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sábado, 26 de fevereiro de 2022

Intervalo para descanso: apontamentos da doutrina.

Remetemos o leitor ao legado histórico do Direito do Trabalho. Estudar o Direito do Trabalho requer olhar para história, e identificar o resultado da evolução da legislação trabalhista de um povo em um determinado território, ora protegendo o trabalhador, ora suprimindo direitos conquistados.

A maioria dos institutos do Direito do Trabalho, decorreram de lutas de classes operárias, de acontecimentos que influenciaram o mundo, como foi com a Revolução Industrial, Revolução Francesa, ou seja, de fatos históricos, sociais, filosóficos, políticos e econômicos.

No Brasil, as Constituições da República, também foram instrumentos de consagração dos direitos trabalhistas. Hodiernamente citamos a Constituição de 1988 e os direitos sociais previstos no artigo 7º e incisos.

Propomos com breves palavras abordar o instituto do "intervalo", na jornada de trabalho, ou entre uma jornada e outra.

O descanso concedido ao empregado é benéfico para uma prestação do serviço com qualidade e eficiência. O intervalo é uma pausa na jornada de trabalho, que permite ao empregado atender suas necessidades pessoais, dentre as básicas: descanso e alimentação.

A lei trabalhista a tempo, disciplinou a depender da profissão que se exerça, e da quantidade de horas laboradas, um período para o intervalo, que podem ser de 15 minutos, 30 minutos, 1 hora, 1:30 hora ou até mesmo 2:00 horas. Mais adiante abordar-se-á cada caso.

Sérgio Pinto Martins (2021, p. 849), conceitua intervalo como, "período na jornada de trabalho, ou entre uma e outra, em que o empregado não presta serviço, seja para se alimentar ou para descansar".

Adotamos o conceito e o significado de "intervalo" empregado por Ricardo Resende (2020, p. 491), quando afirma: "Os chamados intervalos são pequenos lapsos de tempo que visam, precipuamente, à recuperação das energias do empregado, o que favorece a manutenção de sua higidez física e mental, evitando assim o acometimento por doenças ocupacionais e a ocorrência de acidentes de trabalho".

A fim de demonstrar a importância do intervalo na jornada de trabalho, explica Luciano Martinez (2021, p.245):

A divisão equilibrada da duração do trabalho e dos períodos de descanso possui, portanto, três justificativas básicas: a) a de natureza biológica, porque o descanso permite a recomposição física e mental do trabalhador, evitando, assim, o aparecimento de doenças ocupacionais; b) a de fundo social, porque promove convivência familiar, lazer, distração e entretenimento; c) a de caráter econômico, porque permite uma justa divisão do trabalho, propiciando a contratação de um número de trabalhadores em dimensão compatível com o tempo que o empregador pretende funcionar.

As justificativas trazidas por Martinez, compreendem o trabalhador na sua integralidade e dignidade, enquanto pessoa humana, que necessita não só de trabalhar para manter o sustento de sua família, mas também de se relacionar em sociedade, com o grupo social, propiciando além disso, lazer e qualidade de vida.

No tocante a terminologia adotada para os intervalos, a doutrina denomina de intervalo intrajornada e intervalo interjornada. O intrajornada acorre dentro da própria jornada de trabalho. Já o interjornada se dá entre uma jornada e outra, compreendendo um período maior.

Sergio Pinto Martins (2021, p. 850) destaca que, "se o empregado trabalhar menos de quatro horas diárias, não será obrigatória a concessão de nenhum intervalo. Prestando serviços o obreiro acima de quatro até seis horas, será obrigatório um intervalo de 15 minutos. Se a duração do trabalho for de mais de seis horas, será concedido um intervalo de, no mínimo, uma hora até duas horas".

O intervalo nas jornadas de trabalho, encontra regulamentação nos artigos 66 a 72 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O descanso interjornada, por sua vez, está insculpido no artigo 66 da CLT, com a seguinte redação: "Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso".

Importante destacar o parágrafo 4º, do artigo 71 da CLT, que reza "A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho".

