publicação: 26/07/2021)

Os intervalos não são computados ou deduzidos da jornada de trabalho, mas como adverte Ricardo Resende (2020, p. 495), "Por exceção, e somente quando a lei assim dispuser expressamente, os intervalos serão computados na jornada de trabalho. É o que ocorre, por exemplo, no caso dos serviços de mecanografia e no caso do trabalho em minas de subsolo, respectivamente por força do disposto nos arts. 72 e 298 da CLT".

No âmbito de provas, é do empregado o ônus probatório de que não usufruía do intervalo intrajornada, conforme decisão do TRT-2ª Região:

INTERVALO INTRAJORNADA. O reclamante, motorista de caminhão, trabalhava externamente sem a anotação do intervalo intrajornada. Sendo assim, é seu o ônus de comprovar que era impedido de fruir de uma hora de intervalo intrajornada, do qual não se desincumbiu. Recurso a que se nega provimento. (TRT-2 10012749220165020372 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 28/08/2020)

Mormente, a legislação trabalhista dispõe ainda de outros intervalos de determinadas classes profissionais, que não foram objeto de estudo deste texto.

O objetivo foi abordar o instituto do intervalo na jornada de trabalho regido pela CLT, e suas peculiaridades doutrinárias e jurisprudenciais, sem deixar de destacar, que a principal função do intervalo é propiciar a saúde e qualidade de vida do empregado.

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINEZ, LUCIANO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO: RELAÇÕES INDIVIDUAIS, SINDICAIS E COLETIVAS DO TRABALHO - . São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555594775. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555594775/. Acesso em: 25 fev. 2022.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 25 fev. 2022.
 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Ressignificando o trabalho: revolução tecnológica e teletrabalho.

Reconhecida por muitos estudiosos, a revolução tecnológica global tem ressignificado o trabalho do homem na sociedade. Este novo modelo de trabalho tem sido aderido por muitas empresas, tendo em vista os benefícios que trazem para o trabalhador e para o empregador. Não se trata de flexibilização ou desregulamentação do trabalho, mas uma nova forma de exercer a atividade laboral, mediante instrumentos tecnológicos, como notebooks, tablet, smartphone, computadores em rede, conectados com os servidores da empresa, e tudo isso ao mesmo tempo, registrado e salvo na nuvem, um poderoso recurso da internet que facilita a vida das empresas, entidades, e organizações públicas e privadas.

Assim como na vida social do homem a tecnologia transformou o modo deste se relacionar, pelas redes sociais e aplicativos de conversas, o trabalho também pode ser transformado, daí se falar no teletrabalho. O teletrabalho não é o trabalho doméstico, nem o trabalho em domicílio, há diferenças. O teletrabalho é o trabalho à distância, proporcionando mais comodidade, qualidade de vida e tempo, geralmente executado no conforto do lar, ou na praça de alimentação do shopping, ou ainda no restaurante ou no café da livraria por exemplo.

A título de curiosidade o trabalho doméstico é aquele prestado na residência, regido pela Lei Complementar 150/2015. O trabalho em domicílio é aquele executado na residência, mas sem o emprego da tecnologia, como por exemplo o serviço de corte e costura.

O teletrabalho é uma realidade mundial. A doutrina de Sergio Pinto Martins cita como expressões utilizadas pelo mundo: telecomutters nos Estados Unidos, telelavoro em Italiano, teletrabajo em Español ou telependulaire, télétravail em Frânces.

No Brasil, a Lei 13.467/2017 conhecida com Reforma Trabalhista, se encarregou de definir o teletrabalho no artigo 75-B, à saber: "Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho".

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 120) escreve com propriedade:

A subordinação jurídica no teletrabalho é mais tênue e é efetivada por meio de câmeras, sistema de logon e logoff, computadores, relatórios, bem como ligações por celulares, rádios etc. Por isso houve evolução do entendimento contido na Súmula 428 do TST que passou a assegurar, no caso de ofensa à desconexão do trabalho e ao direito fundamental ao lazer, o pagamento de horas de sobreaviso. Trata-se de interpretação que se coaduna com a eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais (direito ao lazer e à desconexão).

