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sábado, 19 de março de 2022

Lineamentos históricos do Direito do Trabalho - parte I.

A história do Direito do Trabalho, sob o viés da ciência jurídica, se apresenta como resultado de uma longa evolução do trabalho do homem na sociedade. O Direito do Trabalho passa por um constante aperfeiçoamento de suas relações, seus institutos, saindo da escravidão, até chegar na revolução tecnológica, esta responsável por resignificar o trabalho do homem, através de aplicativos e ferramentas digitais.

Tem sido um constante desafio para o Direito do Trabalho, principalmente para a legislação trabalhista, preservar os institutos e suas funções, diante dos interesses econômicos que predominam nas relações entre empregado e empregador.

O estudioso do Direito, e a cada vez que nos referimos a Direito, leia-se como ciência jurídica, tem a academia como espaço para pesquisar, pensar e compreender as normas trabalhistas como instrumentos para alcançar a justiça social laboral. 

O Direito do Trabalho parte da premissa de que, serve como ferramenta para equilibrar a relação entre empregado e empregador. Esta relação que por sua vez é complexa, impositiva, e se resume a uma troca de esforços do trabalho humano, seja ele físico ou intelectual, por uma remuneração pecuniária, se revela como um dos fatores que contribuem para a formação da sociedade, e a manutenção e sobrevivência das pessoas. O trabalho humano impulsiona a sociedade, é do trabalho que o homem alcança sua subsistência, suas riquezas. A sociedade não existe sem o trabalho, o trabalho é uma ação natural do homem. Mas, nem sempre foi assim.

Nas palavras de Neto e Cavalcante (2018, p. 02), "O trabalho, na Antiguidade (período que se estendeu desde a invenção da escrita – 4000 a. C. a 3500 a. C. – à queda do Império Romano do Ocidente – 476 d. C.) e início da Idade Média (século V), representava punição, submissão, em que os trabalhadores eram os povos vencidos nas batalhas, os quais eram escravizados. O trabalho não era dignificante para o homem. A escravidão era tida como coisa justa e necessária. Para ser culto, era necessário ser rico e ocioso".

O trabalho por sua vez, passou a ser estudado por diversas áreas do conhecimento, principalmente pela Filosofia e pela Sociologia.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 18) ensina que, "No período histórico propriamente dito é que surge o direito do trabalho. Três foram as principais causas: econômica (revolução industrial), política (transformação do Estado Liberal – Revolução Francesa – em Estado Social – intervenção estatal na autonomia dos sujeitos da relação de emprego) e jurídica (justa reivindicação dos trabalhadores no sentido de se implantar um sistema de direito destinado à proteção, como o direito de união, do qual resultou o sindicalismo, o direito de contratação individual e coletiva). Somando-se a essas causas, contribuíram decisivamente para o sur­gimento do direito do trabalho a ideia da justiça social preconizada, principalmente, pela Igreja Católica, através das Encíclicas Rerum Novarum e Laborem Exercens, e o marxismo, preconizando a união do proletariado e a ascensão dos trabalhadores, pela luta de classes, ao poder político".

Nesta propagação do Direito do Trabalho, Luciano Martinez (2021, p. 32) identifica, que o Direito do Trabalho passou por 4 fases, denominadas de formação, efervescência, consolidação e aperfeiçoamento, a saber:

A 1ª fase, entendida como de FORMAÇÃO, estende-se do início do século XIX, com a publicação das primeiras normas trabalhistas, em 1802, até o instante de efervescência, coincidente com a publicação do Manifesto Comunista, em 1848.

A 2ª fase, compreendida como de EFERVESCÊNCIA, estende-se da publicação do Manifesto Comunista, em 1848, até a edição da Encíclica Rerum Novarum, em 1891. Nessa fase o desenvolvimento do espírito sindical muito cooperou para que os trabalhadores se colocassem em posição de pleito quanto às vantagens decorrentes da prestação de seus ser- viços, notadamente no que dizia respeito ao direito de coligação, à limitação de jornada, à contraprestação mínima e às inspeções de oficina. No contexto de muitas greves, foram criadas novas organizações operárias.

A 3ª fase, intitulada CONSOLIDAÇÃO, estende-se da edição da Encíclica Rerum Novarum, em 1891, até a celebração do tratado de Versailles, em 1919.

A 4ª fase, denominada APERFEIÇOAMENTO, teve início com a celebração do tratado de Versailles e chegou ao máximo com o boom do constitucionalismo social.

