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sábado, 9 de setembro de 2023

Pejotização: uma visão a partir da autonomia da vontade e do entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Aos colegas do De Marck Advogados

Não é de hoje que a discussão acalorada do Estado interferir nos negócios privados, se dê mediante a justificativa de que o Estado, detém poder para julgar matéria de ordem pública. No ordenamento jurídico discutimos normas de ordem pública e privada a toda hora. A Constituição Federal de 1988 no seu artigo 5º, inciso II dispõe que: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Esse não é um problema recente. Notadamente, há diversas discussões que chegam nos Tribunais Superiores exigindo uma resolução na lide em conflito. Estamos diante da limitação do poder Estatal sobre o interesse individual da pessoa. É com base nessas premissas, que enfrentamos o tema da pejotização no Direito do Trabalho, e a recente interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.

Para abordamos o tema da pejotização, precisamos fazer uma ponderação de princípios jurídicos, além das normas legais, e destaca-se: de ordem privada. Uma vez que o contrato de trabalho é um contrato de direito privado, que faz negócio entre as partes na relação empregatícia. Deste modo, discorremos o princípio da autonomia da vontade diante da pejotização.

Ricardo Resende (2023, p. 262) conceitua a pejotização como sendo: "A contratação de trabalhadores mediante a constituição de pessoa jurídica é normalmente denominada pejotização, em referência à abreviatura PJ".

Deste modo, estamos de acordo que a pejotização no Direito do Trabalho, ocorre quando um trabalhador autônomo, mediante pessoa jurídica, prestar serviço à empresa contratante. A relação jurídica se dá entre pessoas jurídicas, respeitando o princípio da autonomia da vontade.

Antes de adentrarmos no princípio da autonomia da vontade, precisamos consignar que no Direito do Trabalho brasileiro, há uma diferenciação a ser feita na relação de trabalho e a relação de emprego. Isto porque a relação de trabalho possui uma natureza distinta da relação de emprego. A principal diferenciação a ser feita é que a relação de emprego exige os requisitos descritos no artigo 3º da CLT: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

Por aí, já teríamos fundamentação legal para dizer que a pejotização é totalmente lícita, e possível na relação de trabalho, já que ocorre entre pessoas jurídicas.

Mas, precisamos ainda destacar sobre o princípio da autonomia da vontade. Sílvio de Salvo Venosa (2023, p. 34) escreve que:

Essa liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos. Pelo prisma da liberdade propriamente dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato, ou pelo prisma da escolha da modalidade do contrato. A liberdade contratual permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos).

Anotamos que a autonomia da vontade, confere as partes a possibilidade de firmarem contratos entre si, típicos ou atípicos, diante da liberdade contratual. E ao nosso ver, o Estado não pode se opor quando a isso, exceto se o objeto do contrato for ilícito.

Leciona Flávio Tartuce (2023, p. 59): 

Inicialmente, percebe-se no mundo negocial plena liberdade para a celebração dos pactos e avenças com determinadas pessoas e em certos momentos, sendo o direito à contratação inerente à própria concepção da pessoa humana, um direito existencial da personalidade advindo do princípio da liberdade. Essa é a liberdade de contratar.

Logo, se o ordenamento jurídico assegura a liberdade de contratar, sendo um direito existencial da personalidade, não pode o Estado interferir nesta liberdade, devendo unicamente respeitar a opção da pessoa humana diante do pacto firmado. Daí dissemos que, havendo uma contratação de pessoa jurídica para o exercício de uma prestação de serviço na relação de trabalho em atividade fim, não há óbice para sua manutenção.

O Supremo Tribunal Federal, entendeu ser lícita a terceirização por pejotização na atividade fim prestado por profissional liberal: 

CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por “pejotização”, não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento. (STF - Rcl: 47843 BA 0055865-84.2021.1.00.0000, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 08/02/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 07/04/2022).