O Código do Trabalho de Portugal, no seu dispositivo 165, 1 conceitua o teletrabalho como "1 - Considera-se teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação".

Com a pandemia, o teletrabalho foi uma alternativa para a manutenção de muitos contratos de trabalho. Destaca-se que a OIT por meio da Convenção 177, dispõe de políticas protetivas e igualitárias que devem ser observadas pelos seus Estados-Membros. Em que pese já haver lei dispondo desta modalidade de trabalho, é preciso alertar para as doenças de trabalho que podem surgir, e destacar também pelo bem estar do trabalhador, afim de evitar a sobrecarga na jornada.

Neste sentido, Bezerra Leite citando Marcelo Moura (2021, p. 122): "Equilibrar a necessidade de controle da atividade, com a preservação da vida íntima do empregado, considerando-se a particularidade do trabalho realizado em seu domicílio, é um dos desafios do mundo moderno".

Na jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho, no Brasil, o teletrabalho tem sido tema dos seguintes julgados:

DESPESAS COM TELETRABALHO. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa ré, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. Em regra, nos termos do art. 2º da CLT, os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador, uma vez que é de responsabilidade exclusiva da empresa os prejuízos do empreendimento, consoante preceitua o princípio da alteridade. Todavia, há permissivo no art. 75-D da CLT para que as partes pactuem livremente, em contrato individual escrito, a responsabilidade pelas despesas com aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto. (TRT-2 10005555620215020204 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 10/12/2021).

 

TELETRABALHO. ATIVIDADE INCOMPATÍVEL COM FIXAÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO. Incontroverso que a reclamante exercia atividade em teletrabalho, possuindo autonomia e liberdade para gerir seus horários de trabalho, não sendo possível que a reclamada fixe horários ou os controle, configurado óbice ao deferimento de horas extras nos moldes postulados pela autora em sede recursal. Inteligência do art. 75-B e Parágrafo único, da CLT, acrescidos pela Lei 13.467/2017. (TRT-4 - ROT: 00207472720185040026, Data de Julgamento: 24/08/2020, 10ª Turma).

Sergio Pinto Martins (2021, p. 244) ao citar Pinho Pedreira, quando este se refere a três grupos de teletrabalho. Na visão de Pedreira, há o trabalho em telecentros, locais das próprias empresas, porém situados fora da sede central. Teletrabalho em domicílio, prestado na residência do trabalhador, e o teletrabalho nômade, realizado por pessoas que não têm lugar fixo para a prestação do serviço.

Na observação de Luciano Martinez (2020, p. 253), "o teletrabalho, como qualquer modalidade de serviço em domicílio, é um fenômeno de isolamento do obreiro". De acordo com o jurista, "Ocorre aquilo que o professor espanhol Sanguineti Raymond chama de “importación virtual” del trabajo al precio del Estado menos protector, estimulando o fenômeno do dumping social".

O legislador assume papel fundamental na positivação das normas, pela qual não se pode deixar de observar os princípios basilares do direito do trabalho, a fim de promover uma igualdade de direitos entre empregado e empregador.

É fato incontroverso que a revolução tecnológica transformou o ambiente de trabalho, e o desafio do Operador do Direito, é interpretar e aplicar as normas de direito do trabalho diante destas mudanças ocorridas, marcada por uma sociedade em constante evolução e adaptação.

A Justiça do Trabalho também atua com vigilância, e busca garantir os direitos sociais do trabalhador diante das inovações tecnológicas, não deixando o trabalhador órfão, assegurando ao jurisdicionado o poder protetivo do Estado-Juiz. 

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 12 fev. 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618408. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553618408/. Acesso em: 12 fev. 2022.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

A dispensa coletiva pelo empregador: o que prevê a legislação Brasileira?