A fim de justificar a importância de pesquisar o Direito do Trabalho na história, Sergio Pinto Martins (2021, p. 43) defende que, "Ao analisar o que pode acontecer no futuro, é preciso estudar e compreender o passado, estudando o que ocorreu no curso do tempo. Heráclito já dizia: "O homem que volta a banhar-se no mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio nem o homem é o mesmo homem". Isso ocorre porque o tempo passa e as coisas não são exatamente iguais aos que eram, mas precisam ser estudadas para se compreender o futuro".

Na visão de Ricardo Resende (2020, p. 01):

O desenvolvimento do Direito do Trabalho se deu a partir do século XIX, principalmente em decorrência dos movimentos operários, desencadeados visando à melhoria das condições de trabalho, limitação da jornada de trabalho, proteção ao trabalho da mulher e das crianças, entre outras reivindicações. Assim, somados a pressão do movimento operário, os movimentos internacionais em defesa dos direitos humanos e a atuação da Igreja, encontrou-se campo fértil para a intervenção do Estado na relação contratual privada, a fim de proteger a parte mais fraca da relação de emprego (trabalhador hipossuficiente). Este movimento normativo-regulador, consolidado na primeira metade do século XX, coincide historicamente com o reconhecimento dos direitos humanos de segunda dimensão (direitos sociais) e com o Estado de Bem-Estar Social (welfare state), noções estas emprestadas do Direito Constitucional. 

Destarte, neste primeiro momento de investigação das origens do Direito do Trabalho, identificamos que a sociedade organizada e os objetivos fundamentais do Estado de Direito, foram responsáveis pelas conquistas de direitos trabalhistas expressas nas Constituições de cada Estado.

Fatos globais e históricos de lutas, principalmente de classes operárias, resultaram na consagração de direitos trabalhistas, como redução de jornada de trabalho, trabalho de menores e de mulheres, reinvindicação de melhores condições de trabalho, fortaleceu os institutos do Direito do Trabalho, que aos poucos abandonou-se a ideia de punição, de escravidão, predominando o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana também nas relações de trabalho e emprego.

Mormente, muitas das instituições jurídicas hoje, se deve a história pelo registro dos resultados experimentados pela sociedade, servindo de base para os dias atuais. Não diferente de outros ramos do Direito, o Direito do Trabalho vai se adequando e se amoldando as novas tendências contemporâneas vivenciadas pelos trabalhadores pertencentes ao Estado de Direito.


Referências bibliográficas:

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 18 mar. 2022.

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 18 mar. 2022.        

MARTINEZ, LUCIANO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO: RELAÇÕES INDIVIDUAIS, SINDICAIS E COLETIVAS DO TRABALHO - . Editora Saraiva, 2021. 9786555594775. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555594775/. Acesso em: 18 mar. 2022.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 19 mar. 2022.

domingo, 13 de março de 2022

Relação de trabalho e relação de emprego: uma distinção doutrinária.

Antes de partirmos para o tema central anunciado, precisamos ter em mente que a doutrina jurídica é aquela responsável por orientar a comunidade jurídica, a aplicação dos institutos do Direito, sondar a finalidade e aplicação das leis, debater as necessidades da sociedade incumbidas pelo Poder Judiciário a se dar uma resposta, no caso de se fazer a justiça social.

O dogmatismo jurídico, por sua vez, assume importante função na comunidade jurídica, nos Tribunais de Justiça. Estamos nos referindo as verdades inquestionáveis no campo jurídico, que se manifestam na Constituição Federal ou nas legislações ordinárias. É preciso destacar que para as instituições do Estado de Direito funcionarem, antes de tudo, é preciso acreditá-las. Neste sentido caminha os dogmas, os institutos de direito.

Isto também se aplica na Justiça do Trabalho. A justiça especializada, parte de determinados conceitos, premissas, que dão sentido a aplicação e interpretação das normas que regem, disciplinam as relações de trabalho e as relações de emprego.

A doutrina defende que há distinção nestas relações. A diferenciação de relação de trabalho e relação de emprego tem haver na prática com a atuação, com as características e regras específicas de cada qual. Neste sentido é dizer que trabalho é gênero e emprego é espécie. Na prática a relação de trabalho é aquela que ocorre com o profissional autônomo, com o médico, com o engenheiro, advogado, arquiteto, dentre outras profissões.