A grande discussão impera, todavia, como bem destacou o Tribunal Superior do Trabalho, se há fraude na origem do contrato celebrado. Ou seja, não se reconhece a pejotização, quando já existente uma relação de emprego e em seguida, opta-se pela pejotização no mesmo contrato de trabalho:

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - REGÊNCIA PELA LEI Nº 13.467/2017 - RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. FRAUDE. PEJOTIZAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA (SÚMULA 126 DO TST) . O Tribunal Regional, no exame da prova produzida (oral e documental), concluiu que restou amplamente comprovada não só a prestação de serviços permanentes e sem solução de continuidade do autor à demandada em caráter habitual, oneroso e subordinado como, também, a prática da requerida de exigir de seus empregados a constituição de empresas (pejotização) para viabilizar o exercício da atividade remunerada e subordinada. Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal tem considerado lícita a terceirização por pejotização, conforme julgamento das Reclamações 39.351 e 47.843. Todavia, importante destacar que o Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento da Reclamação (Rcl) 56499, enfatiza que a licitude da terceirização (pejotização) depende da ausência de fraude, ao destacar que " são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação .". No caso em exame, o Tribunal Regional constatou a existência de fraude na contratação de pessoa jurídica (pejotização). Não resolveu a controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício com fundamento em prestação de serviços na atividade-fim da reclamada. Assim, não merece reparos a decisão monocrática por meio da qual foi negado seguimento ao agravo de instrumento. Agravo a que se nega provimento. (TST - Ag-AIRR: 00206348320165040013, Relator: Sergio Pinto Martins, Data de Julgamento: 19/04/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 22/05/2023).

De fato, incumbe ao Poder Judiciário intervir na relação contratual trabalhista quando, constatado a fraude naquele contrato de trabalho, que mediante o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, terá o poder de dizer se estão presentes os requisitos do vínculo empregatício ou prestação de serviço por pessoa jurídica.

Mas, conforme dito alhures, a autonomia da vontade na relação de trabalho é o que deve ser respeitada. Se a pessoa opta por prestar serviço mediante pessoa jurídica, sua manifestação da vontade faz lei entre as partes.

Assim, identificamos dois cenários possíveis na relação de trabalho mediante a pejotização. Aquela que é totalmente lícita, em que se respeita a autonomia da vontade em contratar, e prestar o serviço entre pessoas jurídicas. E aquela relação que antes da relação de trabalho, já existia a relação de emprego, configurando a fraude nos termos da lei, como vimos na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.    

Mormente, é preciso conhecer a realidade de cada caso, de cada demanda jurídica. Logo, não concordamos com a tese de que a pejotização é fator de precarização de direitos trabalhistas, tendo em vista que foi o trabalhador que optou por trabalhar mediante esta possibilidade totalmente lícita. Não nos esquecemos, como dito inicialmente, que estamos no terreno do direito privado, que via de regra, o Estado não detém o poder de intervir.

Referências bibliográficas:

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. v.3. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. v.3. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. 

sábado, 2 de setembro de 2023

A configuração da dispensa discriminatória pelo empregador.

O Direito do Trabalho como ciência jurídica, tem no seu núcleo pacificar a relação entre empregado e empregador. Não deixamos de observar que este ramo do direito, possui um caráter protetivo ou tuitivo como se refere a doutrina, uma vez que sob o ponto de vista da lei, o empregado é a parte hipossuficiente do contrato de trabalho. Daí dissemos que tanto a Constituição Federal, como as demais legislações ordinárias e, inclusive a Organização Internacional do Trabalho, discorrem sobre a dispensa discriminatória pelo empregador.

Encontramos, todavia, os termos dispensa discriminatória, dispensa arbitrária, dispensa ilegal. Esta modalidade de dispensa, ao nosso ver, atinge o princípio central do Estado de Direito que é o princípio da dignidade da pessoa humana, o que constitui o fato gerador do dever de indenizar.

No entanto, a doutrina jurídica e a legislação, auxiliam o operador do direito a identificar e tratar da ocorrência da dispensa discriminatória pelo empregador. Contamos com o auxílio da jurisprudência também no presente estudo.

No Brasil, a Lei 9.029 de 13 de Abril de 1995, no seu artigo 1º, disciplinou que: "É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal".

Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2023, p. 326) entende que: "a dispensa discriminatória é aquela decorrente de características ou aspectos pessoais do empregado, como, por exemplo, idade, sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, crença religiosa ou estado de gravidez".

O Tribunal Superior do Trabalho ao interpretar o assunto, emitiu a Súmula 443: "Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou  preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego".

Deste modo, ficou à cargo dos Tribunais, interpretar o que se entende por doença grave que suscite estigma ou preconceito. O E. TRT-12 Região não reconheceu a dispensa discriminatória em empregada portadora de depressão: 

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPREGADA PORTADORA DE DEPRESSÃO. Não é presumida discriminatória a rescisão contratual de empregada portadora de doença que não é considerada grave que suscite estigma ou preconceito, nos moldes da Súmula n. 443 do TST. (TRT-12 - ROT: 00006403720225120013, Relator: ROBERTO LUIZ GUGLIELMETTO, 1ª Câmara).

