Translate

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

A função dos princípios do Direito do Trabalho: uma leitura sobre a irrenunciabilidade a direitos trabalhistas.

 Para Patrícia, Catarina e Arthur

O estudo e investigação de uma ciência parte dos princípios que a regem. Não é diferente com a ciência jurídica. Nos anos propedêuticos das disciplinas do Direito, o estudioso passa a ter contato com os princípios jurídicos de cada ramo do Direito. Na construção das normas positivadas, o legislador deve partir dos princípios gerais do Direito, assim como faz o Juiz quando da aplicação do Direito e da ausência de previsão no ordenamento jurídico. Aliás, os princípios são também vistos no direito natural, pois as leis da natureza são invocadas para conduzir as pessoas nos atos da vida em sociedade.

Ainda que uma ciência em constante evolução, o Direito do Trabalho também possui princípios jurídicos previstos tanto na Constituição da República, quanto na legislação ordinária, no caso na Consolidação das Leis do Trabalho, no Brasil, a CLT. 

Maurício Godinho Delgado (2023, p. 223) ao escrever sobre princípio esclarece que: "A palavra, desse modo, carrega consigo a força do significado de proposição fundamental. E é nessa acepção que ela foi incorporada por distintas formas de produção cultural dos seres humanos, inclusive o Direito".

Por ser o Direito uma ciência humana e social, os princípios são o início, a raiz, a origem no estudo dos direitos que regem o comportamento do homem em sociedade, em relação aos seus direitos e obrigações, com a finalidade de alcançar a harmonia e paz social. 

Sobre a importância dos princípios de um modo em geral, defende Sérgio Pinto Martins (2023, p. 53):

Os princípios inspiram, orientam, guiam, fundamentam a construção do ordenamento jurídico. Sob certo aspecto, podem até limitar o ordenamento jurídico, erigido de acordo com os princípios. Não são, porém, axiomas absolutos e imutáveis, pois pode haver mudança da realidade fática, que implica a necessidade da mudança da legislação, do Direito em razão da realidade histórica em que foi erigido.

Para as partes da relação empregatícia, a doutrina laboral aborda como principais princípios deste ramo: 1) princípio da proteção, 2) princípio da norma mais favorável, 3) princípio da imperatividade das normas trabalhistas, 4) princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, 5) princípio da condição mais benéfica, 6) princípio da inalterabilidade contratual lesiva, 7) princípio da intangibilidade salarial, 8) princípio da primazia da realidade sobre a forma, 9) princípio da continuidade da relação de emprego.

Consideramos, todavia, que estes princípios são os fundamentos do Direito do Trabalho brasileiro, não descartando outros princípios constitucionais trabalhistas também previstos na Constituição Federal de 1988, artigo 7º e seus incisos.

Tomamos como exemplo o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Delgado (2023, p. 240) afirma que: "Ele traduz a inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato".

Ricardo Resende (2023, p. 31) leciona que: 

Este princípio é importante para proteger o empregado que, no mais das vezes, é coagido pelo empregador mediante os mais variados estratagemas, sempre no sentido de renunciar a direitos e, consequentemente, reduzir os custos do negócio empresarial.

A doutrina cita como exemplo de direito irrenunciável, o aviso prévio. É o que determina a Súmula 276 do TST: O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.

Na jurisprudência trabalhista brasileira, os Tribunais tem entendido que, os direitos trabalhistas elencados no artigo 7º, e todos os seus incisos da Constituição da República, além da renúncia ao direito de ação previsto no artigo 5º, XXXV da CF/88, não podem ser objeto de homologação de acordo que contenham cláusulas que pactuam pela renúncia desses dispositivos:

IRRENUNCIABILIDADE A DIREITOS TRABALHISTAS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. Não pode ser homologado acordo extrajudicial que contenha cláusula que represente renúncia total a direitos trabalhistas, previstos na Constituição da Republica (Art. 7º e incisos, CR/88), além de renúncia ao direito de ação (art. 5º, XXXV, da Constituição da Republica). A Justiça do Trabalho não atua como órgão meramente homologador, não sendo imposto ao Magistrado chancelar todo e qualquer acordo que lhe seja apresentado, o que se extrai da própria literalidade dos artigos 855-C, 855-D e 855-E da CLT e é questão pacificada por meio da Súmula 418 do TST. (TRT-3 - RO: 00111455920215030147 MG 0011145-59.2021.5.03.0147, Relator: Marcos Penido de Oliveira, Data de Julgamento: 01/04/2022, Decima Primeira Turma, Data de Publicação: 01/04/2022.)

Este princípio, no entanto, foi alvo da Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017 em diversos institutos laborais que, acabou flexibilizando direitos trabalhistas. Muito se discute a constitucionalidade desta lei no Supremo Tribunal Federal, diante das modificações que o legislador promoveu, que em tese, para alguns, foi considerado prejudicial ao obreiro.

Logo, a lei não pode contrariar os princípios do Direito do Trabalho, sob pena de estar indo contra as próprias normas e fundamentos desta ciência jurídica que é o Direito do Trabalho, ocasionando uma colisão de interesses e direitos. No plano da existência das normas, estas são necessariamente incumbidas de observar os princípios jurídicos trabalhistas, pela importância de sua incidência no contrato de trabalho.

Referências bibliográficas:

DELGADO, Maurício José Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Juspodivm, 2023.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

O que é o Acordo de Compensação de Horas e quando pode ser invalidado?

 Para Pati, Cacá e Tutui, com amor.


Os institutos do Direito do Trabalho servem para auxiliar as partes da relação empregatícia, a atender seus objetivos, seus interesses. É função da doutrina trabalhista estudar estes institutos, verificar a sua aplicabilidade na jurisprudência e constatar se a sua finalidade está sendo atingida.

Na jornada de trabalho, no Brasil, é bastante comum empregado e empregador firmar o Acordo de Compensação de Horas, seja no ato da admissão do empregado ou no decorrer do contrato de trabalho. Este Acordo é eminentemente de caráter contratual, de natureza jurídica de direito privado, pois as partes estão livres para celebrar o presente Acordo, fazendo lei entre si.

Mormente, dissemos que o Acordo de compensação de horas está previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 7º, inciso XIII, e também na Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 59, parágrafo 6º. 

Silva (2023, p. 56) conceitua o Acordo de Compensação de Horas como: "um negócio jurídico bilateral, firmado entre empregado e empregador,  que permite ao empregado compensar em outra jornada, as horas trabalhadas positivas ou negativas, desde que limitado a duas horas diárias, no exercício da atividade laboral". 

Na prática forense da advocacia trabalhista, nos deparamos diariamente, com o pedido de invalidade do Acordo de Compensação de Horas e o pedido de condenação do empregador, a pagar pelas horas excedentes a 8ª hora diária e 44 semanal. Esta invalidade por sua vez, é deferida pelo magistrado que fundamentando sua sentença, um dos motivos para a tal invalidação, é a ausência de requisitos legais para a manutenção do Acordo no contrato de trabalho, dentre eles, podemos citar a ausência de transparência no acompanhamento das horas positivas e negativas, objeto de compensação.

Cita-se a jurisprudência:

BANCO DE HORAS. INVALIDADE. AUSÊNCIA DE CONTROLE DE CRÉDITO E DÉBITO DE HORAS. IMPOSSIBILIDADE DE ACOMPANHAMENTO DO SALDO DE HORAS PELO EMPREGADO. Embora reconhecida a validade dos registros de jornada juntados aos autos, bem como ser incontroversa a adoção do banco de horas pela empregadora, devidamente autorizada pela norma coletiva, não é possível depreender com exatidão o total de horas extras realizadas e o saldo positivo ou negativo decorrente, impossibilitando ao empregado verificar o saldo total diário ou mensal de horas, de forma a possibilitar a efetiva compensação das horas trabalhadas. Assim, reputa-se inválido o acordo de compensação adotado pela empresa ré, diante da ausência de regras específicas e claramente conhecidas. Recurso não provido.(TRT-13 - ROT: 00007436920215130007 0000743-69.2021.5.13.0007, 2ª Turma, Data de Publicação: 27/05/2022) (grifou-se).

No entanto, verificamos que o magistrado declara a invalidade deste acordo, justificando a ausência de requisitos formais e materiais, como vimos acima, a falta de transparência da gestão dessas horas. Mas, entendemos que ao agir deste modo, o magistrado encontra-se equivocado. Todavia, uma vez diante do Acordo de compensação de horas, necessariamente, deve ser tratado como um negócio jurídico bilateral, que sua invalidade somente pode ocorrer na forma como descreve ou justifica o artigo 166 do Código Civil de 2002:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:  I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;  IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Notadamente, uma vez firmado o Acordo no sentido de compensar horas excedentes a jornada de trabalho excedente a 2 horas diárias, configura-se a hipótese do artigo 166, inciso II do Código Civil, pois impossível juridicamente laborar mais de 10 horas diárias, o que configura a invalidade do Acordo de Compensação de Horas.

