Herança digital: desafios e perspectivas para o direito sucessório Brasileiro.
O Direito e as Leis se adéquam com as necessidades dos homens na sociedade. É partindo desta premissa que enfrentamos o tema da herança digital, uma nova concepção de sucessão no direito Brasileiro.
A herança digital não possui legislação regulamentando-a no Brasil.
A nova era da tecnologia, que modificou a forma do homem se relacionar na sociedade com seus bens, exige do sistema jurídico uma solução, uma destinação do seus bens, e inclusive os bens virtuais que vamos discorrer neste artigo, após a morte do autor da herança.
A verdade é que, precisamos compreender a herança digital a luz do direito sucessório, na nova fase do Direito que se inaugura, para alguns a contemporaneidade, para outros a pós-modernidade, ou a hipermodernidade.
De antemão, se adverte ao leitor que o tema deste artigo é tão importante, quanto o projeto de Lei 3.050/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, pela qual inclui no Código Civil o direito de herança digital. Também acrescentamos que, existem outros projetos de lei em tramitação além do acima citado, inclusive alguns já foram arquivados.
Não pretendemos dissertar sobre o tema no presente artigo, mas sim levantar alguns questionamentos ou apontamentos como objetivo também de participar de alguma forma, do debate e da construção da legislação, com intuito de regular essa nova modalidade de sucessão.
Mormente, a herança digital pode ser compreendida como todo o patrimônio digital do de cujus, como livros (produção intelectual na internet), fotos, vídeos, músicas, assinaturas digitais, redes sociais, moedas eletrônicas (bitcoin), aplicações financeiras, contas de e-mails, arquivos em nuvem, enfim, todos os bens que de alguma forma estão abrangidos pelo mundo da tecnologia, da informática, de cunho pecuniário, material ou artístico, que acrescem de alguma forma o patrimônio do de cujus, capaz de ser transmitido a seus herdeiros.
Um exemplo bem em alta sobre herança digital, são as contas virtuais dos influenciadores digitais, que movimentam a economia na rede.
A ausência de legislação a respeito, desafia o Poder Judiciário a decidir sobre três grandes institutos do Direito Civil, os direitos personalíssimos do de cujus, o direito à propriedade, e os direitos sucessórios dos herdeiros.
Discute-se também, a possibilidade ou não, da violação da privacidade, corolário do princípio da dignidade humana do morto.
Algumas redes sociais, como facebook, twitter e instagram, já possuem uma política de sucessão da conta ou transmissão do titular, em caso do falecimento.
O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente decisão, entendeu ser direito personalíssimo da titular da conta do facebook, em encerrar o acesso com a sua morte, não se transmitindo por herança:
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – EXCLUSÃO DE PERFIL DA FILHA DA AUTORA DE REDE SOCIAL (FACEBOOK) APÓS SUA MORTE – QUESTÃO DISCIPLINADA PELOS TERMOS DE USO DA PLATAFORMA, AOS QUAIS A USUÁRIA ADERIU EM VIDA – TERMOS DE SERVIÇO QUE NÃO PADECEM DE QUALQUER ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE NOS PONTOS ANALISADOS – POSSIBILIDADE DO USUÁRIO OPTAR PELO APAGAMENTO DOS DADOS OU POR TRANSFORMAR O PERFIL EM "MEMORIAL", TRANSMITINDO OU NÃO A SUA GESTÃO A TERCEIROS – INVIABILIDADE, CONTUDO, DE MANUTENÇÃO DO ACESSO REGULAR PELOS FAMILIARES ATRAVÉS DE USUÁRIO E SENHA DA TITULAR FALECIDA, POIS A HIPÓTESE É VEDADA PELA PLATAFORMA – DIREITO PERSONALÍSSIMO DO USUÁRIO, NÃO SE TRANSMITINDO POR HERANÇA NO CASO DOS AUTOS, EIS QUE AUSENTE QUALQUER CONTEÚDO PATRIMONIAL DELE ORIUNDO – AUSÊNCIA DE ILICITUDE NA CONDUTA DA APELADA A ENSEJAR RESPONSABILIZAÇÃO OU DANO MORAL INDENIZÁVEL - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP - AC: 11196886620198260100 SP 1119688-66.2019.8.26.0100, Relator: Francisco Casconi, Data de Julgamento: 09/03/2021, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/03/2021)
Devido ser um fato recente no direito sucessório Brasileiro, há pouca orientação jurisprudencial e contribuição da doutrina civilista neste sentido. Alguns doutrinadores também sustentam que, não há em que se falar em transmissão da herança, pois o direito morre com o titular.
Este pois, não é nosso entendimento. Adotamos o posicionamento da doutrina majoritária, que orienta para a linha do planejamento sucessório. Ou seja, o titular do bem digital deve, sobremaneira, fazer um testamento sobre quem vai administrar suas contas digitais e seu patrimônio, a fim de melhor evitar litígio no Poder Judiciário.
Assim como na sucessão hereditária atual, já se enfrenta conflitos, como indivisibilidade do bem, herdeiros em condomínio, consenso entre os herdeiros de quem vai administrar o objeto, entre outros, certamente na herança digital também se enfrentará discussões desta natureza.
Portanto, não basta apenas o legislador positivar a herança digital. É preciso ir além, e prever ainda que (im) possível todas as hipóteses na sua regulamentação.
Em mais uma matéria da vida humana, é provocado o Poder Judiciário a se manifestar, pela qual sua tarefa é prestar aos jurisdicionados a correta aplicação do Direito e se aproximar do ideal de Justiça, refletindo na pacificação e na ordem social.
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