O que é o Acordo de Compensação de Horas e quando pode ser invalidado?

 Para Pati, Cacá e Tutui, com amor.


Os institutos do Direito do Trabalho servem para auxiliar as partes da relação empregatícia, a atender seus objetivos, seus interesses. É função da doutrina trabalhista estudar estes institutos, verificar a sua aplicabilidade na jurisprudência e constatar se a sua finalidade está sendo atingida.

Na jornada de trabalho, no Brasil, é bastante comum empregado e empregador firmar o Acordo de Compensação de Horas, seja no ato da admissão do empregado ou no decorrer do contrato de trabalho. Este Acordo é eminentemente de caráter contratual, de natureza jurídica de direito privado, pois as partes estão livres para celebrar o presente Acordo, fazendo lei entre si.

Mormente, dissemos que o Acordo de compensação de horas está previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 7º, inciso XIII, e também na Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 59, parágrafo 6º. 

Silva (2023, p. 56) conceitua o Acordo de Compensação de Horas como: "um negócio jurídico bilateral, firmado entre empregado e empregador,  que permite ao empregado compensar em outra jornada, as horas trabalhadas positivas ou negativas, desde que limitado a duas horas diárias, no exercício da atividade laboral". 

Na prática forense da advocacia trabalhista, nos deparamos diariamente, com o pedido de invalidade do Acordo de Compensação de Horas e o pedido de condenação do empregador, a pagar pelas horas excedentes a 8ª hora diária e 44 semanal. Esta invalidade por sua vez, é deferida pelo magistrado que fundamentando sua sentença, um dos motivos para a tal invalidação, é a ausência de requisitos legais para a manutenção do Acordo no contrato de trabalho, dentre eles, podemos citar a ausência de transparência no acompanhamento das horas positivas e negativas, objeto de compensação.

Cita-se a jurisprudência:

BANCO DE HORAS. INVALIDADE. AUSÊNCIA DE CONTROLE DE CRÉDITO E DÉBITO DE HORAS. IMPOSSIBILIDADE DE ACOMPANHAMENTO DO SALDO DE HORAS PELO EMPREGADO. Embora reconhecida a validade dos registros de jornada juntados aos autos, bem como ser incontroversa a adoção do banco de horas pela empregadora, devidamente autorizada pela norma coletiva, não é possível depreender com exatidão o total de horas extras realizadas e o saldo positivo ou negativo decorrente, impossibilitando ao empregado verificar o saldo total diário ou mensal de horas, de forma a possibilitar a efetiva compensação das horas trabalhadas. Assim, reputa-se inválido o acordo de compensação adotado pela empresa ré, diante da ausência de regras específicas e claramente conhecidas. Recurso não provido.(TRT-13 - ROT: 00007436920215130007 0000743-69.2021.5.13.0007, 2ª Turma, Data de Publicação: 27/05/2022) (grifou-se).

No entanto, verificamos que o magistrado declara a invalidade deste acordo, justificando a ausência de requisitos formais e materiais, como vimos acima, a falta de transparência da gestão dessas horas. Mas, entendemos que ao agir deste modo, o magistrado encontra-se equivocado. Todavia, uma vez diante do Acordo de compensação de horas, necessariamente, deve ser tratado como um negócio jurídico bilateral, que sua invalidade somente pode ocorrer na forma como descreve ou justifica o artigo 166 do Código Civil de 2002:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:  I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;  IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Notadamente, uma vez firmado o Acordo no sentido de compensar horas excedentes a jornada de trabalho excedente a 2 horas diárias, configura-se a hipótese do artigo 166, inciso II do Código Civil, pois impossível juridicamente laborar mais de 10 horas diárias, o que configura a invalidade do Acordo de Compensação de Horas.

O assunto é tão polêmico que o Tribunal Superior do Trabalho emitiu a Súmula 85 com o seguinte teor:

I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)  

II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1  - inserida em 08.11.2000)  

III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)  

IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)  

V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

VI - Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT.

No tocante ao item IV desta Súmula, verifica-se que restou alterado pela Lei 13.467/2017, artigo 59-B parágrafo único: "A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas".

Neste sentido a jurisprudência:

COMPENSAÇÃO DE JORNADA. VALIDADE. ART. 59 DA CLT. A escala de trabalho do reclamante trata-se de modo de compensação de jornada, atraindo a incidência do disposto no art. 59 § 6º, o qual prevê a licitude do acordo tácito para compensação dentro do mesmo mês. Ressalto, ainda, que o art. 58-B, p.ú., da CLT, é expresso ao esclarecer que a prestação habitual de horas extras não descaracteriza o acordo de compensação de jornada. (TRT-2 10010394820225020362, Relator: RICARDO APOSTOLICO SILVA, 13ª Turma)

A compensação da jornada de trabalho, figura-se como vantajosa para ambas as partes, que desejam flexibilizar a jornada de trabalho, ou seja, empregado e empregador se beneficiam deste pacto. 

Quando da rescisão do contrato de trabalho, o empregador pode descontar as horas eventualmente negativas, ou fazer a quitação no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho das horas positivas ou extraordinárias que não foram compensadas.

Convém destacar por último, que a Consolidação das Leis do Trabalho no artigo 227 orienta que não poderão firmar Acordo de Compensação de Horas, os empregados de telefonia, de telegrafia submarina e subfluvial, radiotelegrafia e radiotelefonia. Um outro exemplo bastante comum, está descrito no artigo 432 da CLT: "A duração do trabalho do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada".


Referência Bibliográfica:

SILVA, Emiliano Cruz da. Aspectos Teórico e Práticos da Jornada de Trabalho, compensação de horas e banco de horas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

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