Já o mesmo Tribunal, em Câmara julgadora diversa, entendeu que apesar de ser um direito potestativo do empregador, no momento da dispensa quando o empregador tinha conhecimento da doença do empregado, ainda que não guardasse doença ocupacional, não poderia colocar o empregado as margens do desemprego:

DANOS MORAIS. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DOENÇA NO MOMENTO DA DISPENSA. DIREITO POTESTATIVO. LIMITES. Em regra, assiste ao empregador o direito potestativo de resilir o contrato de trabalho sem justo motivo, isto é, sem necessidade de motivar o seu ato. Os atos manifestos de abuso de direito, contudo, são freios a esse poder potestativo do empregador, que devem ser combatidos com veemência pelo Judiciário. Estando o trabalhador doente no momento da dispensa, e sendo do conhecimento do empregador a doença, a resilição contratual levada a efeito constitui ato discriminatório e arbitrário, malferindo a sua dignidade e honra, à luz do artigo 5o., X, da Carta Magna, na medida em que relegou o trabalhador, enfermo, às agruras do desemprego, disso decorrendo os danos morais, que são, neste caso, in re ipsa. (TRT12 - ROT - 0000505-08.2017.5.12.0043 , MARIA BEATRIZ VIEIRA DA SILVA GUBERT , 3ª Câmara , Data de Assinatura: 07/09/2022) (TRT-12 00005050820175120043, Relator: MARIA BEATRIZ VIEIRA DA SILVA GUBERT, Gab. Des. Amarildo Carlos de Lima, Data de Publicação: 07/09/2022).

Como visto, a configuração da dispensa discriminatória muitas vezes fica ao encargo do entendimento subjetivo do magistrado, diante dos fatos e provas nos autos. Aliás, por se tratar de fato constitutivo do direito do autor, a ele incumbe o ônus da prova, nos termos do artigo 818, I da CLT e 373, I do CPC. 

Neste sentido a jurisprudência: 

DANO MORAL. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ÔNUS DA PROVA. A prática discriminatória representa um fato constitutivo do direito à compensação do dano moral dela decorrente, e deve o autor produzir prova suficiente para a demonstração da conduta narrada na petição inicial, por aplicação das disposições materiais contidas nos arts. 186 e 927 do CC e processuais dos arts. 818, I, da CLT e 373, I, do CPC. (TRT-12 - ROT: 00000591420225120048, Relator: MARI ELEDA MIGLIORINI, 5ª Câmara, Data de Publicação: 14/11/2022).

Questão delicada ocorre quando no contrato de trabalho, o empregado passe a apresentar constantes atestados de saúde, deixando de exercer suas atividades laborais repercutindo negativamente na produção da empresa. Nunca é demais lembrar que as partes podem empregar o bom senso no contrato de trabalho. Notadamente, a empresa precisa do empregado e o empregado precisa da empresa.

Mormente, como o contrato de trabalho é regido pela boa-fé dos contratantes, havendo realmente doença acometida pelo empregado, a empresa deve avaliar seu quadro clínico e decidir sobre a manutenção no posto de trabalho. O empregado também precisa avaliar a situação do empregador. As partes podem entrar em um senso comum, seja pelo tratamento médico do empregado, ou pelo afastamento definitivo de suas funções.

Em se tratando de doença ocupacional, aquela relacionada as atividades da empresa, não há dúvidas que o empregador tenha que adotar a melhor política para resguardar a vida do obreiro.

Anotamos que o tema em tela pode contar com a ajuda do governo, por meio de leis que incentivam a política de proteção ao emprego. Seja através do seguro desemprego, ou de outros programas previdenciários, a solidariedade pode ser uma alternativa para minimizar os impactos e consequências de uma rescisão no contrato de trabalho.

Neste diapasão, podemos afirmar que a dispensa discriminatória ocorre quando configurado as hipóteses descritas na Lei 9.029 de 13 de Abril de 1995, no seu artigo 1º, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade. Uma vez levado ao Poder Judiciário, deve o magistrado analisar cada caso concreto, favorecendo para a criação de uma alternativa quando do rompimento do contrato de trabalho.  

Referência bibliográfica:

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book.

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