O assunto é tão polêmico que o Tribunal Superior do Trabalho emitiu a Súmula 85 com o seguinte teor:

I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)  

II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1  - inserida em 08.11.2000)  

III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)  

IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)  

V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

VI - Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT.

No tocante ao item IV desta Súmula, verifica-se que restou alterado pela Lei 13.467/2017, artigo 59-B parágrafo único: "A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas".

Neste sentido a jurisprudência:

COMPENSAÇÃO DE JORNADA. VALIDADE. ART. 59 DA CLT. A escala de trabalho do reclamante trata-se de modo de compensação de jornada, atraindo a incidência do disposto no art. 59 § 6º, o qual prevê a licitude do acordo tácito para compensação dentro do mesmo mês. Ressalto, ainda, que o art. 58-B, p.ú., da CLT, é expresso ao esclarecer que a prestação habitual de horas extras não descaracteriza o acordo de compensação de jornada. (TRT-2 10010394820225020362, Relator: RICARDO APOSTOLICO SILVA, 13ª Turma)

A compensação da jornada de trabalho, figura-se como vantajosa para ambas as partes, que desejam flexibilizar a jornada de trabalho, ou seja, empregado e empregador se beneficiam deste pacto. 

Quando da rescisão do contrato de trabalho, o empregador pode descontar as horas eventualmente negativas, ou fazer a quitação no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho das horas positivas ou extraordinárias que não foram compensadas.

Convém destacar por último, que a Consolidação das Leis do Trabalho no artigo 227 orienta que não poderão firmar Acordo de Compensação de Horas, os empregados de telefonia, de telegrafia submarina e subfluvial, radiotelegrafia e radiotelefonia. Um outro exemplo bastante comum, está descrito no artigo 432 da CLT: "A duração do trabalho do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada".


Referência Bibliográfica:

SILVA, Emiliano Cruz da. Aspectos Teórico e Práticos da Jornada de Trabalho, compensação de horas e banco de horas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Penalidades no contrato de trabalho: quais os tipos de penalidades possíveis de aplicação ao empregado?

à comunidade acadêmica de Direito do Trabalho

Sob o ponto de vista do poder disciplinar do empregador, a doutrina do Direito do Trabalho e a jurisprudência, entendem pela aplicação de penalidade ao empregado, quando cometer falta grave no decorrer da relação empregatícia.

A Consolidação das Leis do Trabalho, apresenta no artigo 482 um rol de faltas graves que o empregado venha incorrer. Incumbe ao empregador analisar com razoabilidade e proporcionalidade a falta grave cometida, e aplicar a penalidade, que como veremos se dará gradativamente ou não. Anota-se que no Brasil essa aplicação de punição ao empregado, é mais simplificada, enquanto que na legislação trabalhista colombiana por exemplo, se dá mediante um processo administrativo disciplinar. 

O objetivo de aplicar penalidade ao empregado não é prejudicá-lo, mas corrigi-lo, visando a sua ressocialização para que desempenhe com satisfação as atividades para qual foi contratado. Sergio Pinto Martins (2023, p. 156) explica que: "As teorias que fundamentam o poder disciplinar podem ser resumidas nas seguintes: (a) negativista; (b) civilista; (c) penalista; (d) administrativista".

Essas penalidades na prática, podem ocorrer mediante advertência verbalmente ou por escrito, e suspensão. A suspensão nunca poderá ser maior que 30 dias, pois esse é o teor do artigo 474 da CLT:  A suspensão do empregado por mais de 30 (trinta) dias consecutivos importa na rescisão injusta do contrato de trabalho.

A depender do caso, não há necessidade de aplicar a advertência, uma vez sendo a conduta considerada como grave, pode o empregador fazer a demissão diretamente por justa causa. No entanto, a doutrina nacional orienta que em casos menos graves, recomenda-se a aplicação da penalidade de advertência verbalmente, advertência por escrito, suspensão de até 5 dias, e por ultimo a demissão.

Destacamos o magistério de Carlos Henrique Bezerra Leite (2023, p. 142):

A lei brasileira não prevê as penalidades de suspensão e advertência como sanções disciplinares. O costume, a doutrina e a jurisprudência nacional, entretanto, vêm admitindo, pacificamente, a possibilidade de imposição, pelo empregador, de tais penalidades, sobre o fundamento de que, se o empregador pode o mais (despedir por justa causa ou falta grave), também poderá o menos (aplicar sanções menores).

Acerca da aplicação das penalidades, o empregador não pode aplicar duas penalidades para mesma falta, para cada falta um tipo de penalidade, advertência ou suspensão. Tal fundamento está amparado no princípio do non bis in idem. Este é o entendimento da jurisprudência:

EMENTA: JUSTA CAUSA DESCONFIGURADA. NON BIS IN IDEM . DUPLA PENALIDADE PELA MESMA FALTA. O empregado não pode ser punido mais de uma vez pela mesma falta, de sorte que, aplicada a primeira penalidade, exaure-se a atividade punitiva do empregador, restando este impedido de fazer nova avaliação da mesma falta para proceder à dispensa com justa causa. A punição dupla ou a substituição da pena por outra pior, implica violação do princípio do non bis in idem, que veda a dupla penalidade pelo mesmo ato. Logo, fica mantida a decisão que reverteu a justa causa aplicada ao reclamante (TRT18, RORSum - 0010330- 89.2021.5.18.0003, Rel. PLATON TEIXEIRA DE AZEVEDO FILHO , 2ª TURMA, 28/07/2022) (TRT-18 - RORSUM: 00103308920215180003 GO 0010330-89.2021.5.18.0003, Relator: PLATON TEIXEIRA DE AZEVEDO FILHO, Data de Julgamento: 28/07/2022, 2ª TURMA)

O empregador precisa estar atento para que a falta grave não configure o perdão tácito. É o caso do empregado cometer falta grave, e o empregador levar dias para aplicar a punição. Não pode o empregador guardar a mágoa, e deixar para aplicar a punição futuramente, pois de acordo com a jurisprudência a falta não punida foi considerada perdoada.

A C Ó R D Ã O 1ª TURMA JUSTA CAUSA. PERDÃO TÁCITO. Configura-se a hipótese de "perdão tácito" quando o empregador toma conhecimento da prática de falta grave pelo empregado e, ainda assim, o mantém prestando suas funções na empresa, vindo a despedi-lo, de forma motivada, somente após haver decorrido um considerável lapso temporal da falta imputada, sem a devida justificativa. Assim é o caso dos autos, uma vez que não se vislumbra motivo plausível para que a penalidade máxima fosse aplicada à empregada somente em 29.04.2020, portanto, após mais de 45 dias do fato a ensejar tal conduta patronal, ocorrido em 07.03.2020. (TRT-1 - ROT: 01001276020215010226 RJ, Relator: JOSE NASCIMENTO ARAUJO NETO, Data de Julgamento: 22/03/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 12/04/2022)

Correlacionado ao perdão tácito, a imediatidade é outro requisito para a aplicação da penalidade. Embora possa ser confundida como perdão tácito, a imediatidade no entanto, quer dizer que o empregador assim que tomou conhecimento da falta grave, tem que aplicar a penalidade no primeiro momento, sob pena de não poder mais aplicar a penalidade pelo fato gravoso.

JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE IMEDIATIDADE NA APLICAÇÃO DA PENA. AFASTAMENTO. Um dos requisitos para a validade da aplicação da justa causa é a imediatidade na aplicação da pena, ou seja, assim em que o empregador toma ciência da prática do ato pelo empregado. Ausente a imediatidade, caracterizado o perdão tácito, o que afasta a validade da justa causa. (TRT-2 10001755220205020015 SP, Relator: CATARINA VON ZUBEN, 17ª Turma - Cadeira 1, Data de Publicação: 14/07/2022)

Neto e Cavalcante (2018, p. 330) advertem que: "Toda e qualquer medida disciplinar deve ser condizente com o bom-senso, não podendo haver o extravasamento desse poder disciplinar. A medida punitiva há de ser coerente com a atitude ou fato".

Mormente, diante da aplicação da penalidade, nos questionamos se o ato punitivo do empregador não viola o direito de defesa do empregado, a ampla defesa e o contraditório, nesta fase administrativa do contrato de trabalho, oportunizando o empregado a apresentar sua defesa e suas razões. Não entendemos neste sentido, uma vez que o empregado pode exercer o direito de ação no Poder Judiciário Trabalhista, e se utilizar de todas as suas garantias constitucionais do devido processo legal.

Em se tratando de processo judicial, o Juiz é o destinatário final da prova que, se provocado irá validar ou invalidar essa punição aplicada. O magistrado uma vez analisando as provas apresentadas nos autos, e empregando seu juízo de valor sobre elas, formará seu convencimento vindo a decidir sobre uma lesão a um direito trabalhista ou a uma falta grave cometida pelo empregado.  

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. 

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. E-book. 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Direito do Trabalho: um ramo da ciência jurídica a favor do empregado ou do empregador?

