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quinta-feira, 23 de junho de 2022

Quebra de caixa: quando é devido pelo empregador?

No Direito do Trabalho é comum encontrarmos alguns adicionais a remuneração do empregado, como adicional de horas extras, adicional noturno, de insalubridade, periculosidade, transferência, acúmulo de função, dentre outros.

Destarte, a quebra de caixa, é um instituto do direito do trabalho, que é desconhecido por muitos que desenvolvem a função de operador de caixa.

Ao nosso ver a quebra de caixa não é um adicional, mas tão somente uma verba de remuneração devida ao empregado que exerce a função de operador de caixa.

O pagamento de quebra de caixa é utilizado por quem labora nos estabelecimentos comerciais, lojas, supermercados, bancos, que dispunham do serviço de operador de caixa.
 
A doutrina menciona que, o caráter pedagógico do pagamento de quebra de caixa, serve para incentivar o empregado, quando ocorrer o desconto de seu salário por erro ou falta do valor pecuniário, no momento do fechamento do caixa.

Luciano Martinez (2022, p. 331) ensina que, "A quebra de caixa é um complemento salarial de natureza contratual, atribuído ao empregado responsável pela guarda de numerário do empregador (caixa, tesoureiro ou ocupante de função equivalente), como verba de incentivo que visa atenuar as diferenças negativas eventualmente encontradas no instante de fechamento do fluxo contábil".

Observa-se todavia, que o empregado não está isento de descontos, por eventual valor pecuniário faltante no seu fluxo de caixa. Em contrapartida, uma vez suportado o ônus do desconto, surge como um alento o valor referente a quebra de caixa.

Entende Ricardo Resende (2020, p. 598) que a quebra de caixa: "É a gratificação espontânea concedida pelo empregador aos empregados que exercem a função de caixa, visando compensar eventuais diferenças encontradas quando do fechamento do caixa que, normalmente, observado o disposto no art. 462, § 1º, da CLT, são descontadas do salário do empregado responsável".

A doutrina entende que a quebra de caixa não é verba salarial, e por isso não incidirá em outras verbas trabalhistas. Mas a regra comporta exceção. É o que anotam Neto e Cavalcante (2018, p. 569):

Quando a quebra de caixa é paga independentemente de ocorrer ou não prejuízo ao empregador, tem-se a descaracterização do seu conteúdo compensatório, passando a ser verba salarial. A parcela paga aos bancários sob a denominação quebra de caixa possui natureza salarial, integrando o salário do prestador dos serviços, para todos os efeitos legais (Súm. 247, TST).

A jurisprudência do E. TRT-6ª Região entendeu que, não basta apenas o exercício de operador de caixa, sendo exigido para receber o adicional a quebra de caixa, que o empregador efetue descontos no salário da obreira:

RECURSO ORDINÁRIO. ADICIONAL DE QUEBRA DE CAIXA. REQUISITOS NORMATIVOS NÃO PREENCHIDOS. Apesar de restar provado o exercício da função de Operadora de Caixa pela reclamante, o empregador não efetuou descontos no salário da empregada. Assim, não preenchidos os requisitos contidos na cláusula 9ª da CCT, não faz jus a obreira ao adicional de quebra de caixa. Recurso ordinário provido. (Processo: ROT - 0001745-92.2014.5.06.0014, Redator: Solange Moura de Andrade, Data de julgamento: 18/12/2019, Segunda Turma, Data da assinatura: 18/12/2019) (TRT-6 - RO: 00017459220145060014, Data de Julgamento: 18/12/2019, Segunda Turma)

A jurisprudência do E. TRT-4ª Região, firmou entendimento de que o tesoureiro executivo não faz jus ao pagamento de quebra de caixa, uma vez que este adicional é exclusivo de quem atua na função de operador de caixa:

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA RECLAMADA. QUEBRA DE CAIXA. As parcelas quebra de caixa e função gratificada contemplam situações fáticas diversas, não se confundem e não se excluem. Contudo, no período em que o reclamante exerceu a função de tesoureiro executivo, a parcela quebra de caixa é indevida, pois depreende-se das normas internas (item 8 do MN RH 053) que a quebra de caixa é exclusividade do empregado que atua na função de caixa (ID 59520a0), nada autorizando que seria devida ao tesoureiro. Recurso provido em parte. (TRT-4 - ROT: 00205147320185040141, Data de Julgamento: 26/09/2020, 3ª Turma)

