Compensação de horas: aspectos legais.

Na prática, a compensação de horas é conhecida como "banco de horas". A legislação trabalhista tem modificado consideravelmente este instituto do direito do trabalho. Interpretações do dispositivo da lei, tem gerado bastante discussão, se é possível o banco de horas por acordo individual ou somente por acordo coletivo. A matéria já restou pacificada pelo TST, como veremos adiante.

Algumas empresas tem se perdido ao instituir o banco de horas, ou por falta de conhecimento da lei, ou por que empregam interpretação diversa da lei, atendendo seus interesses econômicos. O instituto do banco de horas ganhou evidencia com a Constituição Federal de 1988.

O artigo 7º da CF que cuida dos direitos sociais, em seu inciso XIII disciplina a: "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".

Os intérpretes tem criticado o legislador ordinário, por não adotar uma terminologia que não gerasse ambiguidade, ao instituir "mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho". Há uma corrente doutrinária que entende que o legislador quis dizer acordo coletivo, outra corrente entende ser acordo individual.

O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 85, instituiu: I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. 

Não restam dúvidas de que o acordo individual de compensação de horas é válido, desde que seja por escrito. A Reforma Trabalhista também afirmou no artigo 59: "A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho".  O parágrafo segundo do artigo 59 disciplinou: "Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias".

Na lição de Sergio Pinto Martins (2021, p. 811), "Acordo de compensação de horas é o ajuste feito entre empregado e empregador, para que o primeiro trabalhe mais horas em determinado dia, para prestar serviço em número de horas inferior ao normal, em outros dias".

Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 282) sintetiza:

Pode-se dizer que “banco de horas” é um neologismo utilizado para denominar um novo instituto de “flexibilização” da jornada de trabalho, o qual permite a compensação do excesso de horas trabalhadas em um dia com a correspondente diminuição em outro dia, sem o pagamento de horas extras, desde que respeitado determinado período de tempo fixado em lei, acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.

A Reforma Trabalhista Lei 13.467/2017, é um exemplo de flexibilização das leis trabalhistas. Nos filiamos a definição de Sergio Pinto Martins (2021, p. 812), quando afirma que, "A flexibilização das condições de trabalho é um conjunto de regras que têm por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho".

Entendemos que essa tendência do legislador em flexibilizar as normas de direito do trabalho, acaba por prejudicar alguns institutos do direito do trabalho, e por consequência, o trabalhador é a parte que mais sai perdendo em relação aos seus direitos trabalhistas.

Ainda sobre a compensação de horas, é imprescindível a observação de alguns requisitos previstos no artigo 59 da CLT. É o que ocorre em algumas convenções coletivas da categoria, que exigem relatórios mensais apresentados ao empregado, sob pena de impossibilidade de proceder à compensação.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região, invalidou uma acordo de compensação de horas individual, por ausência de relatórios mensais entregue ao empregado, exigência essa prevista na Convenção Coletiva de Trabalho: 

BANCO DE HORAS. NÃO ATENDIMENTO ÀS NORMAS COLETIVAS. INVALIDADE. Para a validade do regime de compensação de horas, sob a forma de banco de horas, é necessário atender ao disposto no § 2º do art. 59 da CLT, a saber: Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. Acrescenta o § 5º do citado dispositivo que o banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. Não obstante a inovação do § 5º do art. 59 da CLT, o acordo firmado diretamente com a reclamante não exclui os demais requisitos de validade da compensação estabelecidos por negociação coletiva vigente. Por configurarem, no caso dos autos, imperativos de validação do acordo de compensação, a mera ausência dos relatórios, nos autos, invalida o banco de horas. Impõe-se, por essas razões, o reconhecimento da nulidade do acordo de compensação de jornada.(TRT-3 - RO: 00101176720215030111 MG 0010117-67.2021.5.03.0111, Relator: Des.Antonio Gomes de Vasconcelos, Data de Julgamento: 13/08/2021, Decima Primeira Turma, Data de Publicação: 16/08/2021.)

Luciano Martinez (2020, p. 479), de certa forma faz uma crítica ao banco de horas, quando afirma que, "O banco de horas não é propriamente sistema de compensação nem de prorrogação. Ele, na verdade, é um instituto singular que cumula o que de pior existe em ambos os sistemas. Por meio dele se cumula a exigibilidade de prestação de horas suplementares sem prévio aviso e sem qualquer pagamento com a imprevisibilidade dos instantes de concessão das folgas compensatórias".

