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domingo, 31 de janeiro de 2021

Posse e Propriedade: é possível diferenciar?

 Emiliano Cruz da Silva, é Especialista em Direito Civil, Advogado no escritório Sventnickas Advocacia, em Criciúma-SC. e-mail: emiliano53338@oab-sc.org.br


A posse e a propriedade são institutos dos direitos reais, ou direito das coisas, sub ramo do Direito Civil.

A doutrina e o Código Civil, são encarregados de tratar sobre esses temas, presente nas relações jurídicas entre os particulares.

Quem tem a propriedade, também tem posse? Quem tem posse, tem propriedade? Propriedade e posse são as mesmas coisas? A finalidade deste texto é esclarecer essas questões tão presentes no nosso cotidiano.

Inúmeras são as teorias, conceitos, requisitos, classificações. Posse e propriedade são matérias para um tratado em Direito Civil. Mas, nosso objetivo aqui, é aquele do enunciado, tentar demonstrar a diferença, começando com o conceito de posse, depois o conceito de propriedade, e a diferenciação, ousa-se demonstrar a matéria presente na jurisprudência brasileira.

O legislador ordinário cuidou de trazer um conceito para posse, no artigo 1.196 do Código Civil de 2002, com a seguinte redação:

"Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade".

Em uma interpretação literal do caput do artigo acima citado, extraímos os elementos: possuidor, fato, poder e propriedade. Dado a complexidade da matéria, é função da doutrina auxiliar.

A bem da verdade, é Pontes de Miranda citado por Paulo Nader (2015, p.37), que nos ensina: “Rigorosamente, a posse é o estado de fato de quem se acha na possibilidade de exercer poder como o que exerceria quem fosse proprietário ou tivesse, sem ser proprietário, poder que sói ser incluso no direito de propriedade (usus, fructus, abusus)".

Na observação de Paulo Nader (2015, p.37):

"[...] O conceito de posse prescinde, assim, dos atos de exercício do poder, que são meramente facultativos, essenciais apenas potencialmente. Joel Dias Ferreira Jr. lamenta a conservação, no atual Códex, da fórmula conceitual da velha codificação, deixando o legislador pátrio de acompanhar a evolução doutrinária ditada pelas teorias sociológicas do início do séc. XX, que teriam superado a dicotomia das concepções de Savigny e de Ihering, situando a posse como função social da propriedade".

 Não menos importante, é o conceito adotado pelo civilista contemporâneo Flávio Tartuce (2020, p.32):

"[...] Isso porque a posse pode ser conceituada como sendo o domínio fático que a pessoa exerce sobre a coisa. A partir dessa ideia, levando-se em conta a teoria tridimensional de Miguel Reale, pode-se afirmar que a posse constitui um direito, com natureza jurídica especial. Como dito no capítulo anterior, a posse é um conceito intermediário, entre os direitos pessoais e os direitos reais. Mas esse caráter híbrido não tem o condão de gerar a conclusão de que não constitui um direito propriamente dito".

Face aos conceitos expostos, podemos concluir que a posse é um direito, mas limitado em sí, um direito tão somente sobre a coisa, pois não significa dizer que, quem tem ou exerce a posse também é o proprietário da coisa.

Em matéria de jurisprudência, a posse é discutida quando houver esbulho e perda da posse. Há assim uma correlação, entre posse e propriedade, pois não se admite ser o proprietário, sem demonstrar a posse sobre o imóvel, por exemplo: 

Apelação cível. Ação de reintegração de posse. A autora pretende ser reintegrada em imóvel que alega ser proprietária, através de contrato particular de compra e venda. Sentença de improcedência diante da falta de prova da posse sobre o bem. A ação possessória tem como finalidade a defesa da posse em caso de esbulho ou turbação, devendo restar devidamente comprovadas a posse, sua duração e o esbulho ou turbação praticado pelo réu. É impossível a mera demonstração de direito de propriedade sustentar pedido possessório. Ausência de prova da posse anterior. O juízo possessório não se presta para alegação de domínio porque somente se discute a posse. Em sede de juízo petitório a discussão versa sobre o domínio, sendo secundária a questão daquela. Tratando-se de demanda de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse (art. 927 do CPC). Inexistência de fungibilidade entre os institutos possessório e petitório. Inadequação da via eleita. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ - APL: 00169117820168190210, Relator: Des(a). FERDINALDO DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 29/10/2019, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL)

Feito essas pequenas observações (é preciso ir mais além) sobre a posse, tratamos agora sobre a propriedade.

A propriedade é disciplinada no artigo 1.228 do Código Civil de 2002:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Ademais, o legislador preferiu positivar os poderes do proprietário, do que conceituar a propriedade, sendo esta última missão da doutrina.

Para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2018, p. 110):

"Em termos conceituais, portanto, o direito de propriedade consiste no direito real de usar, gozar ou fruir, dispor e reivindicar a coisa, nos limites da sua função social. Quando o proprietário reúne todas essas faculdades (ou poderes), diz-se que tem propriedade plena".