 Para Pati, Cacá e Tutui

Sustentamos que ao se inclinar para o estudo do Direito do Trabalho, este exercício intelectual investigativo requer que se deixe de lado, qualquer ideologia ou concepção, de que o Direito do Trabalho foi criado para proteger o trabalhador e impor limites ao empregador. Seguramente, afirmamos que o Direito do Trabalho não é somente sobre isso. É preciso abandonar rótulos e conceitos pré-estabelecidos. O Direito do Trabalho em primeira mão, deve ser lido, pesquisado e criticado como um ramo da ciência jurídica que, uma vez feito uma exegese aliado com outros ramos do Direito, tende muito mais a contribuir com a relação empregatícia.

Compreendemos que a gênese do Direito do Trabalho foi a partir de reinvindicações obreiras, com início no século XVIII, durante a Revolução Francesa e Industrial. A Europa Ocidental é o berço do Direito do Trabalho. Foi através de fatos sociais, que se começou a discutir o Direito do Trabalho contribuindo para a evolução da legislação trabalhista, principalmente com a necessidade de se estabelecer princípios fundamentais entre os países, surgiram no entanto, Tratados e Convenções internacionais fixando direitos a serem observados pelas partes do contrato de trabalho.

Notadamente, as Escolas de Direito apresentam o Direito do Trabalho como sendo ramo do direito privado, pois essa relação não possui a interferência do Estado, ou seja, o Estado não pode obrigar o empregador a admitir o empregado, e não pode obrigar o empregado a se submeter ao posto de trabalho do empregador. A relação é estritamente de direito contratual. Há muita divergência doutrinária a respeito. Mas este é nosso entendimento. Há, no entanto, quem entenda que é direito público pois o Estado fiscaliza e impõem regras na relação entre empregado e empregador.

Destarte, no Brasil há um retrocesso legislativo no diploma laboral. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não atende mais as necessidades da sociedade brasileira. Esse debate deve ser incentivado a partir da academia científica, nas universidades, nas escolas, cursos de Direito. Não é coerente para um país que se diz vocacionado para o estudo do Direito, que possui um maior número de escolas de Direito de todo o mundo, ter uma legislação trabalhista retrógrada e bagunçada.

Mas, o objetivo é dizer que, enxergar o Direito do Trabalho como uma ciência jurídica, é o primeiro passo nesta construção e aplicação destes institutos e princípios trabalhistas fundamentais, que anota-se: já foi instituído e constitucionalizado no Estado de Direito. Pensamos que na relação entre empregado e empregador, há uma reciprocidade de obrigações, em que a prestação de um serviço seja físico ou intelectual, importa muito mais para a pessoa humana do que uma simples remuneração pecuniária.

E o debate se torna interessante quando saímos da ciência jurídica e adentramos em outras áreas, como a sociologia, a filosofia, a psicologia, a administração e outras vertentes científicas. O trabalho deve ser ainda uma fonte de bem estar e felicidade. Não faz sentido acordar todos os dias e fazer algum por obrigação, ou de que não se sinta bem em fazer. Isto porque o trabalho está relacionado com a vida, com a dignidade da pessoa humana, e isso afeta diretamente no seu bem estar psíquico e social. 

Ao justificar o Direito do Trabalho como ramo da ciência jurídica, se está a dizer que os institutos laborais existem para contribuírem com as partes da relação contratual, para que então haja um resultado satisfatório para ambas as partes. Entendemos que a cristalização de direitos trabalhistas, foi necessária devido ao avanço do capitalismo na sociedade globalizada, em que a exploração da mão de obra passou a ser frequente e exacerbada em algumas situações.

As limitações impostas nas leis trabalhistas como forma de rescindir o contrato de trabalho, por exemplo, por iniciativa do empregado ou do empregador, principalmente quando ocorre a falta grave, é uma solução que partiu em um determinado momento da ciência jurídica laboral. Assim, fica demonstrado que o conhecimento jurídico pode ser utilizado para o aperfeiçoamento, a segurança, estabilidade e manutenção do emprego, atendendo os interesses de ambas as partes do contrato de trabalho. 

Sérgio Pinto Martins (2023, p. 20) escreve que: "É impossível ter o exato conhecimento de um instituto jurídico sem se fazer seu exame histórico, pois se verifica suas origens, sua evolução, os aspectos políticos ou econômicos que o influenciaram". Essa análise apontada por Martins encontra amparo na ciência jurídica.

Reconhecendo a importância do Direito do Trabalho, Martins (2023, p. 20) conclui que: "É impossível compreender o Direito do Trabalho sem conhecer seu passado. Esse ramo do Direito é muito dinâmico, mudando as condições de trabalho com muita frequência, pois é intimamente relacionado com as questões econômicas".

O Direito do Trabalho vive um momento de transformação social impulsionado pelos acontecimentos ocorridos na sociedade. Novas formas de trabalho estão sendo colocadas em prática, e os conflitos deste evento estão indo parar no Judiciário Trabalhista, que se vê obrigado a pacificar e aplicar a lei quando possível e existente.

O Direito do Trabalho como ramo da ciência jurídica, tem muito a contribuir para ambas as partes, desconstruindo a ideia de que favorece somente um ou outro.  

Referência bibliográfica:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. 

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O conceito de salário mínimo previsto na CLT, e o artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal de 1988.

 para Malu-cão meu golden retriever

As leis de um modo em geral, possuem a finalidade de regular as condutas sociais entre os cidadãos. Não há ordem e pacificação social, sem a garantia das leis e das instituições quem as criam, interpretam e garantem sua aplicabilidade. A vida em sociedade, só se torna possível com as leis regulando direitos e obrigações entre as pessoas. Isto, sob o ponto de vista da coletividade, do Estado, do Povo em seu Território.

Anota-se ainda que, o legislador ordinário, tem a incumbência de criar leis que garantem as necessidades básicas para a vida em sociedade. É partindo desta premissa, que abordamos o conceito de salário mínimo citado na legislação infraconstitucional, no caso a Consolidação das Leis do Trabalho, e também a previsão garantida pelo constituinte, na Constituição Federal de 1988.

A proposta é pensar, todavia, na real importância de se garantir ou positivar na legislação, o conceito de salário mínimo. A garantia do salário mínimo não é só de interesse da previdência social, mas sim de toda a economia que movimenta a sociedade, além da sua finalidade de remunerar o empregado, contribuindo para geração de riquezas na sociedade.

Logo, o Estado de Direito deve manter uma política nacional do salário mínimo para garantir a manutenção da sua função, como dito alhures. Ainda que não pareça, o salário mínimo é um tanto quanto fundamental para as instituições de ordem pública e privada. 

A Consolidação das Leis do Trabalho, legislação trabalhista no Brasil, em seu artigo 76, apresenta o conceito de salário mínimo:

Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

Em contra partida, o inciso IV, do artigo 7º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reza:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

Observamos, no entanto, que a Constituição de 1988 foi capaz de dar um conceito mais amplo para o salário mínimo, na medida em que deve atender as necessidades básicas da pessoa e sua família, incluindo a além da alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte, a educação, saúde, e o que chamamos atenção, para o lazer.

Mormente, como visto, o conceito de salário mínimo da Consolidação das Leis do Trabalho, já não atende mais as necessidades deste século, sendo reescrito pela Constituição de 1988, quem dirá a garantia do direito ao lazer.

Mas, o fato é que na prática o salário mínimo vigente no país, a depender da família e seu número de integrantes, não é suficiente para garantir as necessidades do artigo 7º, inciso IV da Constituição. Ainda que o constituinte foi otimista no conceito de salário mínimo, é preciso consignar que ao menos na teoria, o salário mínimo deve traduzir sim todos os benefícios que traz no seu dispositivo, e não exime de todos nós contribuir além das políticas sociais, para sua promoção e efetividade.

Vólia Bomfim Cassar (2018, p. 361) destaca:

O salário mínimo, em qualquer de suas formas de fixação, deve ser respeitado, independentemente da cor, raça, idade, sexo, religião etc. Assim, o deficiente físico, o menor, aquele que desenvolve trabalho manual ou técnico, interno ou externo, percebendo fixo ou variável (art. 7º, VII, da CF), têm a garantia do salário mínimo.

Neste diapasão, o desafio na sociedade contemporânea é garantir um salário mínimo que seja igual para todos, sem distinção, como visto por Vólia Cassar. Ainda que pareça um absurdo, encontramos tratamento diferente no que tange a remuneração de homens e mulheres, em determinados setores da sociedade, principalmente nos cargos de direção. 

Reconhecemos que o ponto de partida, é conhecer o conceito de salário mínimo previsto na Constituição, e empregar esforços para que a teoria seja uma realidade, contribuindo para o bem estar social de todos os cidadãos brasileiros.

Referência bibliográfica:

FORENSE, Equipe. Constituição Federal Comentada. São Paulo: Grupo GEN, 2018. E-book. 

domingo, 8 de outubro de 2023

Im (possibilidade) do desconto de antecipação das férias no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT) no período aquisitivo.

