Translate

sexta-feira, 13 de março de 2020

Dano moral versus abandono afetivo.

A família “... é o templo do amor, do carinho, do afeto e do respeito, De fato, ela só existe se sobre ela o princípio da eticidade tiver lugar reservado e o valor-fonte da dignidade humana reinar; caso contrário, ali imperará a degradação” 

(BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Regime de Bens no novo Código Civil, p. 286.).


Um dos princípios que rege o Direito de Família Brasileiro, é o princípio da afetividade. A família é uma entidade que, para dar certo, necessariamente, precisa de afeto. Diante dessa premissa, como conferir juridicidade ao afeto, no âmbito do direito de família, digo, como positivar, o afeto, e dar ou assegurar, seu cumprimento nas relações familiares? Pois bem, já encontramos julgados e estudos à respeito no Poder Judiciário Brasileiro.

Ricardo Calderón (Princípio da afetividade no Direito de Família, p. 396), sustenta que o princípio da afetividade possui dupla face, a saber, a “... de dever jurídico, voltada para as pessoas que possuam algum vínculo de parentalidade ou de conjugalidade (aqui incluídas não só as relações matrimoniais, mas todas as uniões estáveis de alguma forma reconhecidas pelo sistema). A outra face, consoante a teoria proposta pelo autor é a geradora de vínculo familiar, amparada na posse de estado e, a partir dos laços afetivos constituídos é que se constata o vínculo familiar decorrente desta relação.

De tal sorte, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, entendeu por unanimidade, a condenação em dano moral, para um homem que se limitou a prover o sustento e dar melhores condições de vida, a seu filho, limitando-se apenas ao pagamento de pensão alimentícia, em que na maioria das vezes ocorreria com atraso, uma vez que o genitor possuía ótimas condições financeiras.

Ainda, de acordo com Flávio Tartuce, demonstrando evolução quanto ao tema, surgiu mais recente decisão do próprio STJ, ou seja, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012). Em sua relatoria, a Min. Nancy Andrighi ressaltou que o dano moral estaria presente diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, a magistrada deduziu pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: “amar é faculdade, cuidar é dever”.

Neste sentido, consolidou-se a Jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO (CC/2002, ARTS. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579, 1.632 E 1.634, I; ECA, ARTS. 18-A, 18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002. 2. Estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 1087561 / RS, Rel Min. Raúl Aarújo, 4ª Turma, pub. 18/08/2017)

Contudo, o abandono afetivo, entendido como um ato ilícito, em que o sujeito incorre em omissão e negligência, ainda que exclusivamente moral, merece amparo legal, e dever de indenizar, à fim de restabelecer (ou ainda que de cunho pedagógico), a integridade física e psíquica, material e moral do infante em situação de abandono.


Referência:


O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Flávio Tartuce, disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822540/o-principio-da-afetividade-no-direito-de-familia

terça-feira, 3 de março de 2020

A emancipação no Direito Civil Brasileiro.

1. Considerações iniciais. 


A emancipação, está disciplinada na Parte Geral, Livro I (Das pessoas), no Código Civil de 2002. 

A emancipação pode ser conceituada como o ato jurídico que antecipa os efeitos da aquisição da maioridade e da consequente capacidade civil plena, para data anterior àquela em que o menor atinge a idade de 18 anos, para fins civis. Com a emancipação, o menor deixa de ser incapaz e passa a ser capaz. Todavia, ele não deixa de ser menor.[1]

A emancipação, regra geral, é definitiva, irretratável e irrevogável. De toda sorte, conforme se depreende de enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, de novembro de 2011, a emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vício de vontade (Enunciado n. 397). Desse modo, é possível a sua anulação por erro ou dolo, por exemplo.[2]

