A dispensa coletiva pelo empregador: o que prevê a legislação Brasileira?
Recentemente os jornais noticiaram uma empresa dos EUA, demitindo 900 funcionários por chamada de vídeo. E se fosse no Brasil, quais as consequências jurídicas? Primeiro precisamos ter em mente que, a dispensa coletiva de empregados é um fato global, admitido em todas as regiões do mundo, inclusive sendo regulada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O dicionário Aurélio da Língua Portuguesa defini dispensa, no sentido jurídico do termo como: "Anulação de um acordo ou contrato de trabalho feita pelo contratante; despedimento, demissão: dispensa por justa causa". Está correta a definição, pois o objetivo é por fim a uma relação jurídica de direito do trabalho, desfazer um pacto, pela qual foi celebrado para uma prestação de serviço, e em contrapartida o beneficiário do trabalho, lhe paga uma remuneração. Com a dispensa do empregado, não há mais a obrigação do pagamento do salário, por exemplo. O mesmo pode acontecer com um número expressivo de trabalhadores, por isso o termo "dispensa coletiva".
Pedimos licença ao leitor, para se fazer uma crítica de modo geral, que o Brasil está atrasado em relação a legislação trabalhista. Já é tempo de se ter um Código do Trabalho e um Código do Processo do Trabalho, regulando os vários institutos desta matéria, para que se tenha uma solidificação da justiça laboral, a exemplo de Portugal.
Como dito alhures, a OIT por meio da Convenção 158, regulou a demissão sem causa. Embora a OIT seja um órgão de proteção e fiscalização das normas do direito do trabalho, alguns países não observam suas diretrizes, a exemplo do Brasil, que não recepcionou a Convenção 158. Isso quer dizer que no Brasil não há uma norma que discipline, ou regule, a demissão em massa. Neste sentido escreve entre nós Sergio Pinto Martins (2021, p. 607), "A legislação brasileira não trata de despedida coletiva, nem estabelece conceito no sentido do que é despedida coletiva. Não há proibição em lei da dispensa coletiva ou de que a empresa tenha de tomar certas providências para assim fazer".
Muito pelo contrário, não sendo novidade, a Lei 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, instituiu no seu dispositivo 477-A a seguinte redação:
As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Em relação ao tema já escreve Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 320), "A nosso sentir, andou mal o legislador, pois se advogamos a incompatibilidade das dispensas imotivadas individuais, com muito mais razão defenderemos as dispensas imotivadas plúrimas ou coletivas".
Há uma posição doutrinária dominante que, o artigo 477-A inserido na CLT pela Reforma Trabalhista, é inconstitucional, violando dispositivos constitucionais, no âmbito dos direitos sociais, e legitimando o retrocesso social. Não nos causa espanto, que o dispositivo em comento padece de inconstitucionalidade, pois vive a República Brasileira de uma delicada fase de adequação e controle de constitucionalidade das regras impostas pela Reforma Trabalhista. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, tem se revelado e assumido seu papel no Estado de Direito, como profícuo guardião dos direitos sociais, ao afastar o poder arbitrário do legislador ordinário quando infringe direitos trabalhistas.
Ao compreender o instituto da dispensa coletiva de empregados, Luciano Martinez (2020, p. 743) cita o consagrado jurista Orlando Gomes quando em 1974 já dizia:
Na dispensa coletiva é única e exclusiva a causa determinante. O empregador, compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa. A finalidade do empregador ao cometer a dispensa coletiva não é abrir vagas ou diminuir, por certo tempo, o número dos empregados. Seu desígnio é, ao contrário, reduzir definitivamente o quadro de pessoal. Os empregados dispensados não são substituídos, ou porque se tornaram desnecessários ou porque não tem a empresa condição de conservá-los.
Nas palavras de Orlando Gomes, digerimos melhor o instituto da dispensa coletiva, pois estar-se-á diante da realidade vivenciada pela empresa, que mediante as circunstâncias se vê obrigada a tomar a drástica medida.
1 - Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.
Acrescentamos ainda, que a legislação trabalhista Portuguesa se apresenta muito mais eficiente em relação a dispensa coletiva, pois o Código do Trabalho dispõe de regras para informações e negociações do despedimento, além de intervenção do ministério laboral.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho no Brasil, considerou ser requisito para a validade da dispensa coletiva, prévia negociação com o sindicato profissional, condenando os empregadores em dano moral coletivo, prevalecendo os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho humano:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DA RECLAMADA. DANOS MORAIS COLETIVOS. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEMISSÃO EM MASSA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. Esclarece-se, inicialmente, que a hipótese se amolda ao caso de demissão coletiva, cujo conceito está ligado à dispensa por fato objetivo alheio à pessoa do empregado e que é irrelevante, para fins de conformação da hipótese à essa acepção se houve continuidade ou não da atividade empresarial. Esclarecido este ponto, a controvérsia se cinge à possibilidade de dispensa coletiva de trabalhadores sem existência de negociação sindical. Para resolver a questão, é preciso ter em mente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho humano. Não se pode olvidar, ainda, que a despedida coletiva deve ser apreciada à luz do artigo 170, inciso III, da Constituição Federal, que consagra a função social da propriedade. Esses princípios nortearam a jurisprudência da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, que, nos ED-RODC - 30900-12.2009.5.15.0000, da relatoria do Exmo. Ministro Mauricio Godinho Delgado, fixou "a premissa, para casos futuros, de que ' a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores' , observados os fundamentos supra". O referido Órgão julgador, em decisões posteriores, firmou o entendimento de que a prévia negociação com o sindicato profissional constitui requisito para a validade da dispensa coletiva, ou seja, despedidas procedidas unilateralmente pelo empregador não possuíam eficácia. Desse modo, a SDC confirmou decisões proferidas em dissídios coletivos instaurados pelos sindicatos profissionais, que exigiam a estipulação de normas e condições para as demissões coletivas, negando provimento aos recursos ordinários interpostos pelos suscitados (empregadores). Acrescenta-se que esta Corte, em acórdãos proferidos em ação civil pública, adotou a tese de que a despedida em massa de trabalhadores, sem negociação prévia com o sindicato dos empregados, acarreta dano moral coletivo a ser indenizado pelo empregador. Nesse contexto, é irregular a despedida em massa de trabalhadores sem negociação prévia com o sindicato profissional e a ausência desse requisito acarreta a responsabilidade civil do empregador e o pagamento de indenização compensatória. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 2013220135240005, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 24/02/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: 26/02/2021)
Ainda que a dispensa coletiva de empregados, não tenha um certo regramento na legislação trabalhista Brasileira, o Poder Judiciário, justiça especializada, exercendo suas competências previstas na Constituição Federal de 1988, tem cuidado do assunto com total imparcialidade e coerência com as normas do direito do trabalho.
A prática arbitrária, imotivada, da dispensa coletiva de empregados, sem um planejamento ou readequação dos colaboradores no mercado de trabalho, ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, da função social do trabalho, atingindo diretamente a subsistência familiar. A lei, no entanto, se revela como importante aliada para prevenção dos efeitos deste evento inesperado.
Referências bibliográficas:
Martins, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618408. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553618408/. Acesso em: 04 fev. 2022.
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