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domingo, 4 de novembro de 2018

Bem, Coisa e Patrimônio no Direito Civil Brasileiro.


Emiliano Cruz da Silva
Advogado
OAB/SC 53.338



1 – Introdução

            A pesquisa bibliográfica que se apresenta à seguir, tem como objetivo averiguar o que a doutrina jurídica no Direito Civil entende, pelas expressões, bens, coisa e patrimônio. Como sabemos o Direito Romano tem seus reflexos no nosso Direito Civil, por onde faz se necessário de analisar os institutos em comento.

            O autor procura investigar os conceitos, e sua significação na legislação, para facilitar a aplicação do operador do Direito. Também é apresentada de uma forma sucinta a classificação de bens de acordo com o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, o que não tem o objetivo de esgotar a matéria, pois as classificações são variáveis de acordo com cada doutrinador.

            Por fim, espera-se que o leitor seja introduzido a pensar sobre essas questões (bem, coisa e patrimônio), e que ao final da leitura, sirva de parâmetro para avançar nos estudos, e aperfeiçoar a matéria, contribuindo com a comunidade jurídico-acadêmica. 

2 – Bens no Direito Romano

No Direito Romano, res tem sentido mais abrangente que em nosso direito, pois engloba também as coisas imateriais. Para nós, bens tem esse sentido, pois aqui incluímos as coisas não materiais, como os créditos por exemplo. Apesar de os romanos não se terem preocupado com a divisão dos bens, porque não eram dados à abstração, a divisão fundamental, de acordo com as Institutas de Justiniano, eram as categorias das coisas in patrimônio e das coisas extra patrimonium.[1]

Nota-se que no Direito Romano não há uma distinção em bens e coisas.

As coisas in patrimonium dividem-se em res mancipi e res nec mancipi, em coisas corpóreas e incorpóreas, em móveis e imóveis. Coisa extra patrimonium são as coisas fora do patrimônio tudo que não pode entrar para o acervo do indivíduo, nem é suscetível de apropriação privada.[2]

No Direito Romano, como no Direito moderno, são distinguidas duas categorias de direito: direitos reais e direitos obrigacionais. Os direitos obrigacionais, também chamados pessoais, tem em mira o crédito, como direito imaterial. O direito real é uma faculdade que pertence a uma pessoa, com exclusão de qualquer outra, incidente diretamente sobre uma coisa determinada, oponível erga omnes, isto é, perante todos.[3]

O patrimônio é o conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma pessoa. O patrimônio engloba tão só os direitos pecuniários. No Direito Romano, nem todas as pessoas detinham capacidade para possuir patrimônio. Era necessário que a pessoa fosse um pater famílias. Os escravos, a mulher e os filhos sob o pátrio poder não possuíam patrimônio.[4]


3 – Bens, coisa e patrimônio.

Na Parte Geral, o Código Civil cuida dos bens e, na Parte Especial, das coisas, entendendo-se essas palavras como sinônimas. Mas, tecnicamente tem sentido diverso, coisa compreende tudo o que existe na natureza com exclusão da pessoa humana, como ar atmosférico, as águas do oceano etc., já o vocábulo bem significa a coisa que pode ser apropriada pela pessoa, por ser útil ou interessar a esta, que manifesta o desejo de tê-la em seu patrimônio, como por exemplo, o ar comprimido, uma coleção de conchas ou de borboletas.[5]

Silvio Rodrigues, entende que coisa é gênero de que bem é espécie, acentuado que coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem, sendo certo que bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contém valor econômico, com fundamento em Sylvio M. Marcondes Machado.[6]

Giovanni Lomonaco promove a diferença entre coisa e bem, demonstrando que a primeira é tudo que existe na natureza, formando ou não parte do nosso patrimônio, como o mar, o ar, a luz, sendo certo que bem é a coisa que desse acervo faz parte. Devemos distinguir fundamentalmente: coisa em sentido amplo e coisa em sentido estrito. No primeiro caso, coisa é tudo que se encontra no universo. No segundo, coisa se equipara à noção de bem jurídico, podendo ser corpórea e imaterial ou incorpórea.[7]