Este dispositivo foi alterado com a Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, sendo que anteriormente a reforma, o empregador era condenado ao período cheio correspondente, e após a Reforma, somente ao período suprimido, e o pagamento tem natureza indenizatória, não há reflexos em outras parcelas pagas ao empregado.

Em consonância com o exposto é a decisão do TRT-2ª Região:

INTERVALO INTRAJORNADA. Quanto ao intervalo intrajornada, com razão o Reclamante. De fato, no dia 14/10/2018 houve a fruição de apenas 30 minutos do intervalo intrajornada. A partir de 11/11/2017, nos termos do art. 71, § 4º da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, a não concessão total ou parcial do intervalo implica o pagamento apenas do período suprimido, de natureza indenizatória e com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. Nesse período, com base nos cartões de ponto, arbitro que o intervalo era de apenas 30 minutos diários. Assim, cabível o pagamento de apenas 30 minutos de intervalo por dia de trabalho em que não houve fruição do intervalo intrajornada de 1h. Para a apuração, deve-se considerar: os cartões de ponto quando registrados, a evolução salarial da Reclamante, a base de cálculo conforme a Súmula nº 264 do TST e a OJ nº 415 do TST. Autorizo a dedução dos valores pagos a idêntico título. Procede, em parte o pedido. (TRT-2 10000090520205020602 SP, Relator: FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, 14ª Turma - Cadeira 1, Data de Publicação: 26/07/2021)

Os intervalos não são computados ou deduzidos da jornada de trabalho, mas como adverte Ricardo Resende (2020, p. 495), "Por exceção, e somente quando a lei assim dispuser expressamente, os intervalos serão computados na jornada de trabalho. É o que ocorre, por exemplo, no caso dos serviços de mecanografia e no caso do trabalho em minas de subsolo, respectivamente por força do disposto nos arts. 72 e 298 da CLT".

No âmbito de provas, é do empregado o ônus probatório de que não usufruía do intervalo intrajornada, conforme decisão do TRT-2ª Região:

INTERVALO INTRAJORNADA. O reclamante, motorista de caminhão, trabalhava externamente sem a anotação do intervalo intrajornada. Sendo assim, é seu o ônus de comprovar que era impedido de fruir de uma hora de intervalo intrajornada, do qual não se desincumbiu. Recurso a que se nega provimento. (TRT-2 10012749220165020372 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 28/08/2020)

Mormente, a legislação trabalhista dispõe ainda de outros intervalos de determinadas classes profissionais, que não foram objeto de estudo deste texto.

O objetivo foi abordar o instituto do intervalo na jornada de trabalho regido pela CLT, e suas peculiaridades doutrinárias e jurisprudenciais, sem deixar de destacar, que a principal função do intervalo é propiciar a saúde e qualidade de vida do empregado.

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINEZ, LUCIANO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO: RELAÇÕES INDIVIDUAIS, SINDICAIS E COLETIVAS DO TRABALHO - . São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555594775. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555594775/. Acesso em: 25 fev. 2022.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 25 fev. 2022.
 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Ressignificando o trabalho: revolução tecnológica e teletrabalho.

Reconhecida por muitos estudiosos, a revolução tecnológica global tem ressignificado o trabalho do homem na sociedade. Este novo modelo de trabalho tem sido aderido por muitas empresas, tendo em vista os benefícios que trazem para o trabalhador e para o empregador. Não se trata de flexibilização ou desregulamentação do trabalho, mas uma nova forma de exercer a atividade laboral, mediante instrumentos tecnológicos, como notebooks, tablet, smartphone, computadores em rede, conectados com os servidores da empresa, e tudo isso ao mesmo tempo, registrado e salvo na nuvem, um poderoso recurso da internet que facilita a vida das empresas, entidades, e organizações públicas e privadas.

Assim como na vida social do homem a tecnologia transformou o modo deste se relacionar, pelas redes sociais e aplicativos de conversas, o trabalho também pode ser transformado, daí se falar no teletrabalho. O teletrabalho não é o trabalho doméstico, nem o trabalho em domicílio, há diferenças. O teletrabalho é o trabalho à distância, proporcionando mais comodidade, qualidade de vida e tempo, geralmente executado no conforto do lar, ou na praça de alimentação do shopping, ou ainda no restaurante ou no café da livraria por exemplo.