Observamos que o conceito de propriedade reúne mais atributos ou poderes, exigindo uma interpretação mais ampla do que a posse.

Clóvis Beviláqua citado por Tartuce (2020, p. 129), conceituava a propriedade como sendo o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida física e moral (Direito das coisas..., 2003, v. I, p. 127).

Álvaro Villaça Azevedo também citado por Tartuce (2020, p.129), sobre a propriedade:  “são os bens corpóreos com valor econômico, (res quae tangi possunt – coisas que podem ser tocadas com a ponta dos dedos), sobre as quais pode ser exercido o poder do titular” (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso..., 2014, p. 4).

Numa questão mais jusfilosófica, Flávio Tartuce (2020, p. 129) menciona que, o professor Caio Mário da Silva Pereira apresenta um conceito inflexível de propriedade, pela qual:

“Direito real por excelência, direito subjetivo padrão, ou ‘direito fundamental’ (Pugliatti, Natoli, Plainol, Ripert e Boulanger), a propriedade mais se sente do que se define, à luz dos critérios informativos da civilização romano-cristã. A ideia de ‘meu e teu’, a noção do assenhoreamento de bens corpóreos e incorpóreos independe do grau de cumprimento ou do desenvolvimento intelectual. Não é apenas o homem do direito ou do business man que a percebe. Os menos cultivados, os espíritos mais rudes, e até crianças têm dela a noção inata, defendem a relação jurídica dominial, resistem ao desapossamento, combatem o ladrão. Todos ‘sentem’ o fenômeno propriedade” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições..., 2004, v. IV, p. 89).

Acrescentamos ainda, os ensinados do professor Sílvio de Salvo Venosa (2020, p.181), que entre nós enriquece o tema:

Entrementes, a Jurisprudência tratando sobre propriedade, entende que, quem exerce algum daqueles atributos da propriedade, detém a posse:

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. APELAÇÃO CÍVEL. AUTORES QUE PROVARAM A POSSE SOBRE A COISA. REQUERIDOS QUE NÃO SE DESINCUMBIRAM DE TAL ÔNUS. APELAÇÕES CONHECIDAS E DESPROVIDAS. I – Reintegração de posse: exerce posse aquele que exerce qualquer dos poderes inerentes ao direito de propriedade (artigo 1.228 do diploma civil), os quais consistem nas faculdades de usar, gozar e dispor da coisa. Sempre, portanto, que alguém exerce um dos poderes inerentes à propriedade da coisa, agindo como se proprietário desta fosse, pode-se afirmar que detém a posse. Privilegiou-se o estado de aparência juridicamente relevante, exteriorizada com relevância social. II – Apesar de os requerentes não morarem no imóvel em questão, exercem, inequivocamente, a posse sobre o mesmo, pois utilizam a coisa como melhor convém a suas necessidades (in casu, para realização de projetos e experimentos científicos), desde a data da aquisição no início da década de 1990. Provas documentais consistentes. III – De outro lado, os requeridos não acostam às suas contestações nenhum documento que comprove o exercício de poder de fato sobre a coisa. Constam apenas documentos pessoais que comprovam sua residência no município de Iranduba/AM, bem como fotografias fora de contexto. Nenhum documento relaciona-se com a coisa em querela. IV – Apelações conhecidas e desprovidas. (TJ-AM - AC: 00059810320158040000 AM 0005981-03.2015.8.04.0000, Relator: Nélia Caminha Jorge, Data de Julgamento: 14/08/2016, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 15/08/2016).

Destarte, em tempo, consigna-se que quando a matéria versar sobre posse, o caminho processual a ser adotado, são as ações possessórias: ação de reintegração de posse, a ação de manutenção de posse e a ação de interdito proibitório. O que demanda maior estudo e tempo, para abordar as diferenças e cabimento, uma vez que não foi o objetivo desse texto.

Em se tratando de defesa da propriedade, e com objetivo de requerer a posse do bem, o caminho processual são as ações petitórias, por meio da ação reivindicatória, ação de usucapião, ação publiciana, ação de imissão na posse, por exemplo.

In casu, posse e propriedade são institutos do Direito Civil, que podem ser compreendidos na sua complexidade com o todo, podendo ser diferenciados sob o ponto de vista da doutrina e da jurisprudência, conforme os fundamentos aqui elucidados.


Referências bibliográficas:


Paulo, Nader. Curso de Direito Civil - Vol. 4 - Direito das Coisas, 7ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2015. 9788530968700. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530968700/. Acesso em: 30 Jan 2021. p. 37. 

Flávio, Tartuce. Direito Civil - Direito das Coisas - Vol. 4. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989361. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989361/. Acesso em: 30 Jan 2021. p. 32.

Stolze, Pablo. Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de direito civil 5 - direitos reais. São Paulo: Editora Saraiva, 2018. 9788553609420. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553609420/. Acesso em: 30 Jan 2021. p. 110.

Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil - Direitos Reais - Vol. 4. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788597024715. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597024715/. Acesso em: 30 Jan 2021. p. 181.

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