Teletrabalho e igualdade de direitos e deveres: uma comparação com o Direito do Trabalho de Portugal.

Uma nova ordem de executar o trabalho ganhou evidência, principalmente após o período pandêmico, pelo mundo todo. Trata-se do teletrabalho. Um novo conceito de método de trabalho que se revela mais eficaz, e produtivo, com melhores resultados alcançados pelas empresas e corporações/organizações. Algumas legislações já previam essa modalidade de trabalho, mas o desafio para o campo jurídico é se, a legislação consegue abarcar todos os fatos que envolvem a prática do teletrabalho.

Acerca das características do teletrabalho no Brasil, lecionam Neto e Cavalcante (2018, p. 286): "No teletrabalho, podemos destacar que: (a) geralmente, a atividade é realizada a distância, ou seja, fora dos limites de onde os seus resultados são almejados; (b) as ordens são dadas sem condições de se ter o controle físico ou direto da execução. O controle é ocasionado pelos resultados das tarefas executadas; (c) as tarefas são executadas por intermédio de computadores ou de outros equipamentos de informática e telecomunicações".

Carlos Henrique Bezerra Leite (2022, p. 121) entende que: "A subordinação jurídica no teletrabalho é mais tênue e é efetivada por meio de câmeras, sistema de logon e logoff, computadores, relatórios, bem como ligações por celulares, rádios etc. Por isso houve evolução do entendimento contido na Súmula 428 do TST que passou a assegurar, no caso de ofensa à desconexão do trabalho e ao direito fundamental ao lazer, o pagamento de horas de sobreaviso. Trata-se de interpretação que se coaduna com a eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais (direito ao lazer e à desconexão)".

No Brasil, o teletrabalho está disciplinado na Consolidação das Lei do Trabalho (CLT), com algumas alterações após o advento da Lei 13.467/2017, a partir dos artigos 75-A a 75-E. Analisamos que, o legislador Brasileiro foi omisso a muitos temas que envolvem o teletrabalho, principalmente no tocante a igualdade de direitos e deveres.

Na verdade a doutrina, como visto, tem buscado explorar os temas que envolvem o teletrabalho, como ferramentas de trabalho, acidente de trabalho, direito a desconexão, dentre outros. Por ser um instituto novo do Direito do Trabalho, nem todos os acontecimentos estão previstos na legislação trabalhista.

Do contrário, ocorre em Portugal. O Código do Trabalho Português, Lei 7/2009 em seu dispositivo 169º dispõem:

1 - O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores da empresa com a mesma categoria ou com função idêntica, nomeadamente no que se refere a formação, promoção na carreira, limites da duração do trabalho, períodos de descanso, incluindo férias pagas, proteção da saúde e segurança no trabalho, reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, e acesso a informação das estruturas representativas dos trabalhadores, incluindo o direito a: 
 
a) Receber, no mínimo, a retribuição equivalente à que auferiria em regime presencial, com a mesma categoria e função idêntica; 

b) Participar presencialmente em reuniões que se efetuem nas instalações da empresa mediante convocação das comissões sindicais e intersindicais ou da comissão de trabalhadores, nos termos da lei; 

c) Integrar o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação coletiva, podendo candidatar-se a essas estruturas. 

2 - O trabalhador pode utilizar as tecnologias de informação e de comunicação afetas à prestação de trabalho para participar em reunião promovida no local de trabalho por estrutura de representação coletiva dos trabalhadores. 

3 - Qualquer estrutura de representação coletiva dos trabalhadores pode utilizar as tecnologias referidas no número anterior para, no exercício da sua atividade, comunicar com o trabalhador em regime de teletrabalho, nomeadamente divulgando informações a que se refere o n.º 1 do artigo 465.º

4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Observamos, todavia, que a legislação portuguesa é mais abrangente e protecionista, em relação aos direitos dos trabalhadores com contrato presencial, e aqueles que adotam o teletrabalho, principalmente a proteção a saúde e segurança no trabalho, acidente de trabalho e doenças profissionais.

Pedro Romano Martinez (2022, p. 304) ressalta que: "O teletrabalho, não sendo a única forma, pode considerar-se a modalidade paradigmática de trabalho através de meios digitais, a designada revolução digital deu origem a várias formas de prestar trabalho com recurso a meios tecnológicos, que colocam múltiplos problemas na regulamentação do modo clássico de prestar trabalho".

É de se considerar ainda que, esta modalidade de executar o trabalho, já era cogitada muito antes da Revolução tecnológica, conforme menciona Luciano Martinez (2022, p. 143):

Sobre o teletrabalho, a obra A terceira onda, 1980, de Alvin Toffler, é de especial importância. O referido autor, antes mesmo de popularizado o impacto tecnológico dos anos 90, já sustentava que o trabalho seria deslocado, pouco a pouco e cada vez mais, dos escritórios para os domicílios, originando empreendimentos nas bases familiares. Os fatores que impulsionam esse deslocamento são de diversas naturezas, incluindo-se aí as dificuldades de traslado no trânsito urbano das grandes cidades e o alto custo com a manutenção de uma sede pelo empregador.

Destarte, o fato de se adotar o teletrabalho, como visto, não descaracteriza a pessoalidade, a onerosidade, não-eventualiadade e subordinação, ou seja, os requisitos da relação de emprego.

O empregado não pode esquecer que, estar-se-á diante de um contrato de trabalho, não só com direitos, mas com deveres, pela qual se exige uma determinada disciplina, ainda que no conforto do seu lar, de tal modo que o resultado do seu trabalho possa satisfazer os interesses do empregador, que nada mais é que lucratividade.

Deste modo, a comunidade jurídica-laboral, fica incumbida de pesquisar e debater as dificuldades encontradas no teletrabalho pelos empregados e empregadores. Aliás esse é o papel da doutrina, de criar soluções jurídicas através do conhecimento, servindo de argumentos para serem utilizados pelos legisladores e Tribunais de Justiça.

Constatamos então, que o Brasil deveria seguir o modelo de previsão de direitos e deveres adotado por Portugal, dado a evolução legislativa desta modalidade de trabalho naquele país.  

Referências bibliográficas:

NETO, Francisco Ferreira J.; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros P. Direito do Trabalho, 9ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018. 9788597018974. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597018974/. Acesso em: 06 jul. 2022.

LEITE, Carlos Henrique B. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622944. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622944/. Acesso em: 06 jul. 2022.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 9786553622128. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553622128/. Acesso em: 07 jul. 2022.

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