Para Caca, Tutui e Pati

As férias anuais remuneradas, consistem em um período de descanso para o empregado, que alcançou uma jornada de 12 meses de labor. A finalidade é proporcionar ao empregado um tempo de qualidade para praticar o ócio, cuidar dos assuntos pessoais, estar mais tempo com a família, ou ainda fazer aquela viagem para enriquecer sua vida cultural. Sair da rotina e viver novas experiências.    

A Consolidação das Leis do Trabalho assegura que, após o período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias na proporção estabelecida no artigo 130 e incisos. Diante desta previsão, compreendemos que as férias só serão concedidas após o período aquisitivo.

A doutrina trabalhista faz distinção de período aquisitivo e período concessivo das férias. Sergio Pinto Martins (2023, p. 388) leciona que: "Para o empregado ter direito às férias, há necessidade de cumprir um perío­do que é denominado aquisitivo daquele direito". Certamente se refere o doutrinador sobre o período de 12 meses de trabalho.

Quanto ao período concessivo acentua Martins (2023, p. 390):

As férias serão concedidas ao empregado nos 12 meses subsequentes à data em que aquele haja adquirido o direito. É o que se chama de período concessivo, de gozo ou de fruição. Assim, existem 12 meses para que o empregado adquira o direito a suas férias, tendo o empregador mais 12 meses para concedê-las.

Desta forma, nos questionamos quanto a (im) possibilidade da antecipação das férias, antes do término do período aquisitivo. Anotamos que, este assunto foi bastante falado no período da pandemia, sendo uma forma de remediar a situação, diante dos decretos que fecharam os estabelecimentos, ocorrendo a paralisação geral do contrato de trabalho.

A jurisprudência, todavia, se posicionou no sentido de ser impossível o desconto no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho, da antecipação das férias. O Judiciário Trabalhista, na vigência da MP nº 927/2020, atribuiu ao empregador o risco da atividade descrito no artigo 2º da CLT.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 927/2020. ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS. O estado de calamidade pública decorrente da pandemia da COVID-19 foi reconhecido no Decreto Legislativo nº 6 em 20/03/2020. Em 22/03/2020 foi editada a MP nº 927/2020 dispondo sobre medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de emergência decorrente do coronavírus, estabelecendo nos artigos 3º e 6º sobre a possibilidade de antecipação de férias dos empregados. A antecipação das férias da reclamante atendeu aos interesses do empregador e se consubstanciou em ato jurídico perfeito, não havendo que se falar em devolução da respectiva remuneração em razão do encerramento do contrato de trabalho antes de completado o período aquisitivo. O risco da atividade empresarial deve ser suportado pelo empregador (princípio da alteridade - art. 2º da CLT). Recurso ordinário da reclamante conhecido e provido em parte. (TRT-1 - RO: 01001039620215010043, Relator: MARISE COSTA RODRIGUES, Data de Julgamento: 29/03/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: DEJT 2023-04-15)

Mas, superado a vigência da Medida Provisória citada, houve uma mudança de entendimento na jurisprudência, desta vez considerando ser lícito o desconto no TRCT do adiantamento de férias:

DESCONTO NO TRCT. ADIANTAMENTO DE FÉRIAS. POSSIBILIDADE. É lícito o desconto no TRCT do adiantamento de férias (arts. 462 e 477, § 5.º, ambos da CLT). Recurso provido. (TRT-10 - ROT: 00000089620215100014 DF, Data de Julgamento: 16/03/2022, Data de Publicação: 19/03/2022).

DESCONTOS. RESCISÃO CONTRATUAL. FÉRIAS ANTECIPADAS. Consideram-se lícitos os descontos realizados no TRCT a título de férias antecipadas, conforme arts. 462 da CLT e 884 do CC, contudo, deve ser observado o limite legal, previsto no art. 477 § 5º da CLT. (TRT-9 - ROT: 00003298820205090663, Relator: MARCUS AURELIO LOPES, Data de Julgamento: 14/07/2022, 7ª Turma, Data de Publicação: 21/07/2022).

Ademais, conforme constou da ementa do E. TRT-9ª Região, o empregador que efetuar desconto no TRCT, deve observar o limite legal previsto no artigo 477, parágrafo 5º, que assim dispõe: "Qualquer compensação no pagamento de que trata o parágrafo anterior não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado". Ou seja, o desconto não pode ser superior ao equivalente a um mês de remuneração do empregado.

A matéria é controversa, devendo ser analisado cada caso no seu particular. 

O Tribunal Superior do Trabalho por meio da Súmula 261, pacificou que: "O empregado que se demite antes de complementar 12 (doze) meses de serviço tem direito a férias proporcionais". Sendo esta uma possibilidade de pagamento, referente as férias, antes do exaurimento do período aquisitivo.

Ainda que lícito o desconto da antecipação das férias no TRCT, a melhor recomendação se amolda ao regular procedimento de aquisição e concessão das férias, respeitando tanto os requisitos a serem preenchidos pelo empregado, quanto os de obrigação do empregador. 

A legislação trabalhista e os institutos deste ramo do Direito, possuem a finalidade de atender os interesses de cada parte da relação empregatícia, razão esta que deve se evitar os procedimentos que não estão previstos ou tipificados na Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de evitar a dar margem a interpretações diversas.

Referência bibliográfica:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. 

sábado, 9 de setembro de 2023

Pejotização: uma visão a partir da autonomia da vontade e do entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Aos colegas do De Marck Advogados

Não é de hoje que a discussão acalorada do Estado interferir nos negócios privados, se dê mediante a justificativa de que o Estado, detém poder para julgar matéria de ordem pública. No ordenamento jurídico discutimos normas de ordem pública e privada a toda hora. A Constituição Federal de 1988 no seu artigo 5º, inciso II dispõe que: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Esse não é um problema recente. Notadamente, há diversas discussões que chegam nos Tribunais Superiores exigindo uma resolução na lide em conflito. Estamos diante da limitação do poder Estatal sobre o interesse individual da pessoa. É com base nessas premissas, que enfrentamos o tema da pejotização no Direito do Trabalho, e a recente interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.

Para abordamos o tema da pejotização, precisamos fazer uma ponderação de princípios jurídicos, além das normas legais, e destaca-se: de ordem privada. Uma vez que o contrato de trabalho é um contrato de direito privado, que faz negócio entre as partes na relação empregatícia. Deste modo, discorremos o princípio da autonomia da vontade diante da pejotização.

Ricardo Resende (2023, p. 262) conceitua a pejotização como sendo: "A contratação de trabalhadores mediante a constituição de pessoa jurídica é normalmente denominada pejotização, em referência à abreviatura PJ".

Deste modo, estamos de acordo que a pejotização no Direito do Trabalho, ocorre quando um trabalhador autônomo, mediante pessoa jurídica, prestar serviço à empresa contratante. A relação jurídica se dá entre pessoas jurídicas, respeitando o princípio da autonomia da vontade.

Antes de adentrarmos no princípio da autonomia da vontade, precisamos consignar que no Direito do Trabalho brasileiro, há uma diferenciação a ser feita na relação de trabalho e a relação de emprego. Isto porque a relação de trabalho possui uma natureza distinta da relação de emprego. A principal diferenciação a ser feita é que a relação de emprego exige os requisitos descritos no artigo 3º da CLT: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

Por aí, já teríamos fundamentação legal para dizer que a pejotização é totalmente lícita, e possível na relação de trabalho, já que ocorre entre pessoas jurídicas.

Mas, precisamos ainda destacar sobre o princípio da autonomia da vontade. Sílvio de Salvo Venosa (2023, p. 34) escreve que:

Essa liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos. Pelo prisma da liberdade propriamente dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato, ou pelo prisma da escolha da modalidade do contrato. A liberdade contratual permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos).

Anotamos que a autonomia da vontade, confere as partes a possibilidade de firmarem contratos entre si, típicos ou atípicos, diante da liberdade contratual. E ao nosso ver, o Estado não pode se opor quando a isso, exceto se o objeto do contrato for ilícito.

Leciona Flávio Tartuce (2023, p. 59): 

Inicialmente, percebe-se no mundo negocial plena liberdade para a celebração dos pactos e avenças com determinadas pessoas e em certos momentos, sendo o direito à contratação inerente à própria concepção da pessoa humana, um direito existencial da personalidade advindo do princípio da liberdade. Essa é a liberdade de contratar.

Logo, se o ordenamento jurídico assegura a liberdade de contratar, sendo um direito existencial da personalidade, não pode o Estado interferir nesta liberdade, devendo unicamente respeitar a opção da pessoa humana diante do pacto firmado. Daí dissemos que, havendo uma contratação de pessoa jurídica para o exercício de uma prestação de serviço na relação de trabalho em atividade fim, não há óbice para sua manutenção.

O Supremo Tribunal Federal, entendeu ser lícita a terceirização por pejotização na atividade fim prestado por profissional liberal: 

CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por “pejotização”, não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento. (STF - Rcl: 47843 BA 0055865-84.2021.1.00.0000, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 08/02/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 07/04/2022).