A título de curiosidade o trabalho doméstico é aquele prestado na residência, regido pela Lei Complementar 150/2015. O trabalho em domicílio é aquele executado na residência, mas sem o emprego da tecnologia, como por exemplo o serviço de corte e costura.

O teletrabalho é uma realidade mundial. A doutrina de Sergio Pinto Martins cita como expressões utilizadas pelo mundo: telecomutters nos Estados Unidos, telelavoro em Italiano, teletrabajo em Español ou telependulaire, télétravail em Frânces.

No Brasil, a Lei 13.467/2017 conhecida com Reforma Trabalhista, se encarregou de definir o teletrabalho no artigo 75-B, à saber: "Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho".

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 120) escreve com propriedade:

A subordinação jurídica no teletrabalho é mais tênue e é efetivada por meio de câmeras, sistema de logon e logoff, computadores, relatórios, bem como ligações por celulares, rádios etc. Por isso houve evolução do entendimento contido na Súmula 428 do TST que passou a assegurar, no caso de ofensa à desconexão do trabalho e ao direito fundamental ao lazer, o pagamento de horas de sobreaviso. Trata-se de interpretação que se coaduna com a eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais (direito ao lazer e à desconexão).

O Código do Trabalho de Portugal, no seu dispositivo 165, 1 conceitua o teletrabalho como "1 - Considera-se teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação".

Com a pandemia, o teletrabalho foi uma alternativa para a manutenção de muitos contratos de trabalho. Destaca-se que a OIT por meio da Convenção 177, dispõe de políticas protetivas e igualitárias que devem ser observadas pelos seus Estados-Membros. Em que pese já haver lei dispondo desta modalidade de trabalho, é preciso alertar para as doenças de trabalho que podem surgir, e destacar também pelo bem estar do trabalhador, afim de evitar a sobrecarga na jornada.

Neste sentido, Bezerra Leite citando Marcelo Moura (2021, p. 122): "Equilibrar a necessidade de controle da atividade, com a preservação da vida íntima do empregado, considerando-se a particularidade do trabalho realizado em seu domicílio, é um dos desafios do mundo moderno".

Na jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho, no Brasil, o teletrabalho tem sido tema dos seguintes julgados:

DESPESAS COM TELETRABALHO. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa ré, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. Em regra, nos termos do art. 2º da CLT, os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador, uma vez que é de responsabilidade exclusiva da empresa os prejuízos do empreendimento, consoante preceitua o princípio da alteridade. Todavia, há permissivo no art. 75-D da CLT para que as partes pactuem livremente, em contrato individual escrito, a responsabilidade pelas despesas com aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto. (TRT-2 10005555620215020204 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 10/12/2021).

 

TELETRABALHO. ATIVIDADE INCOMPATÍVEL COM FIXAÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO. Incontroverso que a reclamante exercia atividade em teletrabalho, possuindo autonomia e liberdade para gerir seus horários de trabalho, não sendo possível que a reclamada fixe horários ou os controle, configurado óbice ao deferimento de horas extras nos moldes postulados pela autora em sede recursal. Inteligência do art. 75-B e Parágrafo único, da CLT, acrescidos pela Lei 13.467/2017. (TRT-4 - ROT: 00207472720185040026, Data de Julgamento: 24/08/2020, 10ª Turma).

Sergio Pinto Martins (2021, p. 244) ao citar Pinho Pedreira, quando este se refere a três grupos de teletrabalho. Na visão de Pedreira, há o trabalho em telecentros, locais das próprias empresas, porém situados fora da sede central. Teletrabalho em domicílio, prestado na residência do trabalhador, e o teletrabalho nômade, realizado por pessoas que não têm lugar fixo para a prestação do serviço.

Na observação de Luciano Martinez (2020, p. 253), "o teletrabalho, como qualquer modalidade de serviço em domicílio, é um fenômeno de isolamento do obreiro". De acordo com o jurista, "Ocorre aquilo que o professor espanhol Sanguineti Raymond chama de “importación virtual” del trabajo al precio del Estado menos protector, estimulando o fenômeno do dumping social".