Recentemente os jornais noticiaram uma empresa dos EUA, demitindo 900 funcionários por chamada de vídeo. E se fosse no Brasil, quais as consequências jurídicas? Primeiro precisamos ter em mente que, a dispensa coletiva de empregados é um fato global, admitido em todas as regiões do mundo, inclusive sendo regulada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O dicionário Aurélio da Língua Portuguesa defini dispensa, no sentido jurídico do termo como: "Anulação de um acordo ou contrato de trabalho feita pelo contratante; despedimento, demissão: dispensa por justa causa". Está correta a definição, pois o objetivo é por fim a uma relação jurídica de direito do trabalho, desfazer um pacto, pela qual foi celebrado para uma prestação de serviço, e em contrapartida o beneficiário do trabalho, lhe paga uma remuneração. Com a dispensa do empregado, não há mais a obrigação do pagamento do salário, por exemplo. O mesmo pode acontecer com um número expressivo de trabalhadores, por isso o termo "dispensa coletiva".

Pedimos licença ao leitor, para se fazer uma crítica de modo geral, que o Brasil está atrasado em relação a legislação trabalhista. Já é tempo de se ter um Código do Trabalho e um Código do Processo do Trabalho, regulando os vários institutos desta matéria, para que se tenha uma solidificação da justiça laboral, a exemplo de Portugal.

Como dito alhures, a OIT por meio da Convenção 158, regulou a demissão sem causa. Embora a OIT seja um órgão de proteção e fiscalização das normas do direito do trabalho, alguns países não observam suas diretrizes, a exemplo do Brasil, que não recepcionou a Convenção 158. Isso quer dizer que no Brasil não há uma norma que discipline, ou regule, a demissão em massa. Neste sentido escreve entre nós Sergio Pinto Martins (2021, p. 607), "A legislação brasileira não trata de despedida coletiva, nem estabelece conceito no sentido do que é despedida coletiva. Não há proibição em lei da dispensa coletiva ou de que a empresa tenha de tomar certas providências para assim fazer".

Muito pelo contrário, não sendo novidade, a Lei 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, instituiu no seu dispositivo 477-A a seguinte redação:

As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.

Em relação ao tema já escreve Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 320), "A nosso sentir, andou mal o legislador, pois se advogamos a incompatibilidade das dispensas imotivadas individuais, com muito mais razão defenderemos as dispensas imotivadas plúrimas ou coletivas".

Há uma posição doutrinária dominante que, o artigo 477-A inserido na CLT pela Reforma Trabalhista, é inconstitucional, violando dispositivos constitucionais, no âmbito dos direitos sociais, e legitimando o retrocesso social. Não nos causa espanto, que o dispositivo em comento padece de inconstitucionalidade, pois vive a República Brasileira de uma delicada fase de adequação e controle de constitucionalidade das regras impostas pela Reforma Trabalhista. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, tem se revelado e assumido seu papel no Estado de Direito, como profícuo guardião dos direitos sociais, ao afastar o poder arbitrário do legislador ordinário quando infringe direitos trabalhistas.   

Ao compreender o instituto da dispensa coletiva de empregados, Luciano Martinez (2020, p. 743) cita o consagrado jurista Orlando Gomes quando em 1974 já dizia:


Na dispensa coletiva é única e exclusiva a causa determinante. O empregador, compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa. A finalidade do empregador ao cometer a dispensa coletiva não é abrir vagas ou diminuir, por certo tempo, o número dos empregados. Seu desígnio é, ao contrário, reduzir definitivamente o quadro de pessoal. Os empregados dispensados não são substituídos, ou porque se tornaram desnecessários ou porque não tem a empresa condição de conservá-los.

Nas palavras de Orlando Gomes, digerimos melhor o instituto da dispensa coletiva, pois estar-se-á diante da realidade vivenciada pela empresa, que mediante as circunstâncias se vê obrigada a tomar a drástica medida.