A grande discussão impera, todavia, como bem destacou o Tribunal Superior do Trabalho, se há fraude na origem do contrato celebrado. Ou seja, não se reconhece a pejotização, quando já existente uma relação de emprego e em seguida, opta-se pela pejotização no mesmo contrato de trabalho:

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - REGÊNCIA PELA LEI Nº 13.467/2017 - RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. FRAUDE. PEJOTIZAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA (SÚMULA 126 DO TST) . O Tribunal Regional, no exame da prova produzida (oral e documental), concluiu que restou amplamente comprovada não só a prestação de serviços permanentes e sem solução de continuidade do autor à demandada em caráter habitual, oneroso e subordinado como, também, a prática da requerida de exigir de seus empregados a constituição de empresas (pejotização) para viabilizar o exercício da atividade remunerada e subordinada. Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal tem considerado lícita a terceirização por pejotização, conforme julgamento das Reclamações 39.351 e 47.843. Todavia, importante destacar que o Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento da Reclamação (Rcl) 56499, enfatiza que a licitude da terceirização (pejotização) depende da ausência de fraude, ao destacar que " são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação .". No caso em exame, o Tribunal Regional constatou a existência de fraude na contratação de pessoa jurídica (pejotização). Não resolveu a controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício com fundamento em prestação de serviços na atividade-fim da reclamada. Assim, não merece reparos a decisão monocrática por meio da qual foi negado seguimento ao agravo de instrumento. Agravo a que se nega provimento. (TST - Ag-AIRR: 00206348320165040013, Relator: Sergio Pinto Martins, Data de Julgamento: 19/04/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 22/05/2023).

De fato, incumbe ao Poder Judiciário intervir na relação contratual trabalhista quando, constatado a fraude naquele contrato de trabalho, que mediante o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, terá o poder de dizer se estão presentes os requisitos do vínculo empregatício ou prestação de serviço por pessoa jurídica.

Mas, conforme dito alhures, a autonomia da vontade na relação de trabalho é o que deve ser respeitada. Se a pessoa opta por prestar serviço mediante pessoa jurídica, sua manifestação da vontade faz lei entre as partes.

Assim, identificamos dois cenários possíveis na relação de trabalho mediante a pejotização. Aquela que é totalmente lícita, em que se respeita a autonomia da vontade em contratar, e prestar o serviço entre pessoas jurídicas. E aquela relação que antes da relação de trabalho, já existia a relação de emprego, configurando a fraude nos termos da lei, como vimos na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.    

Mormente, é preciso conhecer a realidade de cada caso, de cada demanda jurídica. Logo, não concordamos com a tese de que a pejotização é fator de precarização de direitos trabalhistas, tendo em vista que foi o trabalhador que optou por trabalhar mediante esta possibilidade totalmente lícita. Não nos esquecemos, como dito inicialmente, que estamos no terreno do direito privado, que via de regra, o Estado não detém o poder de intervir.

Referências bibliográficas:

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. v.3. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. v.3. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. 

sábado, 2 de setembro de 2023

A configuração da dispensa discriminatória pelo empregador.

O Direito do Trabalho como ciência jurídica, tem no seu núcleo pacificar a relação entre empregado e empregador. Não deixamos de observar que este ramo do direito, possui um caráter protetivo ou tuitivo como se refere a doutrina, uma vez que sob o ponto de vista da lei, o empregado é a parte hipossuficiente do contrato de trabalho. Daí dissemos que tanto a Constituição Federal, como as demais legislações ordinárias e, inclusive a Organização Internacional do Trabalho, discorrem sobre a dispensa discriminatória pelo empregador.

Encontramos, todavia, os termos dispensa discriminatória, dispensa arbitrária, dispensa ilegal. Esta modalidade de dispensa, ao nosso ver, atinge o princípio central do Estado de Direito que é o princípio da dignidade da pessoa humana, o que constitui o fato gerador do dever de indenizar.

No entanto, a doutrina jurídica e a legislação, auxiliam o operador do direito a identificar e tratar da ocorrência da dispensa discriminatória pelo empregador. Contamos com o auxílio da jurisprudência também no presente estudo.

No Brasil, a Lei 9.029 de 13 de Abril de 1995, no seu artigo 1º, disciplinou que: "É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal".

Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2023, p. 326) entende que: "a dispensa discriminatória é aquela decorrente de características ou aspectos pessoais do empregado, como, por exemplo, idade, sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, crença religiosa ou estado de gravidez".

O Tribunal Superior do Trabalho ao interpretar o assunto, emitiu a Súmula 443: "Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou  preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego".

Deste modo, ficou à cargo dos Tribunais, interpretar o que se entende por doença grave que suscite estigma ou preconceito. O E. TRT-12 Região não reconheceu a dispensa discriminatória em empregada portadora de depressão: 

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPREGADA PORTADORA DE DEPRESSÃO. Não é presumida discriminatória a rescisão contratual de empregada portadora de doença que não é considerada grave que suscite estigma ou preconceito, nos moldes da Súmula n. 443 do TST. (TRT-12 - ROT: 00006403720225120013, Relator: ROBERTO LUIZ GUGLIELMETTO, 1ª Câmara).

Já o mesmo Tribunal, em Câmara julgadora diversa, entendeu que apesar de ser um direito potestativo do empregador, no momento da dispensa quando o empregador tinha conhecimento da doença do empregado, ainda que não guardasse doença ocupacional, não poderia colocar o empregado as margens do desemprego:

DANOS MORAIS. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DOENÇA NO MOMENTO DA DISPENSA. DIREITO POTESTATIVO. LIMITES. Em regra, assiste ao empregador o direito potestativo de resilir o contrato de trabalho sem justo motivo, isto é, sem necessidade de motivar o seu ato. Os atos manifestos de abuso de direito, contudo, são freios a esse poder potestativo do empregador, que devem ser combatidos com veemência pelo Judiciário. Estando o trabalhador doente no momento da dispensa, e sendo do conhecimento do empregador a doença, a resilição contratual levada a efeito constitui ato discriminatório e arbitrário, malferindo a sua dignidade e honra, à luz do artigo 5o., X, da Carta Magna, na medida em que relegou o trabalhador, enfermo, às agruras do desemprego, disso decorrendo os danos morais, que são, neste caso, in re ipsa. (TRT12 - ROT - 0000505-08.2017.5.12.0043 , MARIA BEATRIZ VIEIRA DA SILVA GUBERT , 3ª Câmara , Data de Assinatura: 07/09/2022) (TRT-12 00005050820175120043, Relator: MARIA BEATRIZ VIEIRA DA SILVA GUBERT, Gab. Des. Amarildo Carlos de Lima, Data de Publicação: 07/09/2022).

Como visto, a configuração da dispensa discriminatória muitas vezes fica ao encargo do entendimento subjetivo do magistrado, diante dos fatos e provas nos autos. Aliás, por se tratar de fato constitutivo do direito do autor, a ele incumbe o ônus da prova, nos termos do artigo 818, I da CLT e 373, I do CPC. 

Neste sentido a jurisprudência: 

DANO MORAL. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ÔNUS DA PROVA. A prática discriminatória representa um fato constitutivo do direito à compensação do dano moral dela decorrente, e deve o autor produzir prova suficiente para a demonstração da conduta narrada na petição inicial, por aplicação das disposições materiais contidas nos arts. 186 e 927 do CC e processuais dos arts. 818, I, da CLT e 373, I, do CPC. (TRT-12 - ROT: 00000591420225120048, Relator: MARI ELEDA MIGLIORINI, 5ª Câmara, Data de Publicação: 14/11/2022).

Questão delicada ocorre quando no contrato de trabalho, o empregado passe a apresentar constantes atestados de saúde, deixando de exercer suas atividades laborais repercutindo negativamente na produção da empresa. Nunca é demais lembrar que as partes podem empregar o bom senso no contrato de trabalho. Notadamente, a empresa precisa do empregado e o empregado precisa da empresa.

Mormente, como o contrato de trabalho é regido pela boa-fé dos contratantes, havendo realmente doença acometida pelo empregado, a empresa deve avaliar seu quadro clínico e decidir sobre a manutenção no posto de trabalho. O empregado também precisa avaliar a situação do empregador. As partes podem entrar em um senso comum, seja pelo tratamento médico do empregado, ou pelo afastamento definitivo de suas funções.

Em se tratando de doença ocupacional, aquela relacionada as atividades da empresa, não há dúvidas que o empregador tenha que adotar a melhor política para resguardar a vida do obreiro.

Anotamos que o tema em tela pode contar com a ajuda do governo, por meio de leis que incentivam a política de proteção ao emprego. Seja através do seguro desemprego, ou de outros programas previdenciários, a solidariedade pode ser uma alternativa para minimizar os impactos e consequências de uma rescisão no contrato de trabalho.