O legislador assume papel fundamental na positivação das normas, pela qual não se pode deixar de observar os princípios basilares do direito do trabalho, a fim de promover uma igualdade de direitos entre empregado e empregador.

É fato incontroverso que a revolução tecnológica transformou o ambiente de trabalho, e o desafio do Operador do Direito, é interpretar e aplicar as normas de direito do trabalho diante destas mudanças ocorridas, marcada por uma sociedade em constante evolução e adaptação.

A Justiça do Trabalho também atua com vigilância, e busca garantir os direitos sociais do trabalhador diante das inovações tecnológicas, não deixando o trabalhador órfão, assegurando ao jurisdicionado o poder protetivo do Estado-Juiz. 

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 12 fev. 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618408. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553618408/. Acesso em: 12 fev. 2022.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

A dispensa coletiva pelo empregador: o que prevê a legislação Brasileira?

Recentemente os jornais noticiaram uma empresa dos EUA, demitindo 900 funcionários por chamada de vídeo. E se fosse no Brasil, quais as consequências jurídicas? Primeiro precisamos ter em mente que, a dispensa coletiva de empregados é um fato global, admitido em todas as regiões do mundo, inclusive sendo regulada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O dicionário Aurélio da Língua Portuguesa defini dispensa, no sentido jurídico do termo como: "Anulação de um acordo ou contrato de trabalho feita pelo contratante; despedimento, demissão: dispensa por justa causa". Está correta a definição, pois o objetivo é por fim a uma relação jurídica de direito do trabalho, desfazer um pacto, pela qual foi celebrado para uma prestação de serviço, e em contrapartida o beneficiário do trabalho, lhe paga uma remuneração. Com a dispensa do empregado, não há mais a obrigação do pagamento do salário, por exemplo. O mesmo pode acontecer com um número expressivo de trabalhadores, por isso o termo "dispensa coletiva".

Pedimos licença ao leitor, para se fazer uma crítica de modo geral, que o Brasil está atrasado em relação a legislação trabalhista. Já é tempo de se ter um Código do Trabalho e um Código do Processo do Trabalho, regulando os vários institutos desta matéria, para que se tenha uma solidificação da justiça laboral, a exemplo de Portugal.

Como dito alhures, a OIT por meio da Convenção 158, regulou a demissão sem causa. Embora a OIT seja um órgão de proteção e fiscalização das normas do direito do trabalho, alguns países não observam suas diretrizes, a exemplo do Brasil, que não recepcionou a Convenção 158. Isso quer dizer que no Brasil não há uma norma que discipline, ou regule, a demissão em massa. Neste sentido escreve entre nós Sergio Pinto Martins (2021, p. 607), "A legislação brasileira não trata de despedida coletiva, nem estabelece conceito no sentido do que é despedida coletiva. Não há proibição em lei da dispensa coletiva ou de que a empresa tenha de tomar certas providências para assim fazer".

Muito pelo contrário, não sendo novidade, a Lei 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, instituiu no seu dispositivo 477-A a seguinte redação:

As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.

Em relação ao tema já escreve Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 320), "A nosso sentir, andou mal o legislador, pois se advogamos a incompatibilidade das dispensas imotivadas individuais, com muito mais razão defenderemos as dispensas imotivadas plúrimas ou coletivas".

Há uma posição doutrinária dominante que, o artigo 477-A inserido na CLT pela Reforma Trabalhista, é inconstitucional, violando dispositivos constitucionais, no âmbito dos direitos sociais, e legitimando o retrocesso social. Não nos causa espanto, que o dispositivo em comento padece de inconstitucionalidade, pois vive a República Brasileira de uma delicada fase de adequação e controle de constitucionalidade das regras impostas pela Reforma Trabalhista. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, tem se revelado e assumido seu papel no Estado de Direito, como profícuo guardião dos direitos sociais, ao afastar o poder arbitrário do legislador ordinário quando infringe direitos trabalhistas.   