Ainda que haja controvérsias sobre a (in) validade do acordo de compensação de horas, para que seja feito na forma da lei, não poderá a jornada diária ser excedida por mais de duas horas, ou seja, a jornada diária pode ser elastecida até a 10ª hora diária, com adicional de 50 %. O prazo para compensação deve ocorrer no período máximo de 6 (seis) meses. Caso o trabalhador seja dispensado sem ter realizado as respectivas compensações, terá direito a receber as horas extras não compensadas. 

Em se tratando de banco de horas negativo, em razão da pandemia do coronavírus, o TRT-2ª Região autorizou a devolução de valores descontados em termo de rescisão do trabalhador, relativos a horas negativas:


PANDEMIA COVID-19. INTERRUPÇÃO DAS ATIVIDADES DO EMPREGADOR. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DISPENSA DO TRABALHADOR. MP 927/2020. BANCO DE HORAS NEGATIVO. DISPENSA ABRUPTA E SEM JUSTO MOTIVO DO TRABALHADOR. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO. Da análise do encartado, constato que em 01 de abril de 2020 houve um "aditamento" à CCT 2019/2020 com previsão na cláusula 4ª de um "banco de horas geral" que tratou sobre a compensação de horas. Já o art. 14 da MP 927/2020 dispôs sobre as medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19) e definiu um regime especial de compensação de jornada (art. 14). É certo que, o aditamento acima transcrito originou-se em decorrência da pandemia da Covid-19. Ressalto, ainda, que o aditamento em análise é específico no sentido de que a compensação de horas do trabalhador deverá ser feita no período máximo de 1 anos após o retorno do regime normal de trabalho, inclusive restando autorizada a redução do intervalo intrajornada, sem mencionar a possibilidade de descontos do saldo no TRCT. E que, a cláusula 4ª do aditamento não autoriza de forma expressa o desconto das horas negativas geradas nos meses em que houve a interrupção das atividades quando da dispensa do empregado. E, nem poderia constar tal "autorização" diante do enorme prejuízo causado ao trabalhador que, ao fim e ao cabo, esteve alijado da sua "opção de poder trabalhar". Por fim, a MP 927/2020 teve como objetivo a manutenção do equilíbrio entre as relações de trabalho, visando a manutenção dos empregos. E, a reclamada utilizou-se dessa "permissiva legal" em seu único favor, ou seja, "suspendeu o contrato de trabalho do reclamante", enquanto suas atividades estavam "interrompidas" devido a Pandemia do COVID-19 e, após sua reabertura, dispensou o trabalhador sem justo motivo e, ainda, descontou horas de "banco negativo" das verbas rescisórias. Ainda se não bastasse a situação acima retratada é certo que, a Cláusula 14-B, XII, da CCT foi negociada quando não existia pandemia ou mesmo a possibilidade de interrupção das atividades do empregador, sendo que após tal situação foi imposto, ao trabalhador, permanecer em casa sem trabalhar por meses, gerando um saldo negativo exorbitante de horas. Destarte, como bem apontado na sentença, o aditamento à CCT e a MP nº 927/2020, deixam claro a possibilidade de compensação da jornada e, no caso dos autos, o reclamante sequer teve oportunidade de cumprir sua jornada normal com o retorno das atividades, sendo certo que o banco de horas negativo decorreu de uma situação excepcional de isolamento social em face da pandemia da COVID, portanto, decorre de um fato alheio a sua vontade e, portanto, não pode ser penalizado. Mantenho a determinação de devolução dos descontos. Nego Provimento. (TRT-2 10011022420205020013 SP, Relator: IVANI CONTINI BRAMANTE, 4ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 08/09/2021)

Diante destas considerações, o instituto da compensação de horas, deve antes de mais nada, decorrer de um diálogo e bom senso entre empregado e empregador. O reconhecimento deste direito deve partir de ambos os lados, pois estar-se-á evitando lesão a direitos trabalhistas, preservando a saúde do empregado, além também de observar os requisitos postos na legislação trabalhista.


Referências bibliográficas:

Martins, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 37 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

LEITE, Carlos. Henrique. B. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. 9786555595680. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595680/. Acesso em: 28 jan. 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618408. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553618408/. Acesso em: 29 jan. 2022.

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