Neste diapasão, podemos afirmar que a dispensa discriminatória ocorre quando configurado as hipóteses descritas na Lei 9.029 de 13 de Abril de 1995, no seu artigo 1º, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade. Uma vez levado ao Poder Judiciário, deve o magistrado analisar cada caso concreto, favorecendo para a criação de uma alternativa quando do rompimento do contrato de trabalho.  

Referência bibliográfica:

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

O direito a greve: uma leitura a partir da doutrina e da legislação brasileira.

Para Pati, Caca e Tutui

Em breves linhas, discorremos sobre o direito a greve. Empregamos esforços para alcançar o conceito de greve e sua natureza jurídica. Advertimos que o estudo é visto a partir da doutrina jurídica e da legislação brasileira. O instituto da greve merece ser pesquisado sobre outras vertentes científicas, como a sociologia, a filosofia do trabalho, consignamos ainda que é através da história que alcançamos um entendimento sobre o movimento grevista.

Advertimos que nosso objetivo é abordar o direito a greve sob o ponto de vista do direito do trabalho. Daí justificar o estudo sob o prisma do relacionamento entre empregado e empregador. Assim, em um primeiro momento a greve, como um protesto por melhores condições no ambiente do trabalho, ou que esteja relacionado a direitos inerentes ao contrato de trabalho.

Há uma observação a ser feita, que os movimentos grevistas devem ponderar antes de realizar suas reivindicações. Dissemos, todavia, que o movimento da greve não pode ser utilizado para trazer prejuízos para as partes no contrato de trabalho, o empregado não quer ter desconto no seu salário, e a empresa não pode paralisar suas atividades industriais, o que ao nosso ver, quanto maior o prejuízo, mais vai refletir na remuneração dos trabalhadores.

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 9º, se encarregou de tratar do assunto:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Observamos que o constituinte consagrou o direito de greve, mas em seguida, fez constar que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Deste modo, entendemos que há limites para exercer esse direito.

No entanto, a Lei 7.783/1989 disciplinou o exercício do direito de greve, definiu as atividades essenciais, e regulou o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e outras providências.

O artigo 2º cuida de conceituar o direito de greve na sua redação: "Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador".

A jurisprudência menciona a lei anteriormente citada, quando da configuração da abusividade da greve:

ABUSIVIDADE DA GREVE. O exercício do direito de greve está adstrito à observância de alguns requisitos previstos na Lei 7.783/89, quais sejam: real tentativa de negociação (art. 3º, caput); aviso prévio à parte adversa com antecedência mínima de 48 horas da paralisação (art. 3º, parágrafo único) e 72 horas no caso de atividades ou serviços essenciais (art. 13); aprovação em assembleia geral para deflagração do movimento paredista (art. 4º); realização da greve por meios pacíficos (art. 6º, I e § 3º) e observância à vedação de paralisação durante a vigência de acordo, convenção ou sentença normativa (art. 14, caput e parágrafo único). Inobservado um dos requisitos, tem-se por configurada a absuvidade formal do movimento paredista. (TRT 17ª R., DCG 0045500-42.2013.5.17.0000, Rel. Desembargador José Luiz Serafini, Rev. Desembargadora Carmem Vilma Garisto, DEJT 08/01/2014). (TRT-17 - DCG: 00455004220135170000, Relator: DESEMBARGADOR JOSÉ LUIZ SERAFINI, Data de Publicação: 08/01/2014)

Conforme bem consignado na jurisprudência, o aviso prévio da greve deverá acontecer com antecedência de 48 horas da paralisação, é o que dispõe o parágrafo único, do artigo 3º da Lei 7.783/89. É requisito a ser observado.

Sergio Pinto Martins (2023, p. 567) leciona que:

A OIT já se pronunciou no sentido de que o aviso-prévio de greve não vem a prejudicar a liberdade sindical, pois cumpre um aspecto de comunicação da existência da greve. Um dos objetivos principais do aviso-prévio é de que seja evitada a greve que é deflagrada repentinamente, de surpresa, sem que o empregador ou a sociedade possa tomar as medidas de precaução necessárias.

Entrementes, anotamos que o aviso prévio ao empregador encontra coerência com o movimento grevista, sobretudo quando consagra a greve de forma pacífica, podendo ser realizada.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2023, p. 390) escreve que:

No plano jurídico, porém, ressalta Cássio Mesquita Barros que a greve foi historicamente considerada como delito, liberdade e direito. Como liberdade, não é penalmente punida, nem dá causa à responsabilidade civil, mas não está provida do aparato protetor do empregado perante o empregador. Mas, se é direito e pode ser exercido pelos trabalhadores sem expô-los a quaisquer consequências pelo não cumprimento do contrato de trabalho, é preciso saber o que é greve para o efeito da tutela constitucional.

Mormente, o assunto torna-se complexo como visto, quando pensamos na greve como delito, liberdade e direito, por esta razão a ponderação entre esses três fatores torna-se imprescindível para o estudo do tema direito a greve.

Sergio Pinto Martins (2023, p. 564) escreve que: "Há entendimentos de que a greve seria um direito potestativo, de que ninguém a ele poderia se opor. A parte contrária terá de se sujeitar ao exercício desse direito".

Neste diapasão, para exercer o direito a greve necessariamente há de se observar os requisitos descritos na lei, sob pena de responder pelos excessos, como visto até aqui.

Ressaltamos por fim, que a greve pode ser vista como um fenômeno social, presente na sociedade global, advinda principalmente após a Revolução Industrial, com objetivo de melhoria na qualidade de vida dos empregados, cristalizando direitos sociais na legislação trabalhista.

Referências bibliográficas:

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. 

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. 

sábado, 19 de agosto de 2023

A alienação de Unidade de Produção Isolada (UPI) em empresas em recuperação judicial: (im) possibilidade da sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor.

Aos colegas do De Marck Advocacia

As empresas possuem uma função social que impulsionam a vida econômica na sociedade. Através das atividades empresariais, que se alcança a geração de emprego, a arrecadação de tributos, o desenvolvimento da economia, a circulação de bens e serviços na sociedade, a conquista de riquezas e por consequência o bem estar social. É de interesse do Estado de Direito que a empresa se mantenha funcionando gerando lucro e receita, e o incentivo do Estado para empresa também é importante, daí constatamos que há uma via de reciprocidade entre as instituições públicas e privadas, ou seja uma cooperação para o bem de todos.

Notadamente, não surte bons efeitos a empresa mal administrada, ou que apresente incapacidade de cumprir suas obrigações básicas, de pagar os funcionários, os fornecedores, credores, e principalmente suas obrigações perante o fisco. É possível ainda que venha enfrentar crises no exercício de suas atividades, como baixo faturamento ou outros eventos sensíveis, que fazem parte do complexo processo que é administrar uma empresa e mantê-la em funcionamento.

Foi no entanto, diante destas premissas que o legislador ordinário buscou positivar na norma, mais precisamente na Lei 11.101/2005, denominada com Lei de Falência e Recuperação Judicial um paliativo, ou ainda um incentivo, que também podemos chamar de um tratamento intensivo na saúde da empresa para reestabelecer sua saúde financeira, e voltar a gerar lucros e resultados positivos.

Sílvio de Salvo Venosa (2023, p. 319) enfatiza:

O legislador tenta por vários meios quebrar a engrenagem do efeito cascata provocado pela empresa em crise. Nesse sentido, a atual Lei de Falências e Recuperação Judicial, Lei nº 11.101/05, funda-se primordialmente na preservação da empresa, criando processos de recuperação extrajudicial e judicial como medidas de alerta no tratamento das empresas em dificuldades e permitindo, em sede de falência, a permanência do seu funcionamento.

Não há dúvidas que a promulgação da LFR foi bem aceita pelas sociedades empresariais, pois de fato, a lei uma vez aplicada surte bons resultados, e na maioria das vezes se obtém o êxito dando um fôlego para as empresas em situação difícil, proporcionando outros caminhos, ou o que chamamos ainda de alternativas para seguir o fluxo da vida financeira empresarial.

Mormente, a fim de cumprir com o enunciado do presente artigo, passamos a discorrer da Unidade de Produção Isolada (UPI), quando mencionada na Lei 11.101/2005. Paulo Penalva Santos, ao escrever o artigo "Alienação  de UPI por cisão parcial na recuperação judicial", conclui pelo conceito de UPI:

A UPI pode ser definida como parcela do estabelecimento ou parte dos estabelecimentos do devedor empresário em recuperação judicial que, mesmo destacada do todo, permanece capaz de desenvolver atividade empresária de forma independente. (Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/insolvencia-em-foco/332134/alienacao-de-upi--por-cisao-parcial-na-recuperacao-judicial).

O artigo 60 da LRF dispõe que: "Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei".

No entanto o artigo 60-A do diploma em questão, reza que a unidade produtiva isolada, poderá abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios.

Neste diapasão, dizer que a UPI é parte da empresa recuperanda que, a sua alienação não interfere no funcionamento e independência da empresa matriz, sendo esta capaz de manter suas atividades com total autonomia, ou ainda que garanta a produção independente.