Ao compreender o instituto da dispensa coletiva de empregados, Luciano Martinez (2020, p. 743) cita o consagrado jurista Orlando Gomes quando em 1974 já dizia:


Na dispensa coletiva é única e exclusiva a causa determinante. O empregador, compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa. A finalidade do empregador ao cometer a dispensa coletiva não é abrir vagas ou diminuir, por certo tempo, o número dos empregados. Seu desígnio é, ao contrário, reduzir definitivamente o quadro de pessoal. Os empregados dispensados não são substituídos, ou porque se tornaram desnecessários ou porque não tem a empresa condição de conservá-los.

Nas palavras de Orlando Gomes, digerimos melhor o instituto da dispensa coletiva, pois estar-se-á diante da realidade vivenciada pela empresa, que mediante as circunstâncias se vê obrigada a tomar a drástica medida.

O Código do Trabalho de Portugal, ao versar sobre despedimento colectivo, enumera três motivos a saber: motivos de mercado, estruturais e tecnológico. É o que se depreende do artigo 359, 1 e 2, in verbis:

1 - Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:

a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;

b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;

c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

Acrescentamos ainda, que a legislação trabalhista Portuguesa se apresenta muito mais eficiente em relação a dispensa coletiva, pois o Código do Trabalho dispõe de regras para informações e negociações do despedimento, além de intervenção do ministério laboral.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho no Brasil, considerou ser requisito para a validade da dispensa coletiva, prévia negociação com o sindicato profissional, condenando os empregadores em dano moral coletivo, prevalecendo os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho humano:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DA RECLAMADA. DANOS MORAIS COLETIVOS. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEMISSÃO EM MASSA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. Esclarece-se, inicialmente, que a hipótese se amolda ao caso de demissão coletiva, cujo conceito está ligado à dispensa por fato objetivo alheio à pessoa do empregado e que é irrelevante, para fins de conformação da hipótese à essa acepção se houve continuidade ou não da atividade empresarial. Esclarecido este ponto, a controvérsia se cinge à possibilidade de dispensa coletiva de trabalhadores sem existência de negociação sindical. Para resolver a questão, é preciso ter em mente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho humano. Não se pode olvidar, ainda, que a despedida coletiva deve ser apreciada à luz do artigo 170, inciso III, da Constituição Federal, que consagra a função social da propriedade. Esses princípios nortearam a jurisprudência da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, que, nos ED-RODC - 30900-12.2009.5.15.0000, da relatoria do Exmo. Ministro Mauricio Godinho Delgado, fixou "a premissa, para casos futuros, de que ' a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores' , observados os fundamentos supra". O referido Órgão julgador, em decisões posteriores, firmou o entendimento de que a prévia negociação com o sindicato profissional constitui requisito para a validade da dispensa coletiva, ou seja, despedidas procedidas unilateralmente pelo empregador não possuíam eficácia. Desse modo, a SDC confirmou decisões proferidas em dissídios coletivos instaurados pelos sindicatos profissionais, que exigiam a estipulação de normas e condições para as demissões coletivas, negando provimento aos recursos ordinários interpostos pelos suscitados (empregadores). Acrescenta-se que esta Corte, em acórdãos proferidos em ação civil pública, adotou a tese de que a despedida em massa de trabalhadores, sem negociação prévia com o sindicato dos empregados, acarreta dano moral coletivo a ser indenizado pelo empregador. Nesse contexto, é irregular a despedida em massa de trabalhadores sem negociação prévia com o sindicato profissional e a ausência desse requisito acarreta a responsabilidade civil do empregador e o pagamento de indenização compensatória. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 2013220135240005, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 24/02/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: 26/02/2021)

Ainda que a dispensa coletiva de empregados, não tenha um certo regramento na legislação trabalhista Brasileira, o Poder Judiciário, justiça especializada, exercendo suas competências previstas na Constituição Federal de 1988, tem cuidado do assunto com total imparcialidade e coerência com as normas do direito do trabalho.

A prática arbitrária, imotivada, da dispensa coletiva de empregados, sem um planejamento ou readequação dos colaboradores no mercado de trabalho, ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, da função social do trabalho, atingindo diretamente a subsistência familiar. A lei, no entanto, se revela como importante aliada para prevenção dos efeitos deste evento inesperado.


Referências bibliográficas:

Martins, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 04 fev. 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618408. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553618408/. Acesso em: 04 fev. 2022.


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