Dano moral versus abandono afetivo.
A família “... é o templo do amor, do carinho, do afeto e do respeito, De fato, ela só existe se sobre ela o princípio da eticidade tiver lugar reservado e o valor-fonte da dignidade humana reinar; caso contrário, ali imperará a degradação”
(BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Regime de Bens no novo Código Civil, p. 286.).
Um dos princípios que rege o Direito de Família Brasileiro, é o princípio da afetividade. A família é uma entidade que, para dar certo, necessariamente, precisa de afeto. Diante dessa premissa, como conferir juridicidade ao afeto, no âmbito do direito de família, digo, como positivar, o afeto, e dar ou assegurar, seu cumprimento nas relações familiares? Pois bem, já encontramos julgados e estudos à respeito no Poder Judiciário Brasileiro.
Ricardo Calderón (Princípio da afetividade no Direito de Família, p. 396), sustenta que o princípio da afetividade possui dupla face, a saber, a “... de dever jurídico, voltada para as pessoas que possuam algum vínculo de parentalidade ou de conjugalidade (aqui incluídas não só as relações matrimoniais, mas todas as uniões estáveis de alguma forma reconhecidas pelo sistema). A outra face, consoante a teoria proposta pelo autor é a geradora de vínculo familiar, amparada na posse de estado e, a partir dos laços afetivos constituídos é que se constata o vínculo familiar decorrente desta relação.
De tal sorte, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, entendeu por unanimidade, a condenação em dano moral, para um homem que se limitou a prover o sustento e dar melhores condições de vida, a seu filho, limitando-se apenas ao pagamento de pensão alimentícia, em que na maioria das vezes ocorreria com atraso, uma vez que o genitor possuía ótimas condições financeiras.
Ainda, de acordo com Flávio Tartuce, demonstrando evolução quanto ao tema, surgiu mais recente decisão do próprio STJ, ou seja, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012). Em sua relatoria, a Min. Nancy Andrighi ressaltou que o dano moral estaria presente diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, a magistrada deduziu pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: “amar é faculdade, cuidar é dever”.
Neste sentido, consolidou-se a Jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO (CC/2002, ARTS. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579, 1.632 E 1.634, I; ECA, ARTS. 18-A, 18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002. 2. Estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 1087561 / RS, Rel Min. Raúl Aarújo, 4ª Turma, pub. 18/08/2017)
Contudo, o abandono afetivo, entendido como um ato ilícito, em que o sujeito incorre em omissão e negligência, ainda que exclusivamente moral, merece amparo legal, e dever de indenizar, à fim de restabelecer (ou ainda que de cunho pedagógico), a integridade física e psíquica, material e moral do infante em situação de abandono.
Referência:
O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Flávio Tartuce, disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822540/o-principio-da-afetividade-no-direito-de-familia
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