O Código do Trabalho de Portugal, ao versar sobre despedimento colectivo, enumera três motivos a saber: motivos de mercado, estruturais e tecnológico. É o que se depreende do artigo 359, 1 e 2, in verbis:

1 - Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:

a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;

b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;

c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

Acrescentamos ainda, que a legislação trabalhista Portuguesa se apresenta muito mais eficiente em relação a dispensa coletiva, pois o Código do Trabalho dispõe de regras para informações e negociações do despedimento, além de intervenção do ministério laboral.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho no Brasil, considerou ser requisito para a validade da dispensa coletiva, prévia negociação com o sindicato profissional, condenando os empregadores em dano moral coletivo, prevalecendo os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho humano:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DA RECLAMADA. DANOS MORAIS COLETIVOS. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEMISSÃO EM MASSA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. Esclarece-se, inicialmente, que a hipótese se amolda ao caso de demissão coletiva, cujo conceito está ligado à dispensa por fato objetivo alheio à pessoa do empregado e que é irrelevante, para fins de conformação da hipótese à essa acepção se houve continuidade ou não da atividade empresarial. Esclarecido este ponto, a controvérsia se cinge à possibilidade de dispensa coletiva de trabalhadores sem existência de negociação sindical. Para resolver a questão, é preciso ter em mente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho humano. Não se pode olvidar, ainda, que a despedida coletiva deve ser apreciada à luz do artigo 170, inciso III, da Constituição Federal, que consagra a função social da propriedade. Esses princípios nortearam a jurisprudência da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, que, nos ED-RODC - 30900-12.2009.5.15.0000, da relatoria do Exmo. Ministro Mauricio Godinho Delgado, fixou "a premissa, para casos futuros, de que ' a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores' , observados os fundamentos supra". O referido Órgão julgador, em decisões posteriores, firmou o entendimento de que a prévia negociação com o sindicato profissional constitui requisito para a validade da dispensa coletiva, ou seja, despedidas procedidas unilateralmente pelo empregador não possuíam eficácia. Desse modo, a SDC confirmou decisões proferidas em dissídios coletivos instaurados pelos sindicatos profissionais, que exigiam a estipulação de normas e condições para as demissões coletivas, negando provimento aos recursos ordinários interpostos pelos suscitados (empregadores). Acrescenta-se que esta Corte, em acórdãos proferidos em ação civil pública, adotou a tese de que a despedida em massa de trabalhadores, sem negociação prévia com o sindicato dos empregados, acarreta dano moral coletivo a ser indenizado pelo empregador. Nesse contexto, é irregular a despedida em massa de trabalhadores sem negociação prévia com o sindicato profissional e a ausência desse requisito acarreta a responsabilidade civil do empregador e o pagamento de indenização compensatória. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 2013220135240005, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 24/02/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: 26/02/2021)

Ainda que a dispensa coletiva de empregados, não tenha um certo regramento na legislação trabalhista Brasileira, o Poder Judiciário, justiça especializada, exercendo suas competências previstas na Constituição Federal de 1988, tem cuidado do assunto com total imparcialidade e coerência com as normas do direito do trabalho.

A prática arbitrária, imotivada, da dispensa coletiva de empregados, sem um planejamento ou readequação dos colaboradores no mercado de trabalho, ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, da função social do trabalho, atingindo diretamente a subsistência familiar. A lei, no entanto, se revela como importante aliada para prevenção dos efeitos deste evento inesperado.


Referências bibliográficas:

Martins, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 04 fev. 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618408. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553618408/. Acesso em: 04 fev. 2022.


sábado, 29 de janeiro de 2022

Compensação de horas: aspectos legais.

Na prática, a compensação de horas é conhecida como "banco de horas". A legislação trabalhista tem modificado consideravelmente este instituto do direito do trabalho. Interpretações do dispositivo da lei, tem gerado bastante discussão, se é possível o banco de horas por acordo individual ou somente por acordo coletivo. A matéria já restou pacificada pelo TST, como veremos adiante.

Algumas empresas tem se perdido ao instituir o banco de horas, ou por falta de conhecimento da lei, ou por que empregam interpretação diversa da lei, atendendo seus interesses econômicos. O instituto do banco de horas ganhou evidencia com a Constituição Federal de 1988.