Esta possibilidade garantida pela LRF, tem atraído os investidores e tem se revelado uma boa solução para as empresas recuperandas conseguirem recursos para saldarem suas obrigações. No entanto, é preciso analisar as consequências jurídicas da empresa adquirente sobre os ativos ou passivos da empresa recuperanda. Daí adentramos na (im) possibiliadade da sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor.

Pensando nisso o legislador no artigo 140, inciso II da LRF positivou: "o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho".

Especificamente acerca das relações trabalhistas, o parágrafo 2º do artigo 140 da LRF é bem claro: Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.

A jurisprudência laboral também é neste sentido:

SUCESSÃO TRABALHISTA. AQUISIÇÃO DE UNIDADE PRODUTIVA DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. O parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101/2005, estabelece que nos casos que envolvem a recuperação judicial de empresas, a alienação de unidade produtiva isolada está livre de qualquer ônus, não havendo sucessão de empresa quanto às obrigações do devedor, mesmo que trabalhistas. O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do artigo 60, parágrafo único, da Lei nº 11.101/05 (ADI nº 3934-2/DF). Não provimento ao recurso. (TRT-1 - ROT: 01013775720175010004 RJ, Relator: ROBERTO NORRIS, Data de Julgamento: 08/02/2021, Quarta Turma, Data de Publicação: 20/02/2021).

Acerca do processo de alienação da UPI, consigna-se que deve constar no plano de recuperação judicial e posteriormente ser homologada pelo juízo da recuperação judicial. Inteligência do artigo 166 da LRF, com a seguinte redação: "Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei".

Logo, diante da previsão legal e do entendimento da jurisprudência, afirmamos que o adquirente da UPI criada em processo de recuperação judicial e alienada, não responde por dívidas trabalhistas em razão do contrato com a empresa recuperada. Conforme indica a Lei 11.101/2005, o arrematante deverá fazer nova contratação do empregado, deste modo não caracterizará a sucessão trabalhista.

Referências bibliográficas:

VENOSA, Sílvio de S. Direito Empresarial. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book.

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

O instituto do Inquérito para apuração de falta grave: quando o resultado é favorável ao empregado.

 Para Pati, Caca e Tutui, com amor.

A Consolidação das Leis do Trabalho, no título X - Do Processo Judiciário do Trabalho, disciplina na seção III, o instituto Do inquérito para apuração de falta grave, contra empregado garantido com a estabilidade. Esta medida judicial, é uma alternativa para o empregador requerer ao juízo, quando o empregado comete alguma conduta que configure a justa causa e está coberto com a estabilidade.

Este procedimento especial, teve seu início na Lei Eloy Chaves (Decreto n. 4.682/1923), para ferroviários que contassem com 10 anos de trabalho para mesma empresa. O procedimento era administrativo, e quem tinha atribuição para presidir o inquérito era o engenheiro. Curiosamente a CLT passou a tratar o inquérito como ação judicial, e não mais procedimento administrativo.

Anotamos que o artigo 853 da CLT, ordena que o empregador deve apresentar a reclamação por escrito à Junta ou Juízo de Direito, dentro de trinta dias, contados da data de suspensão do empregado. Importante dizer que, as Juntas de Conciliação e Julgamento foram substituídas pelas Varas do Trabalho.

Mormente, o Inquérito de apuração de falta grave pode ser utilizado nos dias atuais, quando o empregador estiver diante da garantia constitucional prevista no artigo 8º, inciso VIII da Constituição Federal: é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

O artigo 495 da CLT dispõe que: Reconhecida a inexistência de falta grave praticada pelo empregado, fica o empregador obrigado a readmiti-lo no serviço e a pagar-lhe os salários a que teria direito no período da suspensão.

Mas, conforme escreve Neto e Cavalcante (2018, p. 1136):

Quando a reintegração do empregado se mostrar desaconselhável, como consequência da incompatibilidade criada pela circunstância fática ou/e pelo processo judicial, principalmente, quando o empregador for pessoa natural, o juiz poderá converter a reintegração em indenização (art. 496, CLT; Súm. 28, TST). A decisão será desconstitutiva e condenatória.

Mormente, a alternativa apontada vem remediar a relação entre empregado e empregador, que após a apuração do inquérito civil de falta grave, desestabilize essa relação obrigacional.

Entendemos todavia, que o instrumento processual do Inquérito, é trazer ao juízo elementos, fatos e provas, acerca da falta grave cometida pelo empregado, que diante da garantia constitucional do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, seja capaz de rescindir um contrato de trabalho que esteja protegido pela estabilidade. 

Destarte, Carlos Henrique Bezerra Leite (2023, p. 656) menciona sobre os trabalhadores destinatários do Inquérito:

Alguns trabalhadores em situações especiais só podem ser validamente despedidos se praticarem falta grave devidamente apurada nos autos de ação de inquérito judicial, como: dirigentes sindicais (CF, art. 8º, VIII, e Súmula 197 do STF); representantes dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS (Lei n. 8.036/90, art. 3º, § 9º); dirigentes de Cooperativa de Empregados (Lei n. 5.764/71, art. 55); representantes dos trabalhadores no Conselho Nacional de Previdência Social (Lei n. 8.213/91, art. 3º, § 7º); representantes dos trabalhadores nas Comissões de Conciliação Prévia (CLT, art. 625-B, § 1º).

No entanto, há algumas exceções que Bezerra Leite (2023, p. 657) adverte acerca da não utilização do Inquérito judicial de falta grave, a saber:

Vale dizer, não há interesse processual do autor (empregador) para ajuizar a ação de inquérito judicial para apuração de falta grave dos seguintes trabalhadores: empregado acidentado (Lei n. 8.213/93, art. 118); empregada gestante; empregado membro eleito de CIPA ou “cipeiro” (ADCT, art. 10, II); qualquer outro empregado destinatário da garantia no emprego (CF, art. 7º, I; OIT, Convenção n. 158; Convenção ou Acordo Coletivo etc.). Em todos esses casos, os trabalhadores são titulares do direito de garantia provisória no emprego, mas a lei não exige a apuração judicial da falta grave para eles serem dispensados, razão pela qual o empregador não necessita de autorização judicial para extinguir o contrato de trabalho.

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região entendeu que, comprovado diversas transgressões disciplinares e condutas contrárias aos interesses da empregadora, resta procedente o inquérito judicial:

INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. DIRIGENTE SINDICAL. FALTA GRAVE CONFIRMADA. Com base no art. 543, § 3º, da CLT, a falta grave ensejadora da ruptura contratual motivada do dirigente sindical deve ser demonstrada em Juízo de forma convincente. Havendo prova robusta de incorrência do empregado em diversas transgressões disciplinares e em condutas contrárias aos interesses da empregadora, configurando hipóteses previstas no art. 482 da CLT, deve ser julgado procedente o correspondente inquérito judicial. (TRT-12 - ROT: 00008898120205120037, Relator: MARI ELEDA MIGLIORINI, 5ª Câmara)

Desta forma, previsto no rol de procedimentos especiais no Processo do Trabalho, o Inquérito para apuração de falta grave tem natureza de ação judicial, com todas as regras processuais asseguradas para as partes, com a finalidade de por fim a um contrato de trabalho, que extrapolou os limites da boa-fé causando prejuízo ao empregador, intervindo a Justiça Especializada para reestabelecer o direito e a razão do reclamante e da reclamada.

Referências bibliográficas:

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito Processual do Trabalho, 8ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. E-book.

BOMFIM, Vólia; PINHEIRO, Iuri; LIMA, Fabrício. CLT Organizada: Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. 

sábado, 15 de julho de 2023

Segurança e medicina do trabalho: quais as obrigações das partes no contrato de trabalho?

A segurança e medicina do trabalho é um tema sensível e custa muito caro no contrato de trabalho, pois se está diante da vida do obreiro, geralmente a parte mais fraca do contrato de trabalho. Há determinadas atividades laborais que colocam a vida do empregado em risco, e a empresa não pode se omitir desta realidade. Assistimos nos noticiários com frequência acidentes de trabalho, seja nos diversos setores, que levam a perda da vida do obreiro, fato este que nos acende um alerta para tratar sobre esse assunto com toda a sociedade.

O Constituinte assegurou no artigo 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

A positivação deste direito na Constituição, demonstra que o obreiro está amparado pela mais alta corte da Justiça, o Supremo Tribunal Federal, guardião dos direitos sociais e da Constituição Federal Brasileira. O empregado e seus familiares podem contar com o Poder Judiciário Brasileiro para buscar a indenização quando este direito restar violado.

Ainda tratando de hierarquia das normas, a Consolidação das Leis do Trabalho também expressa a partir do artigo 154 e seguintes, da Segurança e Medicina do Trabalho. Neste sentido o artigo 157 da CLT:

Cabe às empresas:

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;

IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.