A noção de patrimônio, que deriva, etimologicamente, de patrimonium, do latim pater, ris, significando, originariamente, os bens de família herdados dos pais. Esboçando um conceito jurídico de patrimônio, aceito pela maioria dos juristas, posso dizer que ele é o complexo das relações jurídicas pertencente a uma pessoa e de natureza econômica, só podendo ser transmitido causa mortis (a título universal).[8]

A palavra bens pode ser tomada em vários sentidos, a começar pelo filosófico. A esse propósito, saliente-se, para logo, a discordância entre o significado jurídico e o filosófico em questão. Filosoficamente, bem é tudo quanto pode proporcionar ao homem qualquer satisfação. Nesse sentido se diz que a saúde é um bem, que a amizade é um bem, que Deus é o sumo bem. Porém na linguagem jurídica não podem receber tal qualificação.[9]

Juridicamente falando, bens são valores materiais ou imateriais que podem ser objeto de uma relação do direito. O vocábulo, que é amplo no seu significado, abrange coisas corpóreas e incorpóreas, coisa materiais ou imponderáveis, fatos e abstenções humanas. Como diz Scuto, o conceito de coisas corresponde ao de bens, mas nem sempre há perfeita sincronização entre as duas expressões. Às vezes, as coisas são gêneros e bens, a espécie; outras, estes são o gênero e aquelas, a espécie; outras finalmente, são os dois termos usados como sinônimos, havendo então entre eles coincidência de significação.[10]

            Não são todas as coisas materiais que interessam ao mundo jurídico. Somente interessam ao direito coisas suscetíveis de apropriação exclusiva pelo homem, como prédios, semoventes, mercadorias, livros, quadros e moedas. Se as coisas materiais escapam à apropriação exclusiva pelo homem, por ser inexaurível sua quantidade, como o ar atmosférico, a luz solar e água dos oceanos, deixam de ser bens em sentido jurídico.[11]

            O conceito de coisa, na linguagem do direito, é ministrado pela economia. Por fim, urge ainda não confundir a palavra coisa, tomada no sentido vulgar ou genérico, com seu significado jurídico. No primeiro sentido, coisa é tudo quanto existe fora ou além do homem; no segundo, tudo quanto seja suscetível de posse exclusiva pelo homem, sendo economicamente apreciável.[12]

            O patrimônio é formado pelo conjunto de relações ativas e passivas, e esse vínculo entre os direitos e as obrigações do titular, constituído por força de lei, infunde ao patrimônio o caráter de universalidade de direito. O patrimônio de um indivíduo é representado pelo acervo de seus bens, conversíveis em dinheiro. Há, visceralmente ligada a noção de patrimônio, a ideia de valor econômico, suscetível de ser cambiado, de ser convertido em pecúnia. Nesse sentido a opinião de Beviláqua, que define o patrimônio como o complexo das relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico.[13]

4 – Classificação dos bens.

A doutrina apresenta diversas classificações dos bens. Adotamos a classificação de Carlos Roberto Gonçalves.

            O legislador enfoca e classifica os bens sob diversos critérios, levando em conta as suas características particulares. Ora considera as qualidades físicas ou jurídicas que revelam (mobilidade, fungibilidade, divisibilidade), ora as relações que guardam entre si (principais e acessórios), ora a pessoa do titular do domínio (públicos e particulares).[14]

            O Código Civil de 2002, no Livro II da Parte Geral, em título único, disciplina os bens em três capítulos diferentes:

I – Dos bens considerados em si mesmos.

A – Dos bens imóveis, dos bens móveis.

            É a mais importante classificação, fundada na efetiva natureza dos bens. Os bens imóveis, denominados bens de raiz, sempre desfrutaram de maior prestígio, ficando os móveis relegados a plano secundário. No entanto, a importância do bem móvel tem aumentado sensivelmente no moderno mundo dos negócios, em que circulam livremente os papéis e valores dos grandes conglomerados econômicos, sendo de grande importância para a economia o crédito, as energias, as ações de companhias particulares, os títulos públicos, as máquinas, os veículos etc.[15]

C – Dos bens fungíveis e consumíveis.