Segundo Caio Mario da Silva Pereira, o legislador civil acolheu as críticas, no sentido de que a vida moderna proporciona aos jovens um volume de conhecimento muito maior do que no passado, justificando a cessação da menoridade aos 18 anos (art. 5º). Trata-se de matéria em que domina exclusivamente o arbítrio legislativo. Com bons argumentos e exemplos em outros Códigos, pode-se defender a fixação de uma ou de outra cifra. No nosso direito anterior, as Ordenações mantinham em 25 anos a idade para a cessação da menoridade; o Código alemão a alterou para 18 (art. 2º); o Código argentino de 2014 alterou a menoridade em 2014 para os 18 (art. 25); o Código uruguaio até os 18 (art. 280); o Código suíço (art. 14) também estabelece o limite nos 18 anos. Do mesmo modo, o Código italiano fixou a maioridade aos 18 (art. 2º) e assim também os Códigos espanhol (art. 315), francês (art. 488), português (art. 130), venezuelano (art. 18) e chileno (art. 26), podendo-se dizer que essa é a cifra que se veio consolidando, ao menos nos países ocidentais.[3]

Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a emancipação é ato irrevogável, mas os pais podem ser responsabilizados solidariamente pelos danos causados pelo filho que emanciparam. Esse é o entendimento mais razoável, em nossa opinião, para que a vítima não fique sem qualquer ressarcimento.[4]

Ensina Silvio de Salvo Venosa, que, não se deve esquecer que a emancipação possui importantes efeitos patrimoniais, com reflexos diretos não só na vida do menor, como também em toda estrutura familiar. Desse modo, peremptoriamente, perante o sistema da atual lei, não se poderá lavrar escritura de emancipação com a presença de apenas o pai ou a mãe, sem a devida autorização judicial, ou, se for o caso, com a apresentação de sentença de ausência ou atestado de óbito do faltante. A lei registrária deverá regular a matéria, juntamente com as normas das corregedorias locais. Havendo dúvida a respeito dessa “falta” do pai ou da mãe, pois não há que se confundir falta com recusa, haverá necessidade de suprimento judicial de vontade do progenitor faltante. Poderá ocorrer que o progenitor tente outorgar a emancipação isoladamente, mascarando a “falta”, quando na verdade houver recusa de consentimento para o ato. A melhor solução, porém, quando houver dúvidas sobre a dimensão dessa ausência do progenitor ausente, é no sentido de o interessado recorrer à sentença judicial, a exemplo do que é necessário para o tutor. O art. 89 da Lei dos Registros Públicos afirma que cabe aos pais a emancipação. Muitos entenderam que já a partir dessa lei a presença de ambos os pais era necessária para o ato.[5]



2. Hipóteses de cabimento da emancipação. 



O artigo 5º, parágrafo único, do Código Civil de 2002, reza que: 



Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. 



Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: 



I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; 



II - pelo casamento; 



III - pelo exercício de emprego público efetivo; 



IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; 



V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. 



Neste sentido, o Magistério de Flávio Tartuce[6], explica com maior clareza as hipóteses de cabimento da emancipação, conforme segue: 

a) Emancipação voluntária parental – por concessão de ambos os pais ou de um deles na falta do outro. Em casos tais, não é necessária a homologação perante o juiz, eis que é concedida por instrumento público e registrada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Para que ocorra a emancipação parental, o menor deve ter, no mínimo, 16 anos completos. 



b) Emancipação judicial – por sentença do juiz, em casos, por exemplo, em que um dos pais não concorda com a emancipação, contrariando um a vontade do outro. A decisão judicial, por razões óbvias, afasta a necessidade de escritura pública. Tanto a emancipação voluntária quanto a judicial devem ser registradas no Registro Civil das pessoas naturais, sob pena de não produzirem efeitos (art. 107, § 1.º, da Lei 6.015/1973 – LRP). A emancipação legal, por outro lado, produz efeitos independentemente desse registro. 