O TRT-12ª Região destacou também que, o exercício eventual na função de caixa não autoriza o pagamento do adicional de quebra de caixa:

ADICIONAL DE "QUEBRA DE CAIXA". PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. EXERCÍCIO EVENTUAL DE ATIVIDADES DE CAIXA. ADICIONAL INDEVIDO. A empregada efetuava a cobrança dos clientes apenas de forma eventual, não tendo sido comprovado ter ocorrido qualquer desconto a título de diferenças de caixa. (TRT12 - ROT - 0000215-30.2019.5.12.0008 , Rel. QUEZIA DE ARAUJO DUARTE NIEVES GONZALEZ , 3ª Câmara , Data de Assinatura: 26/06/2020) (TRT-12 - RO: 00002153020195120008 SC, Relator: QUEZIA DE ARAUJO DUARTE NIEVES GONZALEZ, Data de Julgamento: 17/06/2020, Gab. Des.a. Quézia de Araújo Duarte Nieves Gonzalez)

Destacamos que não há legislação obrigando o pagamento do adicional em questão, sendo apenas uma previsão normativa instituída pelas Convenções Coletivas ou Acordos Coletivos.

Mormente como visto, o respectivo adicional de quebra de caixa, de acordo com a jurisprudência pátria, exige-se que o empregado exerça exclusivamente a função de operador de caixa, e que esteja sujeito a sofrer descontos no seu salário, quando ocorrer faltas no momento do fechamento do caixa.

Assim, preenchidos os requisitos e tendo previsão normativa, a verba remuneratória é devida pelo empregador.


Referências bibliográficas:


MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622128. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622128/. Acesso em: 21 jun. 2022.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 21 jun. 2022.

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 23 jun. 2022.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

O favor laboratoris na doutrina Portuguesa do Direito do Trabalho: uma correlação com o princípio protetivo no Brasil.

Inegável que a gênese do Direito do Trabalho se deu com a reivindicação por direitos da classe operária. Notadamente, este ramo privado do direito, regula os interesses entre empregado e empregador. Os acontecimentos históricos, sociais, políticos, filosóficos e globais contribuíram para o desenvolvimento do Direito do Trabalho ao longo do processo civilizatório.

O Direito do Trabalho está em toda e por toda sociedade. É a ciência jurídica, sem dúvida, que mais se diz respeito a sobrevivência e manutenção das pessoas. Isto porque, o trabalho é a fonte que emana todos os recursos para a aquisição de bens necessários da vida. Enquanto há vida, há trabalho.

Sem adentrarmos na importância do trabalho para a vida do indivíduo e suas razões filosóficas de ser e existir, nos importa no momento, sob o ponto de vista jurídico, tecer sobre alguns princípios da ciência do Direito do Trabalho.

Num primeiro momento ainda, destacamos a função do princípio para a ciência jurídica em toda ramificação do direito. O princípio é a diretriz, a base, a fundação do direito. A ciência sem princípio não se sustenta, como se fosse os elementos da natureza indispensável para os seres vivos.

Então, no Direito do Trabalho, encontramos alguns princípios que orientam, norteiam, a relação entre empregado e empregador. Entendemos, todavia, que é um equívoco separar o Direito do Trabalho entre o direito do empregado e o direito da empresa, pois o Direito do Trabalho como dito alhures, é a ciência jurídica que regula a relação entre ambos, pois a própria função da justiça do trabalho é igualar esta relação.

Neste sentido a doutrina portuguesa fala em princípio do tratamento mais favorável. Acerca do "favor laboratoris", Pedro Romano Martinez (2022, p. 208) escreve que: "Para explicar o princípio do tratamento mais favorável, importa relembrar que o direito do trabalho se autonomizou do direito civil com vista a proteger o trabalhador. Enquanto o direito civil coloca as partes no negócio jurídico em pé de igualdade, o direito do trabalho surge para favorecer a parte mais fraca, e o favor laboratoris, num sistema jurídico incipiente, serve para combater a desproteção do trabalhador, concedendo-lhe um estatuto privilegiado".

