Por um Direito Civil Constitucional

Pensar o Direito Civil sobre um viés Constitucional, se torna interessante quando da aplicabilidade dos Institutos, regulados pelo Código Civil. Isto porque, a interpretação destes Institutos, que dispõe o Código Civil, fonte primária do Direito Civil, precisam de uma dinamicidade em conjunto com a Constituição, à guisa de exemplo, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado no artigo 1º, inciso III da CF/88, necessariamente, tem que ser também observado nas relações jurídicas de cunho privado, relações estas disciplinadas pelo Código Civil, e no Brasil, o Código Civil de 2002, Lei 10.406/2002.

Note que, uma Constituição, sendo uma carta não somente política, mas também jurídica, é o norte para a estruturação normativa de um país, sobretudo quando se tratar de direitos e garantias fundamentais. Gilmar Ferreira Mendes (2009, p.136), ao traduzir, a força normativa da Constituição de Konrad Hesse, nos ensina que:

"A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. As possibilidades, bem como os limites da força normativa da Constituição, resultam da correlação entre ser (Sein) e dever ser (Sollen)."

Diante da lição de Konrad Hesse, a Constituição, entendida como o dever ser, principal lei de um país, necessariamente funciona como uma carta dirigente no ordenamento jurídico, capaz de subsidiar os demais ramos do Direito, para sua correta funcionalidade e integração. Daí, falar-se, em um Direito Civil Constitucional.

A bem da verdade, nos ensina Flávio Tartuce (2020, p.49), que a utilização da expressão Direito Civil Constitucional, encontra raízes na doutrina italiana de Pietro Perlingieri. No início de sua obra, Perlingieri aponta que a Constituição funda o ordenamento jurídico, pois “O conjunto de valores, de bens, de interesses que o ordenamento jurídico considera e privilegia, e mesmo a sua hierarquia traduzem o tipo de ordenamento com o qual se opera. Não existe, em abstrato, o ordenamento jurídico, mas existem ordenamentos jurídicos, cada um dos quais caracterizado por uma filosofia de vida, isto é, por valores e por princípios fundamentais que constituem a sua estrutura qualificadora”.

De acordo com Tartuce (2020, p. 50), no Brasil, essa visão ganhou força na escola carioca, capitaneada pelos professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza. No Paraná, Luiz Edson Fachin também faz escola com o ensino do Direito Civil Constitucional, na Universidade Federal do Paraná. No Nordeste é de se mencionar o trabalho de Paulo Luiz Netto Lôbo, também adepto dessa visão de sistema. Em São Paulo, destacam-se os trabalhos de Renan Lotufo, na PUCSP, e da professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Titular na USP. Em Brasília, na UNB, o professor Frederico Viegas de Lima igualmente se dedica aos estudos das interações entre o Direito Civil e a Constituição Federal de 1988.

"O Direito Civil Constitucional, como uma mudança de postura, representa uma atitude bem pensada, que tem contribuído para a evolução do pensamento privado, para a evolução dos civilistas contemporâneos e para um sadio diálogo entre os juristas das mais diversas áreas. Essa inovação reside no fato de que há uma inversão da forma de interação dos dois ramos do direito – o público e o privado –, interpretando o Código Civil segundo a Constituição Federal em substituição do que se costumava fazer, isto é, exatamente o inverso". (Tartuce, p.50).

Gustavo Tepedino (2004) citado por Flávio Tartuce (2020, p.50) menciona que, três são os princípios básicos do Direito Civil Constitucional: a proteção da dignidade da pessoa humana, sendo a valorização da pessoa um dos objetivos da República Federativa do Brasil. Trata-se do superprincípio ou princípio dos princípios como se afirma em sentido geral. A proteção da dignidade humana, a partir do modelo de Kant, constitui o principal fundamento da personalização do Direito Civil, da valorização da pessoa humana em detrimento do patrimônio. O segundo princípio, visa à solidariedade social, outro objetivo fundamental da República, conforme o art. 3.º, inc. I, da CF/1988. Outros preceitos da própria Constituição trazem esse alcance, como no caso do seu art. 170, pelo qual: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Aqui também reside o objetivo social de erradicação da pobreza, do mesmo modo prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 3.º, inc. III). Por fim, o princípio da isonomia ou igualdade lato sensu, traduzido no art. 5.º, caput, da Lei Maior, eis que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Apresentado essas considerações, é plausível o seguinte entendimento: é preciso fazer uma leitura do direito privado interdisciplinarmente com o direito público. Destarte, o Código Civil não é um sistema fechado, que regula somente relações privadas, antes de mais nada, também compõe (faz parte) do Estado Democrático de Direito, que visa o único bem estar social comum. Não podemos esquecer que, embora a relação jurídica seja de cunho privado (entre as partes), quem dirá o direito aos jurisdicionados é o Estado-Juiz, por meio das regras de Direito Público.

Contudo, os princípios fundamentais e objetivos constitucionais necessariamente precisam ser recepcionados nas legislações ordinárias, das diversas ramificações do Direito seja público ou privado, a fim de observar a legalidade e a correta interpretação e aplicação da lei no caso concreto.


Referências Bibliográficas:

TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 1-22.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

HESSE, Konrad. Temas fundamentais do direito constitucional; textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo : Saraiva, 2009.

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