Anotamos que, o empregador tem a obrigação de que seus empregados cumpram com as normas de segurança e medicina do trabalho, que podem ser realizadas por comissões de prevenção de acidente de trabalho, por exemplo. O empregador também tem que contribuir com a autoridade competente, a fim de facilitar a fiscalização quando houver o risco a saúde e segurança do empregado.

Mas não é só o empregador que possui obrigações. Mormente, o legislador ordinário também tratou de impor algumas obrigações aos empregados conforme dita o artigo 158 da CLT:

Cabe aos empregados:

I - estabelecer normas referentes aos princípios constantes deste Capítulo;

I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;

II - orientar a fiscalização da legislação concernente à segurança e higiene do trabalho;

Il - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.

III - conhecer, em segunda e última instância, dos recursos voluntários ou de ofício, das decisões proferidas pelos Delegados Regionais do Trabalho em matéria de segurança e higiene do trabalho.

Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:

a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;

b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.

Destacamos que a recusa do empregado a adesão as políticas de segurança e medicina do trabalho impostas pelo empregador, podem acarretar a demissão por justa causa, diante da previsão do artigo 482 da CLT e alíneas "b" e "h":  Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:  b) incontinência de conduta ou mau procedimento; h) ato de indisciplina ou de insubordinação.

Sergio Pinto Martins (2023, p. 433) destaca que: "A segurança e a medicina do trabalho são o segmento do Direito do Trabalho incumbido de oferecer condições de proteção à saúde do trabalhador no local de trabalho, e de sua recuperação quando não estiver em condições de prestar serviços ao empregador".

Destarte, Carlos Henrique Bezerra Leite (2023, p. 332) escreve que:

No plano educativo, cremos que a efetivação das normas de proteção ao meio ambiente do trabalho não se limita às políticas públicas dos Governos federal, estadual e municipal. É preciso, paralelamente, uma mudança de mentalidade dos atores sociais diretamente envolvidos, isto é, dos trabalhadores e dos empresários, principalmente a mudança de postura das correspondentes lideranças das entidades sindicais representativas.

Nos filiamos ao pensamento de Bezerra Leite, na medida em que ambas as partes da relação empregatícia, possuem obrigações para observar e cumprir, as normas de segurança e medicina do trabalho.

Mas, entendemos também que o Estado de Direito possui uma responsabilidade maior através da União, a competência federal para legislar sobre a matéria do Direito do Trabalho, mais precisamente sobre segurança e medicina do trabalho, devendo os Estados e Municípios seguirem tais determinações.

Apostamos todavia, na conscientização social da prevenção ao acidente e doença no trabalho, por todos os segmentos sociais e instituições, uma vez que, o que está a se preservar é o princípio central da Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana.

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Contrato de trabalho intermitente e suas implicações práticas.

 Para Pati, Caca e Tutui.


O contrato de trabalho intermitente é um instituto de natureza contratual, inserido na Consolidação das Leis do Trabalho, através da Lei 13.467/2017, denominada como Reforma Trabalhista. Anotamos que, a referida lei vem sendo discutida desde sua promulgação, diante das alterações que causou no sistema legislativo trabalhista. Embora não seja o objeto de estudo neste momento, há pesquisas em andamento acerca da efetividade da Lei 13.467/2017, no ordenamento jurídico e na sociedade. Propomos pensar, todavia, qual foi a finalidade quando da elaboração deste projeto legislativo. Pois, ao que sabemos, na época da sua construção, a promessa era gerar mais emprego e remediar crises econômicas sociais que vivenciava a sociedade Brasileira. Constatamos muitas críticas na comunidade jurídica pela precarização dos direitos sociais.

O conceito de contrato de trabalho intermitente, vem expresso no parágrafo 3º, do artigo 443 da CLT, com a seguinte redação:  "Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria".

Ao nosso ver, a inovação legislativa é contraditória com os princípios da dignidade da pessoa humana, da busca do pleno emprego, e da melhoria da condição social do trabalhador, consagrados na Constituição Federal Brasileira.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2023, p. 220) ressalta:

Essa modalidade contratual é, seguramente, uma das mais claras manifestações da superexploração do trabalho humano, pois equipara o trabalhador a uma máquina descartável, colocando, pois, em xeque o projeto constitucional brasileiro de construção da cidadania, da melhoria das condições sociais dos trabalhadores e de uma sociedade mais livre, justa e solidária.

Mormente, notamos que o legislador ordinário buscou positivar no artigo 452-A da CLT, que o valor da hora de trabalho, não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo, ou aquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função. Apesar de muito ser criticado essa modalidade de contratação, entendemos que o bom senso falou mais alto em estabelecer uma base de cálculo salarial para o trabalhador.

Sergio Pinto Martins (2023, p. 93) esclarece: "O trabalho intermitente se justifica se a atividade do empregador tem variações, como quando há necessidade de mais garçons em um buffet ou restaurante para um aniversário, para um casamento, mas não como regra geral".

Nos filiamos ao entendimento de Martins, ao passo que o contrato intermitente não é a regra, como bem assevera o doutrinador, é uma exceção. Neste diapasão, o contrato de trabalho intermitente pode ser viável para determinada atividade laboral, ou ainda uma opção para o empregado, que não quer trabalhar com exclusividade para determinado empregador, mas isso não exclui nossas críticas em relação aos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988.

Destarte, conforme entendeu o TRT-1ª Região, o trabalho contínuo descaracteriza o contrato de trabalho intermitente:

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. DESCARACTERIZAÇÃO. O contrato de trabalho intermitente se caracteriza pela prestação de serviços de maneira não contínua, para atender eventual necessidade de pessoal. O trabalho contínuo, por meses a fio, desvirtua o contrato intermitente, autorizando o reconhecimento do vínculo por tempo indeterminado. (TRT-1 - RO: 00100067112022501004, Relator: CESAR MARQUES CARVALHO, Data de Julgamento: 27/06/2022, Sexta Turma, Data de Publicação: DEJT 2022-07-07)

Observamos na jurisprudência do TRT-4ª Região, que a gestante em contrato de trabalho intermitente teve reconhecido pelo Tribunal o direito a estabilidade:

RECURSO ORDINÁRIO DA PRIMEIRA DEMANDADA. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. ESTABILIDADE DA GESTANTE. Reconhecimento do direito da trabalhadora à garantia no emprego, conforme estabelece o art. 10, II, b, do ADCT da Constituição Federal, ainda que se trate de contrato de trabalho intermitente. A proteção à maternidade, erigida à hierarquia constitucional, retirou do âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbitrariamente a empregada em estado de gravidez. A garantia provisória de emprego tem por destinatária final a "vida" do nascituro e da própria gestante, a quem a proteção efetivamente se direciona. Incidência dos princípios da função social do contrato e da boa fé objetiva, contemplados nos arts. 421 e 422 do CCB.Apelo negado. RECURSO ORDINÁRIO DA SEGUNDA RÉ (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA). RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. Não há controvérsia de que as reclamadas celebraram contrato de prestação de serviços entre si, bem como de que o trabalho da reclamante reverteu em benefício da segunda demandada, fato sequer invocado em suas razões recursais. No caso em tela, em sendo a empregadora da demandante inadimplente no tocante às parcelas devidas em virtude do contrato de trabalho, cumpre ao tomador dos serviços, real beneficiário da força de trabalho, responder pelo respectivo pagamento, ainda que seja parte integrante da Administração Pública, especialmente porque constatada a falha no dever de fiscalização. Negado provimento. (TRT-4 - ROT: 00200857020215040701, Data de Julgamento: 24/11/2021, 2ª Turma)

Importante destacar que, o empregador tem que convocar o empregado com pelo menos três dias corridos de antecedência, por qualquer meio de comunicação eficaz. O empregado terá o prazo de 1 dia último para responder a convocação, sendo que o silêncio presume-se a recusa.

Os direitos estão previstos no parágrafo 6º do artigo 452-A da CLT que são: remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais.

O empregador também tem a obrigação de efetuar o recolhimento da contribuição previdenciária e o FGTS, com base nos valores pagos do período mensal, e fornecerá ao empregado o comprovante do cumprimento dessas obrigações. Neste sentido dizer que, o legislador garantiu ao empregado a obrigação do empregador em fornecer os comprovantes de pagamento, evitando assim ação cautelar de exibição de documento.

Destaca Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2023, p. 119): "O art. 611-A, inciso VIII, da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017, prevê que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando dispuserem sobre teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente". Neste diapasão, observamos que o negociado prevalece sobre o legislado também no contrato de trabalho intermitente.

Consignamos que, a modalidade em estudo apesar de ser nova no Direito do Trabalho Brasileiro, pode sofrer resistência na sua instituição pelos empregadores, diante das regras e direitos que se exigiram na gestão administrativa deste contrato, sendo imprescindível o acompanhamento do advogado trabalhista através da consultoria e assessoria.

Referências:

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book.

Em quais hipóteses o membro de CIPA pode ser demitido?

Para Patrícia, Arthur e Catarina CIPA é a sigla para Comissão Interna de Prevenção de Acidente com atuação nas empresas. Trata-se de um dos ...