c) Emancipação legal matrimonial – pelo casamento do menor. Consigne-se que a idade núbil tanto do homem quanto da mulher é de 16 anos (art. 1.517 do CC), sendo possível o casamento do menor se houver autorização dos pais ou dos seus representantes. O divórcio, a viuvez e a anulação do casamento não implicam no retorno à incapacidade. No entanto, entende parte da doutrina que o casamento nulo faz com que se retorne à situação de incapaz, sendo revogável em casos tais a emancipação, o mesmo sendo dito quanto à inexistência do casamento. Para outra corrente, como no caso de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, tratando-se de nulidade e de anulabilidade do casamento, a emancipação persiste apenas se o matrimônio for contraído de boa-fé (hipótese de casamento putativo).40 Em situação contrária, retorna-se à situação de incapacidade. As duas correntes estão muito bem fundamentadas. A última delas segue o entendimento de que o ato anulável também tem efeitos retroativos (ex tunc), conforme será abordado mais adiante e com o qual se concorda. 



d) Emancipação legal, por exercício de emprego público efetivo – segundo a doutrina, a regra deve ser interpretada a incluir todos os casos envolvendo cargos ou empregos públicos, desde que haja nomeação de forma definitiva.41 Estão afastadas, assim, as hipóteses de serviços temporários ou de cargos comissionados. 



e) Emancipação legal, por colação de grau em curso de ensino superior reconhecido – para tanto, deve ser o curso superior reconhecido, não sendo aplicável à regra para o curso de magistério antigo curso normal. A presente situação torna-se cada vez mais difícil de ocorrer na prática. 



f) Emancipação legal, por estabelecimento civil ou comercial ou pela existência de relação de emprego, obtendo o menor as suas economias próprias, visando a sua subsistência – necessário que o menor tenha ao menos 16 anos, revelando amadurecimento e experiência desenvolvida. Ter economia própria significa receber um salário mínimo. Deve-se entender que não houve revogação das normas trabalhistas relativas ao empregado menor notadamente do art. 439 da CLT que enuncia: “é lícito ao menor firmar recibo pelo pagamento de salário. Tratando-se, porém, de rescisão do contrato de trabalho, é vedado ao menor de 18 (dezoito) anos dar, sem assistência dos seus responsáveis legais, a quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida”. Seguindo a ideia conciliadora do diálogo das fontes, prevê a Portaria MTE/SRT 1, de 25 de maio de 2006, da Secretaria de Relações do Trabalho, que “não é necessária a assistência por responsável legal, na homologação da rescisão contratual, ao empregado adolescente que comprove ter sido emancipado”. Não havendo emancipação, o que é possível, a norma da CLT continua tendo aplicação. 



3. Conclusão 



Conforme dito anteriormente, a emancipação é, regra geral, definitiva, irretratável e irrevogável. Contudo, havendo desconstituição por vício de vontade (Enunciado n. 397, V Jornada de Direito Civil 2011), é possível a sua anulação, por erro ou dolo, por exemplo. 

Ainda, vale ressaltar, que embora o menor venha emancipar-se, de acordo com a doutrina, os pais ou representantes, ainda podem ser responsabilizados solidariamente. Também consigna-se, que a antecipação da capacidade civil não implica em alteração na capacidade para fins penais, restando o emancipado inimputável, sujeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 



4. Referências Bibliográficas. 



Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 79. 



Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil: teoria geral de direito civil; [revisão e atualização] Maria Celina Bodin de Moraes. – 32. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 233. 



Gagliano, Pablo Stolze. Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil, volume 1: parte geral, 21. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, p. 179. 



Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral – vol. 1. 19. ed. – São Paulo: Atlas, 2019. p. 145. 


___________________________________________________________________



[1] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 79. 


[2] Ibidem, p. 79. 


[3] Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil: teoria geral de direito civil; [revisão e atualização] Maria Celina Bodin de Moraes. – 32. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 233. 


[4] Gagliano, Pablo Stolze. Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil, volume 1: parte geral, 21. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, p. 179. 


[5] Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral – vol. 1. 19. ed. – São Paulo: Atlas, 2019. p. 145. 


[6] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 80.

Em quais hipóteses o membro de CIPA pode ser demitido?

Para Patrícia, Arthur e Catarina CIPA é a sigla para Comissão Interna de Prevenção de Acidente com atuação nas empresas. Trata-se de um dos ...