No Brasil, escreve Sergio Pinto Martins (2021, p. 131), "O princípio protetor pode ser uma forma de justificar desigualdades, de pessoas que estão em situações diferentes".

Destacamos a lição de Carlos Henrique Bezerra Leite (2022, p. 59) quando escreve, "O princípio da proteção (ou princípio tutelar) constitui a gênese do direito do trabalho, cujo objeto, como já vimos, consiste em estabelecer uma igualdade jurídica entre empregado e empregador, em virtude da manifesta superioridade econômica deste diante daquele".

Mas anota o Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Pedro Romano Martinez (2022, p. 210-211):

O favor laboratoris deve ser hoje entendido numa perspectiva histórica, sem uma aplicação prática; o direito do trabalho não foi estabelecido para defender trabalhadores contra empregadores, ele existe em defesa de um interesse geral, onde se inclui toda a comunidade. A comunidade, de que fazem parte trabalhadores e empregadores, beneficia da mútua colaboração e da paz social. A ideia de que no direito do trabalho se pretende favorecer o trabalhador contra o empregador dificulta inclusive a criação de novos empregos, pelo receio que os empregadores têm das consequências que dai poderão advir. 

De fato, no Brasil é preciso romper com a visão de que o Direito do Trabalho é voltado só para o empregado, uma vez admitido, estar-se-á criando também desigualdade de direitos, pois cada parte possui seu direito de acordo com sua proporção e responsabilidade.

A Lei 13.467/2017 conhecida como Reforma Trabalhista, é prova deste pensamento, na medida em que na prática, esta lei ficou conhecida como a lei que favorece empresas, e desfavorece os empregados. Não vamos adentrar aqui na constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos dispositivos desta lei, mas reconhecer que esta lei não resolveu o problema do desemprego e da informalidade no Brasil, aliás, causou ainda mais conflitos e entraves judiciais.

Ainda sobre o princípio da proteção no Brasil, Sergio Pinto Martins (2022, p. 132) acrescenta que: "Pode ser desmembrado o princípio da proteção em três: (a) in dubio pro operário; (b) o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador; (c) o da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador".  

Na jurisprudência Brasileira é possível constatar:

VÍNCULO DE EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO. REGRA IN DUBIO PRO OPERARIO. DESDOBRAMENTO NO PROCESSO DO TRABALHO. 1. O princípio da proteção, princípio-mor orientador do Direito do Trabalho, compreende a regra in dubio pro operario: vale dizer, quando uma norma possa ser entendida de várias formas, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador, pois ele é o destinatário da tutela legislativa estatal, por ser a parte mais fraca na relação jurídica, ao alienar a sua força de trabalho - sendo que, no caso de dúvida na interpretação da norma, esta deve laborar em favor do empregado. Ao ser transportada para o processo do trabalho, a regra inserida no princípio de proteção impacta também no campo probatório, seja no aspecto da aptidão para a prova, seja quanto a sua valoração. 2. Configurado o suporte fático delineado pelos arts. 2º e 3º da CLT, o reconhecimento do vínculo empregatício alegado na inicial é medida que se impõe, devendo os autos retornar à Vara da origem para julgamento das demais pretensões formuladas. (TRT-4 - ROT: 00213642820185040271, Data de Julgamento: 22/10/2021, 8ª Turma)

Mormente encontramos um ponto em comum entre a doutrina trabalhista de Portugal e a doutrina trabalhista do Brasil, qual seja, a intepretação do tratamento mais favorável ao trabalhador. Mas é preciso advertir que, toda e qualquer racionalização extremista, não equipara a relação empregatícia no mesmo patamar civilizatório, razão esta do Direito do Trabalho enquanto ciência jurídica, existir.

Referências bibliográficas:

LEITE, Carlos Henrique B. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622944. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622944/. Acesso em: 15 jun. 2022.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2022.

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