            Bens fungíveis são os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade, dispõe o artigo 85 do Código Civil, como o dinheiro e os gêneros alimentícios em geral. Infungíveis são os que não tem esse atributo, como o quadro de um pintor célebre, uma escultura famosa etc.[16]

            Proclama o artigo 86 do Código Civil que são consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados a alienação.[17]
           
D – Dos bens divisíveis.

            Bens divisíveis, diz o art. 87 do Código Civil, são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. São divisíveis, portanto, os bens que se pode partir em porções reais e distintas, formando cada qual um todo perfeito. Um relógio, por exemplo, é bem indivisível, pois cada parte não conservará as qualidades essenciais do todo, se for desmontado.[18]

E – Dos bens singulares e coletivos.

            Preceitua o artigo 89 do Código Civil, são singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais. São singulares, portanto, quando considerados na sua individualidade, como um cavalo, uma árvore, uma caneta, um papel ou um crédito. A árvore pode ser bem singular ou coletivo, conforme seja encarada individualmente ou agregada a outras, formando um todo, uma universalidade de fato. Já uma caneta, por exemplo, só pode ser bem singular, porque a reunião de várias delas não daria origem a um bem coletivo.[19]

II – Dos bens reciprocamente considerados.

            Considerados uns em relação aos outros, os bens classificam-se em principais e acessórios. Principal é o bem que tem existência própria, autônoma, que existe por si. Acessório é aquele cuja existência depende do principal. Assim, o solo é bem principal, porque existe sobre si, concretamente, sem qualquer dependência. A árvore é acessório, porque sua existência supõe a do solo, onde foi plantada.[20]

III – Dos bens públicos.

            O artigo 98 do Código Civil considera públicos os bens de domínio nacional pertencentes as pessoas jurídicas de direito público interno. Os bens públicos foram classificados em três categorias: a) bens de uso comum do povo, b) bens de uso especial, c) bens dominicais.[21]

5 – Considerações Finais

            As palavras apresentam no campo semântico significados diversos, eis o trabalho do operador do direito, enquadrá-las para melhor aplicação no caso concreto. Nesse sentido, podemos constatar que a palavra Coisa no Direito Civil, compreende tudo o que existe na natureza com exclusão da pessoa humana.

            Já o vocábulo Bem, significa a coisa que pode ser apropriada pela pessoa, que manifesta o desejo de tê-la em seu patrimônio. Aqui o bem importa para o direito, pois é objeto valorado na relação jurídica, ou seja, é possível que seja, objeto de litígio.

            O patrimônio é o conjunto de relações ativas e passivas de direitos e obrigações do titular, representado pelo acervo de seus bens, conversíveis em dinheiro. Por derradeiro, os bens apresentam o fenômeno da classificação, dado a abrangência e complexidade de categorizá-los, para proteção de um bem jurídico tutelado.

6 – Referências

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral do Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1 – parte geral. São Paulo, Saraiva, 2017.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v 1 : parte geral. São Paulo, Saraiva, 2016.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Vol. 1 – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2018.



[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Vol. 1 – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2018. p. 307.
[2] Ibid, p. 308.
[3] Ibid, p. 310.
[4] Ibid, p. 310.
[5] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral do Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2012. p. 132.
[6]  AZEVEDO, p. 132.
[7]  Ibid, p. 132.
[8]  Ibid, p. 132.
[9]  MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v 1 : parte geral. São Paulo, Saraiva, 2016. p. 202.
[10] Ibid, p. 202.
[11] Ibid, p. 203.
[12] MONTEIRO, p. 203.
[13] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 117.
[14] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1 – parte geral. São Paulo, Saraiva, 2017. p. 289.
[15] Ibid, p. 291.
[16] Ibid, p. 300.
[17] GONÇALVES, P. 302.
[18] Ibid, p. 304.
[19] Ibid, p. 306.
[20] Ibid, p. 308.
[21] Ibid, p. 316.

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