O artigo 7º da CF que cuida dos direitos sociais, em seu inciso XIII disciplina a: "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".

Os intérpretes tem criticado o legislador ordinário, por não adotar uma terminologia que não gerasse ambiguidade, ao instituir "mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho". Há uma corrente doutrinária que entende que o legislador quis dizer acordo coletivo, outra corrente entende ser acordo individual.

O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 85, instituiu: I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. 

Não restam dúvidas de que o acordo individual de compensação de horas é válido, desde que seja por escrito. A Reforma Trabalhista também afirmou no artigo 59: "A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho".  O parágrafo segundo do artigo 59 disciplinou: "Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias".

Na lição de Sergio Pinto Martins (2021, p. 811), "Acordo de compensação de horas é o ajuste feito entre empregado e empregador, para que o primeiro trabalhe mais horas em determinado dia, para prestar serviço em número de horas inferior ao normal, em outros dias".

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 282) sintetiza:

Pode-se dizer que “banco de horas” é um neologismo utilizado para denominar um novo instituto de “flexibilização” da jornada de trabalho, o qual permite a compensação do excesso de horas trabalhadas em um dia com a correspondente diminuição em outro dia, sem o pagamento de horas extras, desde que respeitado determinado período de tempo fixado em lei, acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.

A Reforma Trabalhista Lei 13.467/2017, é um exemplo de flexibilização das leis trabalhistas. Nos filiamos a definição de Sergio Pinto Martins (2021, p. 812), quando afirma que, "A flexibilização das condições de trabalho é um conjunto de regras que têm por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho".

Entendemos que essa tendência do legislador em flexibilizar as normas de direito do trabalho, acaba por prejudicar alguns institutos do direito do trabalho, e por consequência, o trabalhador é a parte que mais sai perdendo em relação aos seus direitos trabalhistas.

Ainda sobre a compensação de horas, é imprescindível a observação de alguns requisitos previstos no artigo 59 da CLT. É o que ocorre em algumas convenções coletivas da categoria, que exigem relatórios mensais apresentados ao empregado, sob pena de impossibilidade de proceder à compensação.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região, invalidou uma acordo de compensação de horas individual, por ausência de relatórios mensais entregue ao empregado, exigência essa prevista na Convenção Coletiva de Trabalho: 

BANCO DE HORAS. NÃO ATENDIMENTO ÀS NORMAS COLETIVAS. INVALIDADE. Para a validade do regime de compensação de horas, sob a forma de banco de horas, é necessário atender ao disposto no § 2º do art. 59 da CLT, a saber: Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. Acrescenta o § 5º do citado dispositivo que o banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. Não obstante a inovação do § 5º do art. 59 da CLT, o acordo firmado diretamente com a reclamante não exclui os demais requisitos de validade da compensação estabelecidos por negociação coletiva vigente. Por configurarem, no caso dos autos, imperativos de validação do acordo de compensação, a mera ausência dos relatórios, nos autos, invalida o banco de horas. Impõe-se, por essas razões, o reconhecimento da nulidade do acordo de compensação de jornada.(TRT-3 - RO: 00101176720215030111 MG 0010117-67.2021.5.03.0111, Relator: Des.Antonio Gomes de Vasconcelos, Data de Julgamento: 13/08/2021, Decima Primeira Turma, Data de Publicação: 16/08/2021.)

Luciano Martinez (2020, p. 479), de certa forma faz uma crítica ao banco de horas, quando afirma que, "O banco de horas não é propriamente sistema de compensação nem de prorrogação. Ele, na verdade, é um instituto singular que cumula o que de pior existe em ambos os sistemas. Por meio dele se cumula a exigibilidade de prestação de horas suplementares sem prévio aviso e sem qualquer pagamento com a imprevisibilidade dos instantes de concessão das folgas compensatórias".

