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domingo, 13 de março de 2022

Relação de trabalho e relação de emprego: uma distinção doutrinária.

Antes de partirmos para o tema central anunciado, precisamos ter em mente que a doutrina jurídica é aquela responsável por orientar a comunidade jurídica, a aplicação dos institutos do Direito, sondar a finalidade e aplicação das leis, debater as necessidades da sociedade incumbidas pelo Poder Judiciário a se dar uma resposta, no caso de se fazer a justiça social.

O dogmatismo jurídico, por sua vez, assume importante função na comunidade jurídica, nos Tribunais de Justiça. Estamos nos referindo as verdades inquestionáveis no campo jurídico, que se manifestam na Constituição Federal ou nas legislações ordinárias. É preciso destacar que para as instituições do Estado de Direito funcionarem, antes de tudo, é preciso acreditá-las. Neste sentido caminha os dogmas, os institutos de direito.

Isto também se aplica na Justiça do Trabalho. A justiça especializada, parte de determinados conceitos, premissas, que dão sentido a aplicação e interpretação das normas que regem, disciplinam as relações de trabalho e as relações de emprego.

A doutrina defende que há distinção nestas relações. A diferenciação de relação de trabalho e relação de emprego tem haver na prática com a atuação, com as características e regras específicas de cada qual. Neste sentido é dizer que trabalho é gênero e emprego é espécie. Na prática a relação de trabalho é aquela que ocorre com o profissional autônomo, com o médico, com o engenheiro, advogado, arquiteto, dentre outras profissões.

Já a relação de emprego é aquela que se passa entre empregado e empregador. Há uma subordinação, e determinados requisitos que caracterizam a relação jurídica. É correto dizer que toda relação de emprego é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego. Porque os sujeitos da relação de trabalho (profissionais autônomos) não são os mesmo sujeitos da relação de emprego (empregados subordinados). Mas, ambas relações são de competência da justiça do trabalho, havendo regras específicas para cada qual.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 90) contribui:

A expressão “relação de emprego” foi adotada no Brasil por Hirosê Pimpão, no sentido de ser aquela que resulta de um contrato, distinguindo-a da simples relação de trabalho, que não resulta de contrato. Délio Maranhão, dissentindo do referido autor, propõe a seguinte distinção ­terminológica: relação jurídica de trabalho é a que resulta de um contrato de trabalho, denominando-se de relação de emprego quando se trata de um contrato de trabalho subordinado. Quando não haja contrato, teremos uma simples relação de trabalho (de fato). Partindo dessa distinção, aceitamos a afirmação de Hirosê Pimpão, de que sem contrato de trabalho – entenda-se stricto sensu – não há relação de emprego. Pode haver...relação de trabalho.

A relação de trabalho é mais simples na prática. As partes contraem menos direitos e obrigações, que na relação de emprego. A relação de emprego por sua vez para que seja caracterizada, precisa do que a lei chama de pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. Há um contrato individual de trabalho com mais especificidades, de acordo com a função contratada.

Ricardo Resende (2020, p. 73) é categórico quando escreve:

Segundo Maurício Godinho Delgado, relação de trabalho é “toda relação jurídica caracterizada por ter sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano.” Assim, a relação de trabalho corresponde a toda e qualquer forma de contratação da energia de trabalho humano que seja admissível frente ao sistema jurídico vigente. É importante ressaltar que forma de contratação admissível, entre os particulares (em contraposição à Administração Pública), é tanto a expressamente prevista quanto aquela não vedada em lei.

Segundo Neto e Cavalcante (2018, p. 229), "Nas lições de Cláudio Mascarenhas Brandão, a relação de trabalho é o “vínculo que se estabelece entre a pessoa que executa o labor – o trabalhador propriamente dito, o ser humano que empresta a sua energia para o desenvolvimento de uma atividade – e a pessoa jurídica ou física que é beneficiária desse trabalho, ou seja, aufere o trabalho proveniente da utilização da energia humana por parte daquele”.

Mormente, na relação de trabalho, há uma variação na prestação do serviço, podendo o trabalhador prestar serviço para mais de uma pessoa ao mesmo tempo, enquanto que na relação de emprego exige-se uma certa exclusividade. 

Neto e Cavalcante levantam uma problemática encontrada na relação de trabalho. Ou seja, se o trabalho prestado pelo profissional autônomo caracteriza relação de trabalho ou relação de consumo? Qual justiça competente para julgar essas relações jurídicas? A justiça do trabalho ou a justiça comum?

Segundo Neto e Cavalcante (2018, p. 237) a doutrina se manifesta em três posições:

1. a primeira corrente nega a competência da Justiça do Trabalho sob o fundamento de que o prestador de serviço, na execução das suas tarefas, insere-se em uma relação de consumo, onde o tomador dos serviços é o usuário final;

2. em uma posição diametralmente oposta à primeira, há os que defendem a competência da Justiça do Trabalho, sustentando que as relações de consumo, onde o prestador de serviços é pessoa natural, inserem-se na definição de relação de trabalho;

3.  e, por fim, a última, em que se analisa a temática, partindo-se do pressuposto de que há dois ângulos a serem analisados: 1) o primeiro envolve o consumidor (destinatário do serviço), em que se aplica o CDC e cuja competência é da Justiça do Trabalho; 2) o segundo se relaciona com a pessoa natural prestadora (fornecedora) do serviço, cuja pendência há de ser resolvida pela Justiça do Trabalho, aplicando-se a legislação civil.

Nosso entendimento é de que, a prestação de serviço pelo profissional autônomo, ainda que venha se configurar uma relação de consumo, não deixa de ser uma relação de trabalho, sendo competência da Justiça do Trabalho julgar os conflitos havidos.

Mas, é preciso alertar que ao mesmo tempo que se tem uma relação de trabalho, também pode haver uma relação de consumo, sendo da competência da justiça comum cível, tudo dependerá da triangulação da relação jurídica, da matéria e dos sujeitos envolvidos.

Destarte, o presente texto teve o propósito de provocar o pensamento doutrinário acerca das expressões "relação de trabalho e relação de emprego", que no dia-a-dia, podem passar despercebidos, mas para a correta aplicação da lei e da justiça, necessariamente precisam ser diferenciados.


Referências bibliográficas: 

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 13 mar. 2022.

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 13 mar. 2022.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 13 mar. 2022.

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