O desvio de função no contrato de trabalho: apontamentos da jurisprudência trabalhista.

O Direito do Trabalho é a ciência jurídica que regula o relacionamento entre empregado e empregador. Este relacionamento é marcado por direitos e obrigações recíprocas. É bem verdade que a boa-fé contratual deve partir de ambas as partes. Mormente, pode acontecer de o empregador solicitar determinada tarefa ao empregado, e este se recusar, argumentando não fazer parte das suas atribuições no contrato de trabalho. Também pode ocorrer do empregado aceitar a solicitação do empregador, e depois venha discutir na Justiça do Trabalho, o desvio de função. Isto pode parecer uma afronta ao requisito da relação empregatícia que é a subordinação.

Deste modo, o desvio de função ocorre quando o empregado passa a realizar atividades no contrato de trabalho, para o qual não foi contratado, e seu salário não corresponde as atividades ou responsabilidades que o empregador passou a exigir. 

Acerca das alterações no contrato de trabalho, e diante do princípio da boa-fé contratual como dito incialmente, o artigo o 468 da CLT reza que: "Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia". Parece razoável compreender que, quando ocorre desvio de função, há inexistência do mútuo consentimento, ainda mais se a alteração da função no contrato de trabalho for lesiva ao empregado.

Mas é preciso consignar ainda, o parágrafo único do artigo 456 da CLT: "A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal". Assim, se entende que não configura desvio de função as solicitações do empregador, para a realizar serviços que seja compatível com a condição pessoal do empregado.

Na prática forense, o desvio de função não é tão simples de comprovar. Ao nosso ver, para configurar o desvio de função, o empregado tem que passar a desenvolver atividades superiores e diferentes, para o qual foi contrato com certa frequência no contrato de trabalho, e também que essas atividades, sejam legítimas a fim de perceber uma maior remuneração. Assim o ônus da prova é do empregado, nos termos do artigo 818 da CLT e 373 , I , do CPC.

Destarte, a jurisprudência do E. TRT-12ª Região é no sentido de que: "o desvio de função somente se caracteriza quando instituído na empresa plano de cargos e salários e do empregado exigidas atribuições fora do que estabelecido no referido regulamento". Vejamos:

DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. O desvio de função somente se caracteriza quando instituído na empresa plano de cargos e salários e do empregado exigidas atribuições fora do estabelecido no referido regulamento. À luz do art. 818, inc. I, da CLT, incumbe ao autor comprovar o exercício de atividades diversas para o qual foi contratado. Não se desincumbindo do ônus, não há falar em diferenças salariais por desvio de função. (TRT-12 - ROT: 00008757220215120034, Relator: NARBAL ANTONIO DE MENDONCA FILETI, 6ª Câmara, Data de Publicação: 14/11/2022).

Importante também destacar sobre o assunto a Súmula 51 do TRT-12ª Região:  

SÚMULA N.º 51 - "ACÚMULO DE FUNÇÕES. NÃO CONFIGURAÇÃO. Não havendo incompatibilidade com a condição pessoal ou abuso quantitativo, a atribuição de novas tarefas ao trabalhador na mesma jornada não configura acúmulo de funções remunerável."

Neste sentido, a Súmula em questão faz menção ao abuso quantitativo, o que ao nosso ver, significa que para configurar o desvio de função, o empregado tem que praticar atividades diferentes reiteradamente diversa para o qual foi contratado.

Assim temos o seguinte julgado:

DESVIO/ACÚMULO DE FUNÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. O exercício de funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, sem comprovação de abuso quantitativo, não caracteriza o desvio ou acúmulo de função, consoante se depreende do disposto no art. 456 da CLT e o entendimento sumulado nº 51 deste Regional, apto a gerar o direito a diferenças salariais, bem como a rescisão indireta do contrato de trabalho. (TRT-12 - ROT: 0000545-38.2023.5.12.0056, Relator: MARIA BEATRIZ VIEIRA DA SILVA GUBERT, 4ª Turma).

Ainda, anotamos que o desvio de função não gera dano moral, quando caracterizado, gera apenas diferença salarial. Citamos a jurisrudência do E. TRT-9ª Região, pela qual pacificou que o desvio de função não configura ilícito perturbador da esfera extrapatrimonial do empregado:

DESVIO DE FUNÇÃO COM PREJUÍZO SALARIAL. FATO NÃO GERADOR DE DANO MORAL. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. A ocorrência de desvio de função com prejuízo salarial não configura ilícito perturbador da esfera extrapatrimonial do empregado. Irregularidade dessa natureza não transcende o campo econômico. Entendimento em sentido contrário implicaria admitir que qualquer hipótese de desrespeito a direito trabalhista ensejaria o dever de indenização por dano moral, o que significaria dizer que toda reclamatória trabalhista (ou, na verdade, qualquer demanda em função de inadimplemento contratual) possuiria uma ação indenizatória atrelada a ela. Ainda que o desvio de função possa causar aborrecimento ao empregado, que teve que acionar o Poder Judiciário para obter as diferenças salariais que considera devidas, isso não é suficiente para configurar dano moral indenizável, especialmente quando não demonstrado qualquer prejuízo além do financeiro, que é passível de reparação específica. (TRT-9 - RO: 00003632220225090072, Relator: CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONCA, Data de Julgamento: 11/07/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: 13/07/2023).

Logo, para que haja o desvio de função não basta mera atividade alheia para o qual foi contratado, devendo existir uma certa frequência e uma vantagem econômica consideravél para o empregador. A Justiça do Trabalho quando acionada, é incumbida em aplicar o Direito do Trabalho e interpretar os fatos decorrentes da relação empregatícia, a fim de equilibrar os interesses das partes em litígio.

A assessoria jurídica trabalhista é uma ferramenta aliada para a empresa, que direciona o empregador a estar dentro da legalidade e tomar decisões a fim de evitar passivo trabalhista.

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