O contrato de trabalho intermitente: uma criação da Reforma Trabalhista validado pelo Supremo Tribunal Federal.
A Reforma Trabalhista Lei 13.467/2017, em vigência no Brasil desde 11 de novembro de 2017, provocou profundas e polêmicas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de atender os anseios políticos, econômicos e sociais dos empregados e empregadores no país.
Seja na academia jurídica, seja na comunidade profissional, encontramos defensores e opositores acerca das mudanças promovidas pela Lei 13.467/2017. É verdade que em muitos temas ou direitos trabalhistas, foram parar no Supremo Tribunal Federal, para que este Tribunal sob o prisma da Constituição Federal Brasileira, ponha um ponto final na interpretação, declarando ou reconhecendo os direitos trabalhistas.
Para entender a Reforma Trabalhista, é necessário compreender que quando da construção deste sistema legislativo, o Brasil passava por uma crise econômica, política e ética, comprometendo vários empreendimentos e empresas no país, diante de um cenário marcado pela burucratização das leis e dos negócios, pela extensa carga tributária, pela corrupção no ambito público e privado. A ideia central desta reforma, era incentivar a manutenção de empregos e flexibilizar as normas trabalhistas.
Uma das inovações da Reforma Trabalhista foi o contrato de trabalho intermitente. O artigo 443 da CLT, parágrafo 3º, reza que: "Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria".
Diante do dispositivo apresentado, é sem dúvidas uma grande inovação na seara do contrato de trabalho, na medida em que, não há obrigação de se fazer presente no trabalho todos os dias e horários, e também não há garantia de quanto em pecúnia o empregado irá receber. As partes são livres para combinar sobre o número de horas trabalhadas e o valor pelo serviço prestado.
O artigo 452-A da CLT, tratou de positivar algumas formalidades e requisitos para a celebração deste tipo de contrato:
Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.
§ 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.
§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.
§ 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.
§ 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
Ainda podemos encontrar o tema na jurisprudência do E. TRT-2ª Região:
RECURSO ORDINÁRIO. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. REQUISITOS LEGAIS. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. O contrato de trabalho intermitente foi inserido na CLT pela Lei nº 13.467/2017, sendo que o caput do artigo 443 passou a ter a seguinte redação: "o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente" (destaquei). Aludida modalidade contratual está regulamentada no artigo 452-A da CLT, com o dever de o contrato ser celebrado por escrito e conter especificamente o valor da hora de trabalho. O empregado é convocado para a prestação de serviços com antecedência de três dias corridos, no entanto, pode recusar o chamado, situação que não descaracteriza a subordinação. Prestando os serviços, receberá o pagamento imediato da remuneração, férias proporcionais com o adicional de 1/3, décimo terceiro proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. O elemento a diferenciar o contrato de trabalho intermitente do contrato de trabalho por prazo indeterminado é o trabalho prestado de forma eventual, mantendo, entretanto, os demais requisitos, ou seja, trabalho prestado pessoalmente (intuito personae) por pessoa física, de forma subordinada e onerosa. No caso em apreço, em depoimento o reclamante confirmou ter prestado serviços "quando era convocado pela 1a. reclamada, em dias aleatórios", situação típica do contrato em aludida modalidade. Ao reclamante competia comprovar que o contrato não respeitou as disposições legais, ônus que lhe competia na forma do artigo 818 da CLT, da qual não se desincumbiu. NEGA-SE PROVIMENTO. (TRT-2 10009875020215020083 SP, Relator: MOISES DOS SANTOS HEITOR, 1ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 09/02/2022)
Conforme abordado no Acórdão citado, o contrato de trabalho intermitente tem como característica a flexibilização dos requisitos da relação de emprego, ao passo que desconsidera o requisito da continuidade, sendo o trabalho prestado com eventualidade, mas nem por isso deixa de ser relação de emprego.
Luciano Martinez (2023, p. 195) leciona que: "O tipo contratual, aliás, é identificado pelo extermínio da ideia do tempo à disposição do empregador, motivo pelo qual há quem o identifique na Inglaterra como zero-hour contract (contrato sem horas preestabelecidas) ou na Itália como lavoro a chiamata (trabalho mediante chamadas)". Ou seja, essa modalidade de contrato não passa a existir só no Brasil, mas já é realidade em outros países conforme cita Martinez.
Encontramos alguns doutrinadores criticando essa modalidade de contratação, afirmando que gera a precarização de direitos trabalhistas, expõem o empregado a informalidade, retirando os direitos trabalhistas adquiridos ao longo dos anos.
Em relação aos direitos trabalhistas assegurados no contrato de trabalho intermitente o parágrafo 6º do artigo 452-A da CLT disciplina que:
§ 6º Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:
I ‒ remuneração;
II ‒ férias proporcionais com acréscimo de um terço;
III ‒ décimo terceiro salário proporcional;
IV ‒ repouso semanal remunerado; e
V ‒ adicionais legais.
Questão acalorada foi o enunciado número 73, aprovado na II Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho organizada pela Anamatra com a seguinte redação:
73. Contrato de trabalho intermitente: inconstitucionalidade
É inconstitucional o regime de trabalho intermitente previsto no art. 443, § 3º, e art. 452-A da CLT, por violação do art. 7º, I e VII da Constituição da República e por afrontar o direito fundamental do trabalhador aos limites de duração do trabalho, ao décimo terceiro salário e às férias remuneradas.
Porém, na data de hoje, o Supremo Tribunal Federal por maioria de votos, declarou a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. De acordo com o Ministro Nunes Marques: "A nova modalidade de contratação tem as vantagens de promover jornadas mais flexíveis aos empregados que queiram menos tempo de trabalho e de reduzir custos das empresas, ante a diminuição do quadro de empregados fixos em tempo integral", afirmou.
O fato é que o Direito do Trabalho por ter uma repercussão na economia das empresas e do Estado, tem sido alvo de discussões nos Tribunais Superiores, havendo divergência de interpretação pelo próprio Poder Judiciário.
Já defendemos em outros trabalhos que, o país precisava não de uma Reforma Trabalhista, mas de um Código do Trabalho para uniformizar e positivar os direitos trabalhistas e interpretações dos institutos do direito do trabalho. A insegurança jurídica tem predominado no Brasil, fazendo com que cada Tribunal, entenda de um modo diverso o mesmo fato jurídico.
É preciso organizar a casa e falar a mesma língua, começando pela efetivação dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988.
Referência bibliográfica:
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2023. E-book.
Contrato de trabalho intermitente é constitucional, decide STF. Por Fernanda Vivas, TV Globo — Brasília. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/12/13/contrato-de-trabalho-intermitente-e-constitucional-decide-stf.ghtml
Comentários
Postar um comentário