Regulamento interno da empresa: entre o dever de informação e sua adesão pelo empregado.

A relação entre empregado e empregador necessariamente deve ser pautada pela boa-fé. Isto porque é estabelecido entre as partes, um contrato de trabalho, com deveres e obrigações. É bem verdade que, na admissão do empregado, este hipossuficiente e carecendo de emprego e fonte de renda para seu sustento, aceite a proposta, sem pensar ou conhecer as regras/diretrizes da empresa empregadora pela qual se submete. Muito comum, o empregado conhecer as regras da empresa, somente após os primeiros meses de trabalho.

Na prática, o empregado aceita a oportunidade, desenvolve seu trabalho, acata as solicitações do empregador, até que chega um estágio que começa a discordar, ou apresentar dificuldades em cumprir as regras, e aí, está estabelecido o conflito de interesses, entre o desejado e o esperado, e acaba em litígio na Justiça do Trabalho.

As empresas mais estruturadas, no ato da admissão, já apresentam suas regras por meio do regulamento interno. Este documento deve ser um manual de boas práticas para o empregado, também contribuiu para melhor resultados na empresa. Envolve ainda uma espécie de padronização das atividades.  

Propomos a pensar, se o empregado pode discordar do regulamento interno. Pois, quem precisa de emprego, se submete as suas regras, e claro, adere o regulamento interno da empresa. Não parece comum o empregado contrariar o documento. Mas, a empresa possui o dever de informação? O dever de informar suas exigências?

Sergio Pinto Martins (2021, p. 362) ensina que: "Regulamento de empresa é um conjunto sistemático de regras, escritas ou não, estabelecidas pelo empregador, com ou sem a participação dos trabalhadores, para tratar de questões de ordem técnica ou disciplinar no âmbito da empresa, organizando o trabalho e a produção".

A doutrina jurídica trabalhista é capaz de abordar bem o assunto. Encontramos desde conceito, distinção, natureza jurídica, finalidade, classificação, conteúdo, validade, prazo de vigência, interpretação, limites, campo de aplicação, alteração, e controle externo. (Martins, 2021, p. 362 - 370).

No Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho por meio da Súmula 51 pacificou:

NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)

II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999)

Notamos que, a norma emitida pelo Tribunal é protetiva, tendo em vista que o regulamento interno, geralmente é um documento unilateral confeccionado pelo empregador, face os poderes de regulamentação e disciplina que possui.

Já em Portugal, o artigo 106 e alíneas, do Código de Trabalho (CT), trata do dever de informação.  

3 - O empregador deve prestar ao trabalhador, pelo menos, as seguintes informações:  
a) A respectiva identificação, nomeadamente, sendo sociedade, a existência de uma relação de coligação societária, de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como a sede ou domicílio; 
b) O local de trabalho ou, não havendo um fixo ou predominante, a indicação de que o trabalho é prestado em várias localizações; 
c) A categoria do trabalhador ou a descrição sumária das funções correspondentes; 
d) A data de celebração do contrato e a do início dos seus efeitos; 
e) A duração previsível do contrato, se este for celebrado a termo; 
f) A duração das férias ou o critério para a sua determinação; 
g) Os prazos de aviso prévio a observar pelo empregador e pelo trabalhador para a cessação do contrato, ou o critério para a sua determinação; 
h) O valor e a periodicidade da retribuição; 
i) O período normal de trabalho diário e semanal, especificando os casos em que é definido em termos médios; 
j) O número da apólice de seguro de acidentes de trabalho e a identificação da entidade seguradora; 
l) O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, se houver. 
m) A identificação do fundo de compensação do trabalho ou de mecanismo equivalente, bem como do fundo de garantia de compensação do trabalho, previstos em legislação específica.

Não somente neste trabalho, como já afirmamos em outros textos aqui pelo blog, que Portugal possui uma legislação trabalhista efetiva e de grande prestígio, pela qual o Brasil poderia se espelhar. 

Pedro Romano Martinez (2022, p. 453) diz que, "A Diretiva tem, como principal finalidade, melhorar a proteção dos trabalhadores, dando-lhes conhecimento dos seus direitos e oferecendo uma maior transparência no mercado de trabalho".

Na hipótese, pensamos que o regulamento interno da empresa se constituiu de uma carta de obrigações destinada ao empregado, mas não é bem assim, pois o empregador também deve se comprometer, em relação ao empregado, estabelecendo vantagens por meio de benefícios, uma vez logrado êxito no trabalho realizado.

Deste modo, para se alcançar a finalidade do instituto do regulamento interno empresarial, ainda que considerado uma utopia, a construção desse documento, seria importante a participação de ambas as partes da relação trabalhista. Por fim, consignamos que, não pode haver distinção na aplicação das regras, entre um contrato de trabalho e outro, sob pena de descaracterizar a finalidade do documento, e incidir em infração aos princípios do Direito do Trabalho.  

Referências bibliográficas:

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2022.


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