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domingo, 25 de abril de 2021

A renúncia aos direitos de personalidade em reality show, e as decisões judiciais no Brasil.

Emiliano Cruz da Silva, é Especialista em Direito Civil, Advogado no escritório Sventnickas Advocacia, em Criciúma-SC. e-mail: emiliano53338@oab-sc.org.br


Reality Show, de acordo com  o site da Wikipédia (clique aqui),  é um gênero de programa de televisão baseado na vida real. Podemos então falar de reality show sempre que os acontecimentos nele retratados sejam fruto da realidade e os visados da história sejam pessoas reais e não personagens de um enredo ficcional. Exemplo deste é o programa mundialmente conhecido Big Brother, criado em 1999 por John de Mol.

Sendo o programa em tempo real, e com o convívio diário de um grupo de pessoas, como ficam os direitos de personalidade, em tese irrenunciáveis, nas regras do jogo? Os direitos de personalidade dos participantes são negociáveis? Como os participantes tem administrado os conflitos surgidos no programa? Há violações de direitos? O que a justiça tem entendido?

Bem, essas perguntas são suficientes para buscarmos uma resposta jurídica, pois é inegável a tutela do direito para solucionar essas questões. Mas, o que deve prevalecer, o interesse econômico em ganhar o prêmio desejado, ou a manutenção da lei para salvaguardar os princípios da dignidade da pessoa humana e correlatos?

É  certo que a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso  X, dispõe:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

De tal modo, o Código Civil de 2002, em seu artigo 11, norteia a matéria:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Flávio Tartuce (2021, p.172), se encarrega de esclarecer sobre os direitos de personalidade, e cita outros doutrinadores do Direito Civil, pela qual extraímos de seu trabalho:

"Mas, afinal, o que seriam então os direitos da personalidade? Segundo Rubens Limongi França, trata-se de “faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos” (Instituições..., 1996, p. 1.033). Para Maria Helena Diniz, os direitos da personalidade “são direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social)” (Curso de direito civil..., 2002, v. 1, p. 135). Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, com a didática que lhes é peculiar, conceituam os direitos da personalidade como “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” (Novo..., 2003, v. I, p. 144)".

Acrescenta o Professor Sílvio de Salvo Venosa (2019, p.170), que os direitos de personalidade inadmitem avaliação pecuniária e são irrenunciáveis:

"Diz-se que os direitos da personalidade são extrapatrimoniais porque inadmitem avaliação pecuniária, estando fora do patrimônio econômico. As indenizações que ataques a eles podem motivar, de índole moral, são substitutivo de um desconforto, mas não se equiparam à remuneração ou contraprestação. Apenas no sentido metafórico e poético podemos afirmar que esses direitos pertencem ao patrimônio moral de uma pessoa. São irrenunciáveis porque pertencem à própria vida, da qual se projeta a personalidade".

Como visto, há vasto amparo na lei para proteger as violações aos direitos de personalidade. A doutrina também trata com exaustão.

Destarte, o Poder Judiciário, tem flexibilizado a aplicação da lei na proteção desses direitos. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo, entendeu que os participantes que autorizam a divulgação de sua imagem, estão sujeitos a diversos comentários de expressões injuriosas, não gerando ofensa à honra e à intimidade, a saber:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE DA EMISSORA. DANO MORAL. REALITY SHOW. LIBERDADE DE IMPRENSA. EXPRESSÕES QUE OFENDEM A HONRA. 1.Aação de indenização por danos morais pode ser ajuizada tanto contra a empresa titular do veículo de comunicação, como contra o jornalista responsável pela notícia supostamente ofensiva. 2. Aliberdade de imprensa, conquanto se revele um dos pilares da autêntica democracia, não se erige em direito absoluto, devendo observar o compromisso ético com a informação verossímil; preservar os chamados direitos da personalidade (honra, imagem, privacidade e intimidade) e não veicular crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar.. 3. Quando há um conflito entre a liberdade de expressão e a honra da pessoa, recomenda-se a avaliação de vários elementos, como, por exemplo, a veracidade do fato, licitude do meio, personalidade ser pública ou não, local do fato e natureza do fato. 4. Tratando-se de programas conhecidos como “Reality Show”, os participantes, que, livremente, autorizam a divulgação de sua imagem, estão sujeitos a diversos comentários dos telespectadores e jornalistas a respeito de sua atuação durante o programa. 5. A utilização de expressões injuriosas nesses casos, embora configurasse dano moral se proferidas em contexto diverso, não são aptas a gerar ofensa à honra e à intimidade dos participantes desses “Reality Show”. 6. Preliminar rejeitada. No mérito, recurso conhecido e não provido. (TJ-DF - AGI: 20150020301496, Relator: ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, Data de Julgamento: 24/02/2016, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 01/03/2016 . Pág.: 474)


Neste outro Acórdão, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também julgou pela inexistência do dever indenizatório:


DANOS MORAIS - MATÉRIA TELEVISIVA - PARTICIPAÇÃO EM REALITY SHOW - COMENTÁRIOS SOBRE AS ATITUDES DOS PARTICIPANTES - CONTRATO - EXPOSIÇÃO TOTAL DOS INTEGRANTES - DEVER INDENIZATÓRIO INEXISTENTE - RECURSO DESPROVIDO. 1 - O "reality show" consiste em um confinamento de 16 participantes que se dispõem a estar plenamente expostos, sendo filmados e exibidos o tempo todo, havendo a total exposição da intimidade, cabendo à população opinar acerca das atitudes dos jogadores. 2 - O Recorrente, ao tentar demonstrar o seu favoritismo ao prêmio, não traz prova cabal de ter sido prejudicado em razão da veiculação da matéria. Afinal, trata-se de um jogo em que há uma imprevisibilidade muito ampla na escolha dos espectadores, em face das possíveis mudanças de comportamentos e atitudes que podem influenciar na escolha do favorito. 3 - O programa de televisão noticiou as informações feitas pela população que participa dos chats e dos programas televisivos em torno dos participantes, tecendo debates e críticas populares que podem ser negativas ou positivas. Não houve, portanto, demonstração de que a matéria realizada pela apresentadora de televisão tenha maculado a honra e/ou ofendido a imagem do Recorrente, não havendo que se falar em danos morais sofridos a respaldar a indenização postulada com amparo na lei. 4 - Recurso desprovido. Unânime. (TJ-DF 20070110715566 DF 0051093-86.2007.8.07.0001, Relator: ROMEU GONZAGA NEIVA, Data de Julgamento: 13/06/2012, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/06/2012 . Pág.: 209)

Mormente, Flávio Tartuce (2021, p.175), menciona um importante julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu o direito ao esquecimento, do participante com alto índice de reprovação:

"Mais recentemente, cite-se interessante aresto do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu o direito ao esquecimento em favor de ex-participante do Big Brother Brasil, da TV Globo, que teve um dos maiores índices de rejeição do programa. O acórdão foi assim ementado:

“Dano moral – Direito à intimidade – Vida privada que deve ser resguardada – Participante do programa ‘Big Brother Brasil – BBB’, edição do ano de 2005, que em 2016 teria recusado o convite da Rede Globo, por meio de seu Departamento de Comunicação, para voltar a participar do Programa em sua versão atual e não autorizou qualquer divulgação de sua vida privada – Matéria divulgada relacionada à sua participação no Programa televisivo e sua atual vida pessoal e profissional – Autora que abdicou da vida pública, trabalha atualmente como carteira e se opôs a divulgação de fatos da vida privada, teve fotografias atuais reproduzidas sem autorização, extraídas de seu Facebook, sofrendo ofensa a sua autoestima, uma vez que a matéria não tinha interesse jornalístico atual, e não poderia ser divulgada sem autorização, caracterizando violação ao art. 5.º, incisos V e X, da Constituição Federal e arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, uma vez que lhe desagrada a repercussão negativa de sua atuação no Reality Show, resultante da frustrada estratégia que engendrou, buscando alcançar a cobiçada premiação – Livre acesso às páginas do Facebook que não autoriza a livre reprodução de fotografias, por resguardo tanto do direito de imagem quanto do direito autoral – Obrigação de retirar as matérias de seus respectivos sites, mediante o fornecimento pela autora das URLs – O compartilhamento de matérias e fotografias nada mais é do que uma forma de ‘publicação’, qualifican-do-se apenas pelo fato de que seu conteúdo, no todo ou em parte, é extraído de outra publicação já existente – Quem compartilha também contribui para a disseminação de conteúdos pela rede social, devendo, portanto, responder pelos danos causados – Dano moral caracterizado – Responsabilidade solidária de quem publicou e compartilhou a matéria, com exclusão da provedora de hospedagem, que responde apenas pela obrigação de fazer – Recurso provido em relação à Empresa Baiana de Jornalismo, RBS – Zero Hora e Globo Comunicações e Participações e provido em parte no tocante à Universo On-line” (TJSP, Apelação 1024293-40.2016.8.26.0007, 2ª Câmara de Direito Privado, São Paulo, Rel. Des. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, j. 11.01.2018).

A edição do BBB 2021, todavia, protagonizou vários temas de interesse social, o que segundo este autor, foi uma das edições mais polêmicas do reality, pela qual trabalhou temas como feminismo, machismo, racismo, diversidade de gênero, pontos de vista, limitações e interesses pessoais.

Em que pese o artigo 11 do Código Civil, regulamenta que os direitos de personalidade não podem sofrer limitação voluntária, concluímos que os participantes de reality show, abrem mão de seus direitos de personalidade de forma temporária, o que aos olhos do Poder Judiciário, não enseja o dever de indenizar pelas ofensas perpetradas.


Referências Bibliográficas:

Tartuce, Flávio. Direito Civil - Lei de Introdução e Parte Geral - Vol. 1. São Paulo: Grupo GEN, 2021. 9788530993870. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530993870/. Acesso em: 25 Apr 2021, p. 171.

 

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