Já a relação de emprego é aquela que se passa entre empregado e empregador. Há uma subordinação, e determinados requisitos que caracterizam a relação jurídica. É correto dizer que toda relação de emprego é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego. Porque os sujeitos da relação de trabalho (profissionais autônomos) não são os mesmo sujeitos da relação de emprego (empregados subordinados). Mas, ambas relações são de competência da justiça do trabalho, havendo regras específicas para cada qual.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 90) contribui:

A expressão “relação de emprego” foi adotada no Brasil por Hirosê Pimpão, no sentido de ser aquela que resulta de um contrato, distinguindo-a da simples relação de trabalho, que não resulta de contrato. Délio Maranhão, dissentindo do referido autor, propõe a seguinte distinção ­terminológica: relação jurídica de trabalho é a que resulta de um contrato de trabalho, denominando-se de relação de emprego quando se trata de um contrato de trabalho subordinado. Quando não haja contrato, teremos uma simples relação de trabalho (de fato). Partindo dessa distinção, aceitamos a afirmação de Hirosê Pimpão, de que sem contrato de trabalho – entenda-se stricto sensu – não há relação de emprego. Pode haver...relação de trabalho.

A relação de trabalho é mais simples na prática. As partes contraem menos direitos e obrigações, que na relação de emprego. A relação de emprego por sua vez para que seja caracterizada, precisa do que a lei chama de pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. Há um contrato individual de trabalho com mais especificidades, de acordo com a função contratada.

Ricardo Resende (2020, p. 73) é categórico quando escreve:

Segundo Maurício Godinho Delgado, relação de trabalho é “toda relação jurídica caracterizada por ter sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano.” Assim, a relação de trabalho corresponde a toda e qualquer forma de contratação da energia de trabalho humano que seja admissível frente ao sistema jurídico vigente. É importante ressaltar que forma de contratação admissível, entre os particulares (em contraposição à Administração Pública), é tanto a expressamente prevista quanto aquela não vedada em lei.

Segundo Neto e Cavalcante (2018, p. 229), "Nas lições de Cláudio Mascarenhas Brandão, a relação de trabalho é o “vínculo que se estabelece entre a pessoa que executa o labor – o trabalhador propriamente dito, o ser humano que empresta a sua energia para o desenvolvimento de uma atividade – e a pessoa jurídica ou física que é beneficiária desse trabalho, ou seja, aufere o trabalho proveniente da utilização da energia humana por parte daquele”.

Mormente, na relação de trabalho, há uma variação na prestação do serviço, podendo o trabalhador prestar serviço para mais de uma pessoa ao mesmo tempo, enquanto que na relação de emprego exige-se uma certa exclusividade. 

Neto e Cavalcante levantam uma problemática encontrada na relação de trabalho. Ou seja, se o trabalho prestado pelo profissional autônomo caracteriza relação de trabalho ou relação de consumo? Qual justiça competente para julgar essas relações jurídicas? A justiça do trabalho ou a justiça comum?

Segundo Neto e Cavalcante (2018, p. 237) a doutrina se manifesta em três posições:

1. a primeira corrente nega a competência da Justiça do Trabalho sob o fundamento de que o prestador de serviço, na execução das suas tarefas, insere-se em uma relação de consumo, onde o tomador dos serviços é o usuário final;

2. em uma posição diametralmente oposta à primeira, há os que defendem a competência da Justiça do Trabalho, sustentando que as relações de consumo, onde o prestador de serviços é pessoa natural, inserem-se na definição de relação de trabalho;

3.  e, por fim, a última, em que se analisa a temática, partindo-se do pressuposto de que há dois ângulos a serem analisados: 1) o primeiro envolve o consumidor (destinatário do serviço), em que se aplica o CDC e cuja competência é da Justiça do Trabalho; 2) o segundo se relaciona com a pessoa natural prestadora (fornecedora) do serviço, cuja pendência há de ser resolvida pela Justiça do Trabalho, aplicando-se a legislação civil.

Nosso entendimento é de que, a prestação de serviço pelo profissional autônomo, ainda que venha se configurar uma relação de consumo, não deixa de ser uma relação de trabalho, sendo competência da Justiça do Trabalho julgar os conflitos havidos.

Mas, é preciso alertar que ao mesmo tempo que se tem uma relação de trabalho, também pode haver uma relação de consumo, sendo da competência da justiça comum cível, tudo dependerá da triangulação da relação jurídica, da matéria e dos sujeitos envolvidos.

Destarte, o presente texto teve o propósito de provocar o pensamento doutrinário acerca das expressões "relação de trabalho e relação de emprego", que no dia-a-dia, podem passar despercebidos, mas para a correta aplicação da lei e da justiça, necessariamente precisam ser diferenciados.


Referências bibliográficas: 

LEITE, Carlos Henrique B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 13 mar. 2022.

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 13 mar. 2022.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530989552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989552/. Acesso em: 13 mar. 2022.

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