Posse e Propriedade: é possível diferenciar?
Emiliano Cruz da Silva, é Especialista em Direito Civil, Advogado no escritório Sventnickas Advocacia, em Criciúma-SC. e-mail: emiliano53338@oab-sc.org.br
"[...] O conceito de posse prescinde, assim, dos atos de exercício do poder, que são meramente facultativos, essenciais apenas potencialmente. Joel Dias Ferreira Jr. lamenta a conservação, no atual Códex, da fórmula conceitual da velha codificação, deixando o legislador pátrio de acompanhar a evolução doutrinária ditada pelas teorias sociológicas do início do séc. XX, que teriam superado a dicotomia das concepções de Savigny e de Ihering, situando a posse como função social da propriedade".
Não menos importante, é o conceito adotado pelo civilista contemporâneo Flávio Tartuce (2020, p.32):
"[...] Isso porque a posse pode ser conceituada como sendo o domínio fático que a pessoa exerce sobre a coisa. A partir dessa ideia, levando-se em conta a teoria tridimensional de Miguel Reale, pode-se afirmar que a posse constitui um direito, com natureza jurídica especial. Como dito no capítulo anterior, a posse é um conceito intermediário, entre os direitos pessoais e os direitos reais. Mas esse caráter híbrido não tem o condão de gerar a conclusão de que não constitui um direito propriamente dito".
Apelação cível. Ação de reintegração de posse. A autora pretende ser reintegrada em imóvel que alega ser proprietária, através de contrato particular de compra e venda. Sentença de improcedência diante da falta de prova da posse sobre o bem. A ação possessória tem como finalidade a defesa da posse em caso de esbulho ou turbação, devendo restar devidamente comprovadas a posse, sua duração e o esbulho ou turbação praticado pelo réu. É impossível a mera demonstração de direito de propriedade sustentar pedido possessório. Ausência de prova da posse anterior. O juízo possessório não se presta para alegação de domínio porque somente se discute a posse. Em sede de juízo petitório a discussão versa sobre o domínio, sendo secundária a questão daquela. Tratando-se de demanda de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse (art. 927 do CPC). Inexistência de fungibilidade entre os institutos possessório e petitório. Inadequação da via eleita. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ - APL: 00169117820168190210, Relator: Des(a). FERDINALDO DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 29/10/2019, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL)
"Em termos conceituais, portanto, o direito de propriedade consiste no direito real de usar, gozar ou fruir, dispor e reivindicar a coisa, nos limites da sua função social. Quando o proprietário reúne todas essas faculdades (ou poderes), diz-se que tem propriedade plena".
“Direito real por excelência, direito subjetivo padrão, ou ‘direito fundamental’ (Pugliatti, Natoli, Plainol, Ripert e Boulanger), a propriedade mais se sente do que se define, à luz dos critérios informativos da civilização romano-cristã. A ideia de ‘meu e teu’, a noção do assenhoreamento de bens corpóreos e incorpóreos independe do grau de cumprimento ou do desenvolvimento intelectual. Não é apenas o homem do direito ou do business man que a percebe. Os menos cultivados, os espíritos mais rudes, e até crianças têm dela a noção inata, defendem a relação jurídica dominial, resistem ao desapossamento, combatem o ladrão. Todos ‘sentem’ o fenômeno propriedade” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições..., 2004, v. IV, p. 89).
Entrementes, a Jurisprudência tratando sobre propriedade, entende que, quem exerce algum daqueles atributos da propriedade, detém a posse:
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. APELAÇÃO CÍVEL. AUTORES QUE PROVARAM A POSSE SOBRE A COISA. REQUERIDOS QUE NÃO SE DESINCUMBIRAM DE TAL ÔNUS. APELAÇÕES CONHECIDAS E DESPROVIDAS. I – Reintegração de posse: exerce posse aquele que exerce qualquer dos poderes inerentes ao direito de propriedade (artigo 1.228 do diploma civil), os quais consistem nas faculdades de usar, gozar e dispor da coisa. Sempre, portanto, que alguém exerce um dos poderes inerentes à propriedade da coisa, agindo como se proprietário desta fosse, pode-se afirmar que detém a posse. Privilegiou-se o estado de aparência juridicamente relevante, exteriorizada com relevância social. II – Apesar de os requerentes não morarem no imóvel em questão, exercem, inequivocamente, a posse sobre o mesmo, pois utilizam a coisa como melhor convém a suas necessidades (in casu, para realização de projetos e experimentos científicos), desde a data da aquisição no início da década de 1990. Provas documentais consistentes. III – De outro lado, os requeridos não acostam às suas contestações nenhum documento que comprove o exercício de poder de fato sobre a coisa. Constam apenas documentos pessoais que comprovam sua residência no município de Iranduba/AM, bem como fotografias fora de contexto. Nenhum documento relaciona-se com a coisa em querela. IV – Apelações conhecidas e desprovidas. (TJ-AM - AC: 00059810320158040000 AM 0005981-03.2015.8.04.0000, Relator: Nélia Caminha Jorge, Data de Julgamento: 14/08/2016, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 15/08/2016).
Destarte, em tempo, consigna-se que quando a matéria versar sobre posse, o caminho processual a ser adotado, são as ações possessórias: ação de reintegração de posse, a ação de manutenção de posse e a ação de interdito proibitório. O que demanda maior estudo e tempo, para abordar as diferenças e cabimento, uma vez que não foi o objetivo desse texto.
Em se tratando de defesa da propriedade, e com objetivo de requerer a posse do bem, o caminho processual são as ações petitórias, por meio da ação reivindicatória, ação de usucapião, ação publiciana, ação de imissão na posse, por exemplo.
In casu, posse e propriedade são institutos do Direito Civil, que podem ser compreendidos na sua complexidade com o todo, podendo ser diferenciados sob o ponto de vista da doutrina e da jurisprudência, conforme os fundamentos aqui elucidados.
Referências bibliográficas:
Stolze, Pablo. Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de direito civil 5 - direitos reais. São Paulo: Editora Saraiva, 2018. 9788553609420. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553609420/. Acesso em: 30 Jan 2021. p. 110.
Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil - Direitos Reais - Vol. 4. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788597024715. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597024715/. Acesso em: 30 Jan 2021. p. 181.
Comentários
Postar um comentário