Ainda que haja controvérsias sobre a (in) validade do acordo de compensação de horas, para que seja feito na forma da lei, não poderá a jornada diária ser excedida por mais de duas horas, ou seja, a jornada diária pode ser elastecida até a 10ª hora diária, com adicional de 50 %. O prazo para compensação deve ocorrer no período máximo de 6 (seis) meses. Caso o trabalhador seja dispensado sem ter realizado as respectivas compensações, terá direito a receber as horas extras não compensadas. 

Em se tratando de banco de horas negativo, em razão da pandemia do coronavírus, o TRT-2ª Região autorizou a devolução de valores descontados em termo de rescisão do trabalhador, relativos a horas negativas:


PANDEMIA COVID-19. INTERRUPÇÃO DAS ATIVIDADES DO EMPREGADOR. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DISPENSA DO TRABALHADOR. MP 927/2020. BANCO DE HORAS NEGATIVO. DISPENSA ABRUPTA E SEM JUSTO MOTIVO DO TRABALHADOR. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO. Da análise do encartado, constato que em 01 de abril de 2020 houve um "aditamento" à CCT 2019/2020 com previsão na cláusula 4ª de um "banco de horas geral" que tratou sobre a compensação de horas. Já o art. 14 da MP 927/2020 dispôs sobre as medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19) e definiu um regime especial de compensação de jornada (art. 14). É certo que, o aditamento acima transcrito originou-se em decorrência da pandemia da Covid-19. Ressalto, ainda, que o aditamento em análise é específico no sentido de que a compensação de horas do trabalhador deverá ser feita no período máximo de 1 anos após o retorno do regime normal de trabalho, inclusive restando autorizada a redução do intervalo intrajornada, sem mencionar a possibilidade de descontos do saldo no TRCT. E que, a cláusula 4ª do aditamento não autoriza de forma expressa o desconto das horas negativas geradas nos meses em que houve a interrupção das atividades quando da dispensa do empregado. E, nem poderia constar tal "autorização" diante do enorme prejuízo causado ao trabalhador que, ao fim e ao cabo, esteve alijado da sua "opção de poder trabalhar". Por fim, a MP 927/2020 teve como objetivo a manutenção do equilíbrio entre as relações de trabalho, visando a manutenção dos empregos. E, a reclamada utilizou-se dessa "permissiva legal" em seu único favor, ou seja, "suspendeu o contrato de trabalho do reclamante", enquanto suas atividades estavam "interrompidas" devido a Pandemia do COVID-19 e, após sua reabertura, dispensou o trabalhador sem justo motivo e, ainda, descontou horas de "banco negativo" das verbas rescisórias. Ainda se não bastasse a situação acima retratada é certo que, a Cláusula 14-B, XII, da CCT foi negociada quando não existia pandemia ou mesmo a possibilidade de interrupção das atividades do empregador, sendo que após tal situação foi imposto, ao trabalhador, permanecer em casa sem trabalhar por meses, gerando um saldo negativo exorbitante de horas. Destarte, como bem apontado na sentença, o aditamento à CCT e a MP nº 927/2020, deixam claro a possibilidade de compensação da jornada e, no caso dos autos, o reclamante sequer teve oportunidade de cumprir sua jornada normal com o retorno das atividades, sendo certo que o banco de horas negativo decorreu de uma situação excepcional de isolamento social em face da pandemia da COVID, portanto, decorre de um fato alheio a sua vontade e, portanto, não pode ser penalizado. Mantenho a determinação de devolução dos descontos. Nego Provimento. (TRT-2 10011022420205020013 SP, Relator: IVANI CONTINI BRAMANTE, 4ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 08/09/2021)

Diante destas considerações, o instituto da compensação de horas, deve antes de mais nada, decorrer de um diálogo e bom senso entre empregado e empregador. O reconhecimento deste direito deve partir de ambos os lados, pois estar-se-á evitando lesão a direitos trabalhistas, preservando a saúde do empregado, além também de observar os requisitos postos na legislação trabalhista.


Referências bibliográficas:

Martins, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

LEITE, Carlos. Henrique. B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 28 jan. 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618408. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553618408/. Acesso em: 29 jan. 2022.

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